Mídia decreta que déficit nas transações com o exterior foi
“recorde” no país – esqueceram choque do petróleo, crise da dívida e era
FHC
Foi divulgado ontem o resultado do Balanço de Pagamentos (BdP
instrumento de contabilidade nacional que mostra a relação econômica de
um país com o resto do mundo). A mídia local ficou extasiada. A parte do
balanço que registra as chamadas “transações correntes” (ou “conta
corrente”, que registra saldos comercial, de serviços, de transporte e
de envio de rendas) registrou déficit de US$ 81,4 bilhões. Resultado
ruim. Mas a Globo foi além e decretou, em seus vários noticiários: “Brasil registra o pior resultado de contas com o exterior da história”.
O Estado de São Paulo seguiu a mesma linha do “recorde” e colocou até um gráfico… de barrinhas (lembra do truque das barrinhas da mídia?) para corroborar a tese que está tudo indo para o buraco, manchetando que o “Rombo nas contas externas cresce 50% e bate recorde em 2013”.
Fonte: reprodução do site do Estado de São Paulo
De fato, o déficit de US$ 81,4 bilhões atingido em 2013 é, sim, o
maior do Brasil Republicano. Aí estão as barrinhas que não nos deixa
mentir. Mas dizer isso faz tanto sentido quanto dizer que o PIB de 2013
atingiu o maior valor da história. Antes do ano passado, o maior deficit
no balanço de transações correntes foi atingido… em 2012. Antes disso,
foi em 2011. E antes no fim dos anos 1990.
O ponto aqui é que o valor absoluto do saldo das transações correntes
não é uma boa medida para determinar como anda a relação do país com o
resto do mundo e sua necessidade de financiar um eventual déficit com
fluxos de capital (investimento direto ou investimento em carteira),
quanto mais para “fazer história”. O indicador mais importante é RELAÇÃO
entre este resultado e o PIB do país. Este é o indicador que ilustra
melhor esta relação e que permite comparações no tempo (na HISTÓRIA do
país) e no espaço (entre países), e é o mais usado em análises
econômicas minimamente fundamentadas.
Olhando sob este prisma, o resultado das contas externas, ao
contrário do que bradou a mídia, não é nem de longe a pior da história.
Aí estão as barrinhas que não deixam mentir:
O pior resultado da história aconteceu em 1974, logo após o primeiro
choque de petróleo, quando o déficit nas transações correntes atingiu
6,8% do PIB, e depois, da crise externa que resultou na década perdida,
nos anos 1980. Se restringirmos a comparação ao período do Plano Real, o
pior ano foi 1999, quando o déficit atingiu 4,32% do PIB. O período de
1997 a 2001 foi caracterizado por elevados déficits na conta corrente,
sempre acima de 3%. Não por acaso, depois de SUCESSIVOS ANOS de altos
déficits, o Brasil ficou vulnerável e, no primeiro espirro russo, o país
afundou em uma profunda crise. Lembrando que a União Europeia, que
adota uma política econômica bastante conservadora, exige que seus
membros não realizem déficit de mais de 3% do PIB.
Já nos últimos seis anos, quando o país voltou a registrar déficits
(o Brasil registrou superávits por cinco anos seguidos entre 2003 e
2007), o déficit do Brasil sempre foi bastante baixo como proporção do
PIB, sempre abaixo de 2,2% (número de fazer inveja aos países do sul da
Europa)… exceto em 2013. No ano passado, a estimativa é que o saldo das
transações correntes fique negativo em 3,66% do PIB.
O número é preocupante, e aumentou rápido demais, mais rápido que o
PIB. O governo precisa, sim, tomar providência para que isso não volte a
acontecer e recupere o patamar dos anos anteriores.
Mas não é, nem de longe, um desastre. É o pior resultado desde 2001, mas não o pior da história.
A perspectiva, porém, não é ruim: a desvalorização do câmbio, aumento
do IOF para gastos no exterior indicam que esse déficit grande em
termos absolutos e, especialmente, em % do PIB, não deve se repetir em
2014, ao menos não na mesma intensidade. Porém é provável que outras
ações, em especial no que diz respeito à produção de combustível, serão
necessárias.
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