quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Resultado fiscal


Amir Khair no Carta Maior

   A questão fiscal diz respeito ao comportamento das receitas, despesas, resultado (diferença entre receitas e despesas) e dívidas. Mas, a maior parte das análises foca apenas o resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas exclusive as financeiras, como se essas não pesassem no resultado fiscal, ou que devem ser tratadas como reflexo de outras políticas como a monetária praticada pelo Banco Central para controlar a inflação.

Ora, em qualquer lugar do mundo o resultado fiscal inclui todas as receitas e todas as despesas, inclusive os juros. No mundo, os juros das contas públicas oscila entre 1% e 2% do Produto Interno Bruto. Aqui está em 5%, tendo sido muito mais elevado no passado.

Isso, por si só levaria a indagar o porquê dessa prática de ignorar o impacto do componente financeiro nas avaliações ficais da maioria das análises. A resposta é que predomina nas análises a visão do mercado financeiro para o qual não interessa por foco nos juros como despesa. E, espertamente deslocam o foco para o resultado primário. Mas porque não interessa por foco nos juros para o mercado financeiro? Porque é a mais importante fonte de lucro do sistema financeiro, inclusive, de considerável parte do setor não financeiro nos ganhos originados de aplicações nos títulos do governo federal.

Quando a Selic baixou para seu mínimo histórico de 7,25%, os lucros das grandes empresas foram reduzidos de forma expressiva.

Mas quem paga essa conta dos juros na casa de 5% do PIB? Todos nós que pagamos os tributos ao governo federal, seja no imposto de renda, no IPI que eleva o preço dos bens produzidos, no PIS e Cofins das vendas, etc.

Mas porque o governo federal que é o único devedor dos títulos onerados pela Selic mantém essa taxa de juro elevada na comparação com outros países e, assim, piora o resultado fiscal? Porque acredita ser a melhor forma de controlar a inflação. E daí acabou a discussão e, toca o governo a tentar produzir elevado superávit primário para pagar parte dos juros que decorrem da dívida que é submetida a essa elevada taxa.

Vale observar que essas análises culpam a expansão das despesas do governo federal como a causadora da inflação e, assim, o Banco Central (BC) deve elevar a Selic para compensar essa expansão. Ocorre que a maior expansão das despesas do governo federal naquilo que pode ser administrado fiscalmente é exatamente com os juros. E o responsável principal pela expansão passível de ser administrada é o BC. É semelhante ao caso do ladrão que após se satisfazer do roubo (elevar a Selic) sai da casa roubada correndo e gritando: “pega ladrão” (expansão fiscal causada pela Selic).

Além dessa questão do foco no resultado primário vale observar que nem sempre o melhor resultado primário leva ao melhor resultado fiscal. Assim, entre 2002 e 2012 o melhor resultado primário foi em 2005 quando chegou a 3,8% do PIB e o pior em 2009 com 2,0% do PIB. No entanto, apesar do maior resultado primário de 2005, o déficit fiscal daquele ano atingiu 3,6% do PIB contra déficit fiscal menor em 2009 com 3,3% do PIB. A explicação está nos juros que em 2005 atingiu 7,4% do PIB contra 5,3% do PIB em 2009.

A mesma coisa aconteceu quando se compara o segundo melhor resultado primário ocorrido em 2004 com o segundo pior resultado primário ocorrido em 2012. Ou seja, já passou da hora das análises pararem de botar foco no resultado primário e passarem a encarar o resultado fiscal como fazem todos os países. E, mais: começarem a considerar o impacto fiscal da política monetária transmitido pela prática da Selic elevada.



A explicação dos juros elevados em 2004 e 2005 comparados com os que vigoraram em 2009 e 2012 está na Selic. Em 2004 (16,4%), em 2005 (19,1%), em 2009 (10,1%) e em 2012 (8,6%). Felizmente, apesar de tanto tempo perdido há tendência de queda da Selic. No primeiro mandato de FHC girou no entorno de 25% e depois lentamente foi baixando quase de forma linear para se encontrar agora em 10,5%.

Como mencionado o início do artigo, compõem a avaliação fiscal as receitas e as despesas, seus comportamentos, composição, gestão, quem paga a receita, para onde se destinam as despesas. São aspectos relevantes e obrigatórios em qualquer avaliação fiscal.

Sobre cada um desses itens vale discorrer e apresentar as diferentes visões. Não basta dizer que as despesas cresceram ou encolheram em relação a qualquer referência. É necessário ir além, muito além para informar a todos que se interessam por acompanhar e cobrar das autoridades os compromissos que assumiram nas campanhas eleitorais.

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