Mario E. Burkún, na Carta Maior
As últimas medidas anunciadas, em 24 de março de 2014, sobre o tipo de câmbio e a administração da flutuação do peso da Argentina em relação ao dólar dos Estados Unidos, têm interpretações distintas.
A) Perdeu-se, no último período, especialmente nos últimos dois meses, a ancoragem da inflação utilizando o atraso cambial, isto é, o valor da moeda, que seguia somente a desvalorização do dólar mais uma modificação diária de um centavo entre 2012 e 2013. Com isso, recuperou-se lentamente o atraso em 30%.
Com a desvalorização da última semana, o valor do dólar paralelo se aproximou de 12 pesos por dólar, e o oficial, de 8 pesos, buscando um tipo de câmbio múltiplo, com uma diferença de 40 %.
Tomando outubro de 2011 como base para uma análise, que foi o momento da “pesificação” das transações internas, vemos que o tipo de câmbio, de aproximadamente 4 pesos por dólar aumentou até chegar aos valores do fechamento da última sexta-feira (24/01).
B) O uso deste tipo desvalorização pode ser definido como a escolha de “um cavalo de pau”, que produz um efeito disparador sobre o índice de preços, aumentando as incertezas sobre suas possíveis consequências no poder aquisitivo do salário.
O primeiro impacto sobre a inflação local, nos últimos dois meses, refletia-se na cesta básica de alimentos e elevou a inflação anual de 2013 de um valor estimado em 25% a uma projeção anual entre 35 e 40% para 2014, se o ritmo do último mês for mantido.
C) As modificações salariais (discussões paritárias entre trabalhadores e empresários por ramo de atividade) acontecem, em sua maioria, no mês de maio e começam a ser efetivadas em junho ou julho, em duas partes.
É provável que esta taxa de inflação obrigue os sindicatos a buscar ajustes trimestrais, e não mais anuais, ou a fixar a chamada “cláusula do gatilho”, isto é, corrigir a cada mês o salário com base na taxa de inflação. O pequeno “detalhe” é que o dado oficial da taxa da inflação é irreal e não pode ser usado como parâmetro para medição. É preciso considerar também que mais de um terço dos trabalhadores não tem emprego reconhecido pelo empregador, o que os deixaria de fora dessa negociação paritária sobre inflação e pagamento.
Tal situação leva a acreditar que o cavalo de pau pode gerar uma tensão social em uma classe trabalhadora politizada e consciente de sua dignidade.
D) A desvalorização amplia o espaço para o lucro industrial por dois motivos principais: 1) Reduz o custo de produção por conta de salários baixos. 2) A conflitividade no interior do processo de produção fica sujeita à possibilidade de desemprego e à falta de novos empregos. 3) Ao existir um protecionismo por meio da restrição de importações em um processo de substituição pela produção local, fomentada por um mercado cativo para a indústria local, motiva-se uma inflação maior pela falta de competitividade diante do produto estrangeiro.
4) Reduz-se a saída de divisas pelos turistas e serviços, levando o custo local a níveis internacionais baixos.
E) De imediato, a produção local se torna mais competitiva em nível internacional por conta dos preços em divisas menores. Isso favorece a exportação industrial em relação aos produtos primários. Tal facilidade para a competitividade acontece sem mudanças na produtividade, o que, em longo prazo, corrobora a fraqueza e o desequilíbrio da estrutura industrial diante de outras economias.
F) As dívidas locais em dólares se encarecem, produzindo impactos sobre os setores que fazem parcelas em longo prazo, como imóveis ou bens duráveis. Isso muda imediatamente a norma de consumo da classe média e pode reduzir o mercado local de consumo e de investimento.
G) As importações são mais caras, o que tira a motivação para a aquisição de bens de capital e para a renovação do equipamento industrial. Fato que, continuamente, prejudica a qualidade da produção e facilita uma economia de produção primária voltada para a exportação.
H) Alteram-se as relações comerciais com os “parceiros” regionais, em especial com o Brasil, pela dimensão do comércio entre os dois países, gerando um aumento da guerra de tipos de câmbio entre as moedas dos países emergentes.
I) O ajuste tradicional na América Latina se acelera com estas medidas, que acompanham o comportamento da Venezuela e seu mercado cambial múltiplo com uma reconhecida inflação, que supera os 50%.
J) Pode-se criar uma frustração da consciência nacional e popular que aumentou na última década, diminuindo o progresso dos trabalhadores de cada país, bem como a solidariedade política da América Latina.
Propostas:
1) Os países da América Latina, especialmente os da Unasul, ou os do Mercosul ampliado, têm que aproveitar a necessidade de recursos naturais dos países desenvolvidos, da China e da Índia, criando, para cada recurso natural, alianças de oferta, como se faz na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), especialmente para intervir sobre preços e quantidades em alimentos e minerais raros, por exemplo.
2) Devem acordar medidas de proteção industrial sobre possibilidades de substituir importações frente a outros países e de livre mercado dentro da região protegida, com bandas cambiais onde o câmbio flutue livremente, por exemplo, de 3% entre limites, para não competir com o tipo de câmbio. Fazer com que os pagamentos internos ao mercado integrado sejam feitos em forma de swaps, ou com empréstimos compensados sob planejamento conjunto de investimento, especialmente em obras públicas, infraestrutura ou de transporte.
3) Buscar um controle da inflação com políticas fiscais compensatórias, segmentadas pelo poder adquisitivo para poder regular a oferta de produtos e o nível de preços por meio de um planejamento indicativo, mas de referência (custo de oportunidade na Unasul) para os produtos e insumos prioritários no intercâmbio regional.
4) Atrair investimento internacional pela depreciação e desvalorização dos ativos já efetuada. Mas procurar diminuir o ajuste selvagem mediante um protecionismo regional, motivando o crédito local com taxas de interesse acessíveis para o investidor individual. Tentar imitar a corrida em direção ao dólar por possibilidade de investimento nos mercados locais, do contrário, a perda de capitais e de reservas destruirão as possibilidades de continuar as mudanças sociais.
Conclusão
Temos, entre todos os países, que frear os ajustes econômicos selvagens em cada país mediante a institucionalização das formas de integração e da promoção de políticas ativas, voltando a criar condições para o crescimento produtivo. A orientação para a desvalorização dos ativos é resultado da especulação financeira e provoca, em curto prazo, situações de instabilidade política e social. As sequelas destes movimentos abruptos, de curto prazo, acabam com as possíveis vantagens para as indústrias de um tipo de câmbio hipervalorizado, que são resultados efêmeros, com reduções de emprego e crises pelo estrangulamento de financiamento e carência de reservas de livre disponibilidade.
A Unasul pode ser um bom vínculo de integração econômica e política que elimina a possibilidade de um novo processo de redução do crescimento, com inclusão social e sem apartheid por salários e desigualdades de poder adquisitivo.
Tradução: Daniella Cambaúva
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