É com alegria, nesta abertura do carnaval,
que o 'Deixa Falar: o Megafone do esporte' revela aos leitores uma boa
novidade para todos os admiradores do futebol. Craques como Amarildo,
Coutinho, Dino Sani, Djalma Santos, Gérson, Ademir da Guia, Edu e Pepe,
entre outros, concederam longas entrevistas ao Museu do Futebol. Suas
histórias no futebol podem ser vistas através do link divulgado e lidas
no belo texto de Bernardo Buarque de Hollanda.
Bernardo Borges Buarque de Hollanda*
Data: 09/02/2013
No último mês de dezembro, foi concluída a
pesquisa “Futebol, Memória e Patrimônio: projeto de constituição de um
acervo em História Oral para o Museu do Futebol”. Com o apoio da FAPESP,
a pesquisa foi resultado de uma parceria entre duas instituições: a
Fundação Getúlio Vargas, por iniciativa do seu Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), e o Museu do
Futebol, pertencente à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo,
sediado nas dependências do Estádio do Pacaembu.
Em que consistiu o projeto? Durante dois anos, as equipes de pesquisadores da FGV e do Museu envidaram esforços para localizar antigos jogadores do selecionado nacional, atuantes nos anos de 1950 a 1980, a fim de compor um acervo total de 120 horas de gravação. As entrevistas, filmadas e conduzidas por representantes das duas instituições, reconstituíram as histórias de vida dos futebolistas brasileiros que atuaram em Copas do Mundo, quer sejam titulares ou reservas.
Qual o critério adotado para a escolha dos jogadores? Tendo em vista a premência em registrar os relatos dos atletas em idade mais avançada, adotou-se um recorte cronológico para a seleção dos entrevistados. Prestaram depoimento cinquenta e cinco ex-jogadores, com uma média de duas horas e meia de duração por entrevista. Para tanto, oito edições do Mundial foram enfocadas, a começar com a Copa da Suíça, em 1954, e a terminar com a Copa da Espanha, em 1982.
Trata-se de uma iniciativa única e original? Longe disto. Em termos institucionais, o projeto inspirou-se em experiências pretéritas, como as empreendidas pelo Museu da Imagem e do Som, nos idos de 1960 e 1980. Não obstante, somente agora, após a inauguração do Museu do Futebol (2008), uma ideia semelhante pode ser retomada.
Como foram essas edições anteriores? No MIS do Rio de Janeiro, o produtor musical Ricardo Cravo Albin idealizou a série Depoimentos para a Posteridade, com o registro da voz de centenas de jogadores, dirigentes e técnicos. Em agosto de 1967, o arqueiro da belle époque, Marcos Carneiro de Mendonça, deu início à composição desse acervo sonoro, que teve continuidade com Domingos da Guia, Zizinho, o técnico Flávio Costa e muitos outros.
Já em São Paulo, o MIS desenvolveu um trabalho bem parecido, entre fins dos anos 1970 e princípios dos 1980, quando era então dirigido pelo fotógrafo e estudioso de fotografia Boris Kossoy. Memória do Futebol, assim intitulava-se a coleção paulistana, foi realizada por pioneiros dos estudos acadêmicos sobre futebol e História Oral no Brasil, os uspianos José Sebastião Witter e José Carlos Sebe Bon Meihy, e contou com a participação de Juca Kfouri entre os entrevistadores.
Há diferenças com relação ao acervo que acaba de ser entregue ao Museu do Futebol? Evidente que sim. Basta frisar o seu aparato técnico. A consulta é facultada na íntegra, através da webpage http://cpdoc.fgv.br/museudofutebol/resultados, ficando disponível tanto a entrevista quanto a sua transcrição.
Outra distinção frente às coleções pregressas diz respeito a seu suporte audiovisual: ele permite não apenas superar a caducidade dos registros em fita magnética como captar o som do entrevistado em um quadro imagético mais amplo. Em lugar do gravador, a câmera capta todo o gestual, a expressão facial, bem como a mise-en-scène que acompanha a fala do futebolista.
Trata-se de um detalhe apenas aparentemente sem importância. Para historiadores e pesquisadores, o recurso à fonte fílmica pode vir a ser crucial. O cineasta Eduardo Escorel, no artigo Vestígios do passado: acervo audiovisual e documentário histórico, chama a atenção para a força de testemunho das imagens em movimento e acentua “a discrepância notável que pode existir entre o relato dos cronistas e o que inferimos do registro filmado”.
Ora, não tem sido esse ponto – a confiabilidade nos cronistas de outrora para a reconstituição do passado esportivo nacional – o pomo da discórdia entre aqueles que debatem a historiografia do futebol brasileiro?
Para ilustrar o contraste entre o filmado e o escrito, pode-se pinçar apenas um exemplo no material recém-depositado no Museu do Futebol. Este se apresenta já na tematização do Mundial de 1954, o primeiro da série. Nesta Copa, o debate sobre a eliminação da Seleção nos gramados helvéticos costuma fiar-se no relatório legado pelo chefe da delegação brasileira, o jurista João Lyra Filho.
O dirigente atribuía a derrota para o selecionado húngaro à tibieza psicossocial do atleta brasileiro. Para Lyra Filho, a incapacidade de autocontrole e a instabilidade nervosa demonstrada em campo pelos jogadores se revelavam especialmente nos momentos decisivos, tais como aqueles vivenciados na semifinal contra a Hungria do major Ferenc Puskás.
Se tal versão ficou consignada nos anais da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), uma visão antagônica a essa pode ser encontrada nos depoimentos gravados com os três atletas remanescentes daquele evento: Djalma Santos, Índio e Cabeção.
