Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 28/1/2014
Os três principais diários brasileiros de circulação nacional
registraram com zelo a mais recente manifestação do presidente do
Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que viaja pela
Europa em férias oficiais, com direito a diárias e cobertura regular da
imprensa. Desta vez, o ministro se queixa da Folha de S. Paulo,
que publicou entrevista com o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que foi
condenado na Ação Penal 470 mas não pode começar a cumprir sua pena
porque o presidente do STF não deixou o mandado assinado. De quebra,
atira para todo lado, ao se referir a uma tal “imprensa bandida”.
O noticiário em torno do magistrado ganha contornos de chanchada,
aqueles velhos filmes feitos na “Boca do Lixo”, em São Paulo, tal o
conjunto de falsos improvisos e dramas capazes de fazer rir.
Observe-se, por exemplo, como o ministro aparece sempre em situações de
aparente casualidade, fazendo compras numa loja de departamentos típica
da classe média, sentado na poltrona da classe econômica de um avião e
caminhando pelas ruas como um cidadão comum. É preciso muita comunicação
entre assessor de imprensa e repórteres para criar esse clima de
improviso.
Registre-se que os correspondentes e enviados especiais dos jornais
estão sempre um passo à frente, esperando-o nos embarques e
desembarques, estão informados de que ele chegará em tal lugar a tal
hora, e podem contar que ele terá uma frase de efeito para assegurar um
lugar de destaque na edição seguinte.
Detalhe: embora tenha recebido regularmente suas diárias como se
estivesse a serviço, por conta de palestras que proferiu na França, o
presidente do STF encontra-se oficialmente em gozo de férias, mas a
cobertura é de chefe de Estado.
Também há muita comicidade nos diálogos, ou melhor, nas falas do
ministro, sempre recheadas de expressões fortes e pontuadas por um mau
humor digno do Seu Madruga, o irritadiço personagem da série televisiva
“Chaves”. Se o observador isolar a severidade que as carrancas do
magistrado tentam induzir em suas manifestações, o conjunto apresentado
pela imprensa ganha ares de comédia popular.
Mas jornalistas não deveriam aceitar a imputação geral de “imprensa bandida”.
Roteiro de chanchada
Vejamos, então, o capítulo apresentado nas edições de terça-feira
(28/1): em outra circunstância “casual” que a imprensa não explica, o
presidente da Suprema Corte declara a jornalistas do Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo
que a imprensa não deveria ter publicado entrevista com o deputado João
Paulo Cunha, porque, tendo sido condenado à prisão, o parlamentar tem
que permanecer no ostracismo.
À parte o natural questionamento que deveria se seguir a essa afirmação
no mínimo controversa, não ocorreu a nenhum dos repórteres observar que
o deputado deu a entrevista porque está fora da prisão, e só não foi
preso porque o ministro viajou sem emitir o respectivo mandado.
Afora o fato de que os editores do Estado de S. Paulo confundem
os sentidos das palavras “mandado” e “mandato”, registre-se que o
principal motivo de irritação do ministro foi uma frase do parlamentar
condenado, na qual ele afirma que a omissão do presidente do STF, ao
viajar sem ter assinado o mandado, foi manobra planejada para se manter
no noticiário, mesmo em férias e ausente do país. Foi, segundo o
deputado, “pirotecnia para ter mais dois minutos de repercussão”.
O Estado também cita, mas os demais jornais não tiveram acesso,
ou preferiram ignorar, uma entrevista concedida pelo magistrado à Radio
France Internationale, na qual ele declarou o seguinte: “Há uma certa
imprensa bandida no Brasil, com pessoas pagas com fundos governamentais
que estão aí para me atacar, enquanto eu faço o meu trabalho”.
“Faço o meu trabalho e estou pouco ligando. Minha honestidade cabe aos
brasileiros avaliarem, não a esses bandidos”, completou o ministro, numa
demonstração de que se leva em altíssima conta.
Na interpretação do diário paulista, ele se referia à denúncia de que
estaria recebendo diárias no valor de R$ 14 mil, mesmo em viagem de
férias. O jornal vestiu a carapuça, ao lembrar ter sido o veículo a
revelar a informação sobre as diárias, o que coloca seus editores na
obrigação de responder ao xingamento.
A menos, claro, que os editores do Estado de S.Paulo acolham a ofensa, e como nas histórias de “amores bandidos”, aceitem apanhar em silêncio.
Isso também é típico das chanchadas.
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