A mídia sensacionalista tem feito o maior escarcéu com a crise conjugal do presidente da França. Neste sábado (25), quinze dias após a revista de fofocas “Closer” ter divulgado o suposto caso com a atriz Julie Gayet, François Hollande anunciou sua separação da jornalista Valérie Trierweiler, que era sua namorada, mas tinha status de primeira-dama. A “traição” já está sendo encarada pela imprensa local e mundial como o fim do governo “socialista” e o retorno da direita ao poder – no eterno rodízio entre os partidos neste país que afunda na crise econômica. A decadência de François Hollande, porém, não se deve à sua conturbada vida pessoal, mas sim à traição dos seus compromissos de campanha.
O líder do Partido Socialista, uma sigla socialdemocrata de centro, foi eleito com a promessa de enfrentar o grave problema do desemprego, que vitima milhões de franceses, e de peitar os poderosos interesses dos banqueiros. Rapidamente, porém, ele se acovardou diante da oligarquia financeira e adotou o seu programa de “austeridade fiscal”, o que agravou ainda mais a crise econômica no país. Como afirma Miguel Mora, em artigo no jornal espanhol El País intitulado “Hollande tira a máscara”, a guinada neoliberal do presidente francês foi a sua maior traição ao eleitor que apostara num novo rumo para o país. François Hollande já estava totalmente desgastado antes da revelação do seu caso extraconjugal. Vale conferir o artigo:
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Paul Krugman, o prêmio Nobel de Economia norte-americano, escreveu nesta semana que se trata de “um verdadeiro escândalo”, de “uma derrota”, de uma “rendição intelectual”. Obviamente, Krugman não falava das escapulidas do presidente francês, François Hollande, com uma atriz, mas de uma traição pior: “Seu afeto pelas desacreditadas doutrinas econômicas da direita”.
Segundo Krugman, ao afirmar em sua concorrida entrevista coletiva de 14 de janeiro que “a oferta cria a demanda”, ao oferecer à associação patronal um “pacto de responsabilidade” que levará seu Governo a desonerar em 98,3 milhões de reais a folha de pagamento das empresas e ao prometer cortar 164 milhões dos gastos públicos nos próximos três anos, Hollande engrossou as fileiras dos “políticos molengas e confusos da esquerda moderada”, “cúmplices dos conservadores teimosos e desapiedados”.
Na França, o anúncio do Hollande foi recebido com aplausos pela entidade patronal, encantada com o inesperado vale-presente; com desconcerto pela dividida direita parlamentar, o que levou Hollande a se gabar reservadamente de que sua estratégia já deu os resultados desejados; e com descontentamento pelos sindicatos, para os quais o líder empresarial Pierre Gattaz se tornou praticamente um primeiro-ministro. Valérie Pecresse, que foi ministra no governo de Nicolas Sarkozy, deu o tom ao afirmar: “A direita ganhou a batalha das ideias”.
O escritor Christian Salmon, autor do livro La Cérémonie Cannibale e especialista em comunicação política na era da globalização, acredita que Hollande “tirou a máscara”, e atribui isso à “ridícula” evolução do socialismo francês. “Eram socialistas, mas desde os anos oitenta multiplicaram suas denominações: foram sociais-democratas, sociais-liberais e agora, segundo o ministro Arnaud Montebourg, são sociais-patriotas.”
Segundo Salmon, o Partido Socialista, à maneira dos democratas-cristãos italianos radiografados por Pier Paolo Pasolini, “estão há anos fazendo política à moda antiga, com seus feudos, regiões e clientes, sem entender o que significa a era da insoberania, e seus líderes se contentam imitando François Mitterrand, numa paródia que já não é farsa, e sim pura máscara”.
Hollande afirma que não está promovendo uma guinada liberal, e sim uma “aceleração” das suas políticas anteriores, e se define como um social-democrata que se inspira “nos países do norte da Europa”. Salmon acredita que “de alguma forma isso é verdade, porque Hollande sempre foi um liberal europeísta”, mas acrescenta que “o presidente cometeu um roubo eleitoral ao adotar o plano que apresentou a entidade patronal e colocar toda a ênfase na competitividade, na economia do gasto público e nas reformas estruturais. Isso não é socialismo patriota, e sim neoliberalismo. E, além disso, uma rendição à Alemanha”.
Salmon, autor também de Storytelling, recorda que “[a dirigente socialista] Martine Aubry já disse nas primárias que todo dócil esconde um lobo, e agora o lobo saiu à luz. Uma infidelidade mata a outra. Hollande diz que não é liberal porque o Estado vigia. Mas Foucault já disse faz tempo que o que caracteriza o neoliberalismo é que ele se apropria do Estado”.
Em todo caso, trata-se de uma surpresa apenas relativa. Em 1983, Hollande foi um dos signatários de um panfleto intitulado Para Sermos Modernos, Sejamos Democráticos, em que defendia a necessidade de pactuar com o capital. Mas alguns eleitores que votaram nele em 2012 se sentem lesados. O cineasta Mathieu Lis, formado no Instituto de Estudos Políticos, diz que já esperava “algo semelhante, porque desde o começo Hollande excluiu de sua equipe os economistas de esquerda, e ao chegar ao poder se cercou de assessores direitistas, como Jean-Marc Jouyet e Emmanuel Macron”.
O que Lis não perdoa em Hollande é que ele tenha feito “o contrário do que prometeu quando declarou guerra às finanças, procurando o voto da esquerda, e se opôs ao plano de Sarkozy para reduzir os custos trabalhistas e financiá-los com o IVA. Um ano e meio depois, subiu o IVA, está nas mãos da entidade patronal e corta mais gastos para reduzir o Estado social. Em uma palavra, a política de Sarkozy, e uma decepção para milhões de franceses e europeus que esperavam que Hollande realmente encarasse Berlim e Bruxelas”.
Por enquanto, a guinada para a direita resultou em duas coisas. Uma: após passar meses pegando no pé de Hollande, a The Economist já não o considera “um perigo”, e sim “um social-democrata moderado”. E dois: ontem, a agência Moody’s manteve estável a qualificação da dívida francesa.
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