Entre o lucro das energéticas e o peso da conta para famílias e empresas há um cabo de guerra. O governo quer estimular a economia; a oposição pensa em 2014
Por: Maurício Thuswohl
Publicado em 17/01/2013
Erradicar a pobreza
extrema e tornar mais moderna e competitiva a indústria brasileira.
Desde que assumiu o cargo, a presidenta Dilma Rousseff situou essas
duas metas entre as principais de seu governo e as tem buscado por
meio do aprofundamento de políticas herdadas do governo anterior,
com iniciativas como o programa Brasil Sem Miséria e o Plano Brasil
Maior.
No Palácio do
Planalto, a missão de reduzir os elevados custos de produção de
energia elétrica no país para baixar o valor da tarifa final
cobrada dos consumidores residenciais e das empresas é considerada
fundamental para ajudar no combate à pobreza e, principalmente,
incentivar o aumento da competitividade das empresas nacionais.
O
consumo de energia tem peso importante na produção industrial. A
diminuição da tarifa seria um dos primeiros movimentos efetivos e
generalizados rumo a uma desoneração de fato – e não
transitória, como a redução pontual de impostos ou de
contribuições à Previdência – dos setores produtivos. Ao tentar
dar esse passo, no entanto, Dilma enfrenta forte resistência
política em setores que não admitem a redução dos lucros das
empresas concessionárias que operam no sistema elétrico brasileiro.
As transformações
para o sistema nacional de geração e transmissão de energia
elétrica pretendidas pelo governo foram reunidas na Medida
Provisória 579, anunciada em setembro por Dilma e pelo ministro de
Minas e Energia, Edison Lobão. A proposta prevê uma redução média
de 20,2% no preço final – 28% para os consumidores industriais e
16,2% nas contas de luz residenciais – a partir de 5 de fevereiro.
A MP 579 prevê também
a antecipação da renovação, por um período de 30 anos, das
concessões para as empresas que atuam no sistema elétrico nacional
e têm contratos que expiram até 2017. Para estimular as geradoras
e/ou transmissoras a aderir às mudanças, o governo se comprometeu a
eliminar ou reduzir encargos que incidem sobre a produção de
energia elétrica. Serão extintas a Reserva Global de Reversão
(RGR) e a Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC) e será
reduzida a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Todos esses
encargos são atualmente repassados pelas empresas às contas de luz.
Tarifa injusta
O peso do custo da energia no bolso do consumidor brasileiro é inquestionável (leia destaque na página 18). Na indústria, o cenário se repete. Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) – entidade que, assim como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), apoia a MP 579 – constata que a tarifa de energia paga pelo setor no Brasil (R$ 329 por megawatt/hora) é 134% superior à média dos outros países do grupo conhecido como Bric: Rússia, Índia e China. O estudo da Firjan revela também que as despesas da indústria brasileira com energia elétrica são maiores que as observadas em países como Alemanha, Japão, França e Estados Unidos, entre outros.Para Daniel Passos, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a proposta de redução tarifária trazida pela MP 579 cumprirá o papel de corrigir uma injustiça com o consumidor brasileiro: “A geração de energia elétrica no Brasil tem como fonte a energia hídrica, que tem um custo de geração e manutenção muito baixo. Ainda assim, o modelo brasileiro desde a metade dos anos 1990 tem feito com que a tarifa final desse serviço alcance um dos maiores patamares do mundo”.
Segundo o Dieese, a
conta de luz paga no Brasil não só tem um padrão médio de preço
elevado como também é extremamente desigual: “A tarifa final paga
pelo consumidor, residencial ou industrial, leva em conta o custo
específico de cada concessionária de energia. Não há uma
tarifa-padrão para o país, ou seja, não existe um mecanismo de
equalização. Isso faz com que a população das regiões onde é
mais difícil receber a energia acabe pagando uma tarifa mais
elevada”.
Os indicadores de
preços ao consumidor mostram que as tarifas de energia elétrica
mais elevadas ocorrem atualmente no Maranhão e no Piauí, exatamente
os estados mais pobres do país. Ao mesmo tempo, as mais baixas são
praticadas em Brasília e na capital de São Paulo. “Além de ser
cara, a tarifa de energia elétrica no Brasil tem um viés
regressivo, pois é mais cara exatamente para quem deveria pagar
menos, tendo em vista que são embutidos os custos da transmissão
dessa energia em cada área de concessão”, diz Passos.
Alckmin (SP), Richa (PR) e Anastasia (MG): governadores dos estados que produzem 25% da energia do país não apoiaram as medidas para reduzir custos
Outro ponto negativo é que a tarifa para a realização da operação e manutenção nas linhas de transmissão que estão sendo renovadas é em alguns casos muito baixa, conforme observa o economista. “No entender do Dieese, é insuficiente para a prestação da operação e da manutenção de forma adequada e com a qualidade que o sistema requer. O caminho não precisa ser esse. A redução das tarifas é importante, mas as coisas têm de ser conjugadas para que os efeitos indesejados não sejam maiores que o benefício pretendido.”
PSDB rejeita mudanças
Para alcançar a redução desejada nas contas de luz, o governo contava com a adesão de todas as principais empresas do setor, mas não foi isso o que aconteceu. Três grandes empresas estaduais – Companhia Energética de São Paulo (Cesp), Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Companhia Paranaense de Energia (Copel) – não aceitaram a antecipação da renovação dos contratos de concessão de suas maiores usinas hidrelétricas.
As três são
subordinadas a governos comandados pelo PSDB, principal partido de
oposição ao governo federal, e juntas respondem por cerca de 25% da
energia elétrica gerada no país. Sem elas, o índice médio de
redução nas contas de luz pretendido pelo governo federal não será
alcançado em fevereiro, a não ser que sejam adotadas medidas
adicionais para desonerar os custos do sistema.
Com a recusa em renovar
o contrato de seis importantes usinas, Cesp e Cemig são as ausências
mais sentidas pelo governo. As usinas Jaguara (424 MW), São Simão
(1.710 MW) e Miranda (408 MW), operadas pela empresa mineira, têm
uma importante capacidade somada de geração de energia, assim como
as três da empresa paulista que não aderiram ao pacote: Ilha
Solteira (3.444 MW), Três Irmãos (807,5 MW) e Jupiá (1.551 MW).
Segundo o secretário
de Energia de São Paulo e presidente da Cesp, José Aníbal, a
empresa não aceitou a antecipação da renovação da concessão de
suas usinas porque acredita ter direito a indenizações que somam R$
7,2 bilhões, enquanto o governo acena com o pagamento de somente R$
1,8 milhão: “Se a proposta do governo não mudar, a assembleia
geral da Cesp já decidiu que não participará do processo. Não
podemos aceitar essa defasagem que caberia ao Tesouro de São Paulo
assumir”.
Já a Cemig decidiu em
assembleia de acionistas não antecipar a renovação dos contratos
das três usinas, mas concordou integralmente com as novas regras
propostas pelo governo para o sistema de transmissão, assim como
para suas outras 18 usinas de geração de energia elétrica. Quatro
usinas da Copel, com capacidade menos expressiva, também não
renovaram a concessão. Todas as outras grandes empresas do setor
elétrico nacional, com destaque para a Eletrobrás, responsável por
35,5% da geração de energia do país, aderiram às mudanças
propostas pelo governo.
Renda menor, peso maior
Na maior
cidade do país, a energia elétrica corresponde a 2,62% do orçamento
das famílias, segundo cálculo do Dieese. Mas “o peso varia
conforme o poder aquisitivo”, observa a economista Cornélia
Nogueira Porto, coordenadora do Índice do Custo de Vida (ICV),
calculado mensalmente em São Paulo. O instituto divide as famílias
em três estratos. “Uma queda de 20% na tarifa não afeta muito o
estrato 3, mas afeta bastante o 1.”
No estrato
1, que concentra as de menor poder aquisitivo, esse peso é hoje de
4,16%, recuando para 3,25% no segundo e para 1,97% no terceiro. No
caso de uma redução de 20%, o peso da energia cairia 0,83 ponto no
orçamento dos mais pobres e 0,39 ponto no estrato 3.
O
comportamento da inflação e dos preços de energia nos últimos
anos também mostra que a conta aumentou mais para quem ganhou menos.
De 2000 a 2012, por exemplo, o ICV variou 130%, enquanto o custo da
eletricidade subiu 97%. Para quem ganha menos (estrato 1), essa
relação foi bem diferente: 132% no índice geral e 109% na energia.
Segundo o
IBGE, a participação da energia elétrica residencial na composição
do IPCA foi de 3,29% em novembro, chegando a 4% em Goiânia e a 3% na
região metropolitana de São Paulo, 3,81% no Rio de Janeiro, 3,46%
em Belo Horizonte e 2,68% no Distrito Federal. Tem se mantido nesse
nível. Cinco anos atrás, por exemplo, o peso era de 3,46%.
A energia
é um insumo importante também para a indústria. Levantamento feito
pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)
revela que a tarifa de energia paga pelo setor no Brasil é de R$ 329
por mwh em média, mas há variação de até 63% entre os estados.
“Mais importante, porém, do que observar as disparidades
regionais, é avaliar a competitividade da tarifa de energia frente à
dos demais países do mundo, em especial a dos principais
concorrentes brasileiros”, diz a entidade.
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