Nos relatos filmados, os jogadores justificam a derrota em função dos aspectos organizativos, justamente aqueles sob responsabilidade dos cartolas da CBD. Políticos em demasia na delegação, excesso de discursos, falta de planejamento, desconhecimento das regras do torneio, imposição tática – a marcação por zona do treinador Zezé Moreira – ainda pouco familiar entre os atletas, ausência de aquecimento prévio à partida: todos estes pontos foram evocados pelos jogadores na rememoração do Mundial disputado na Suíça.
Mais do que interpretações inéditas, furos jornalísticos ou pontos de vista discrepantes, o material agora franqueado ao grande público e aos pesquisadores permitirá o acesso a uma série de histórias, com a narração de casos pitorescos e com inúmeras passagens saborosas que as reminiscências dos jogadores nos dão a conhecer sobre as Copas das quais foram protagonistas.
*Bernardo Borges Buarque de Hollanda é professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).
Dois toques do Megafone:
1) Assistindo às entrevistas de Gérson, Edu e Marco Antonio, por exemplo, algumas dúvidas sobre fatos que antecederam a saída de João Saldanha e a entrada de Zagallo na seleção brasileira em 1970 podem ser avaliadas mais adequadamente, além de vários outros assuntos, como a Copa do Mundo de 1966.
2) A entrevista de Gérson ao Museu do Futebol é excelente. Como documento histórico complementar é interessante ver um longo depoimento do canhotinha (50 minutos) à Rádio Globo. Muito bom. Ver no link:
http://www.youtube.com/watch?v=1jg02BP4ZVQ
A coluna 'Deixa Falar: o megafone do esporte' é espaço de debates idealizado e editado por Raul Milliet Filho
Em que consistiu o projeto? Durante dois anos, as equipes de pesquisadores da FGV e do Museu envidaram esforços para localizar antigos jogadores do selecionado nacional, atuantes nos anos de 1950 a 1980, a fim de compor um acervo total de 120 horas de gravação. As entrevistas, filmadas e conduzidas por representantes das duas instituições, reconstituíram as histórias de vida dos futebolistas brasileiros que atuaram em Copas do Mundo, quer sejam titulares ou reservas.
Qual o critério adotado para a escolha dos jogadores? Tendo em vista a premência em registrar os relatos dos atletas em idade mais avançada, adotou-se um recorte cronológico para a seleção dos entrevistados. Prestaram depoimento cinquenta e cinco ex-jogadores, com uma média de duas horas e meia de duração por entrevista. Para tanto, oito edições do Mundial foram enfocadas, a começar com a Copa da Suíça, em 1954, e a terminar com a Copa da Espanha, em 1982.
Trata-se de uma iniciativa única e original? Longe disto. Em termos institucionais, o projeto inspirou-se em experiências pretéritas, como as empreendidas pelo Museu da Imagem e do Som, nos idos de 1960 e 1980. Não obstante, somente agora, após a inauguração do Museu do Futebol (2008), uma ideia semelhante pode ser retomada.
Como foram essas edições anteriores? No MIS do Rio de Janeiro, o produtor musical Ricardo Cravo Albin idealizou a série Depoimentos para a Posteridade, com o registro da voz de centenas de jogadores, dirigentes e técnicos. Em agosto de 1967, o arqueiro da belle époque, Marcos Carneiro de Mendonça, deu início à composição desse acervo sonoro, que teve continuidade com Domingos da Guia, Zizinho, o técnico Flávio Costa e muitos outros.
Já em São Paulo, o MIS desenvolveu um trabalho bem parecido, entre fins dos anos 1970 e princípios dos 1980, quando era então dirigido pelo fotógrafo e estudioso de fotografia Boris Kossoy. Memória do Futebol, assim intitulava-se a coleção paulistana, foi realizada por pioneiros dos estudos acadêmicos sobre futebol e História Oral no Brasil, os uspianos José Sebastião Witter e José Carlos Sebe Bon Meihy, e contou com a participação de Juca Kfouri entre os entrevistadores.
Há diferenças com relação ao acervo que acaba de ser entregue ao Museu do Futebol? Evidente que sim. Basta frisar o seu aparato técnico. A consulta é facultada na íntegra, através da webpage http://cpdoc.fgv.br/museudofutebol/resultados, ficando disponível tanto a entrevista quanto a sua transcrição.
Outra distinção frente às coleções pregressas diz respeito a seu suporte audiovisual: ele permite não apenas superar a caducidade dos registros em fita magnética como captar o som do entrevistado em um quadro imagético mais amplo. Em lugar do gravador, a câmera capta todo o gestual, a expressão facial, bem como a mise-en-scène que acompanha a fala do futebolista.
Trata-se de um detalhe apenas aparentemente sem importância. Para historiadores e pesquisadores, o recurso à fonte fílmica pode vir a ser crucial. O cineasta Eduardo Escorel, no artigo Vestígios do passado: acervo audiovisual e documentário histórico, chama a atenção para a força de testemunho das imagens em movimento e acentua “a discrepância notável que pode existir entre o relato dos cronistas e o que inferimos do registro filmado”.
Ora, não tem sido esse ponto – a confiabilidade nos cronistas de outrora para a reconstituição do passado esportivo nacional – o pomo da discórdia entre aqueles que debatem a historiografia do futebol brasileiro?
Para ilustrar o contraste entre o filmado e o escrito, pode-se pinçar apenas um exemplo no material recém-depositado no Museu do Futebol. Este se apresenta já na tematização do Mundial de 1954, o primeiro da série. Nesta Copa, o debate sobre a eliminação da Seleção nos gramados helvéticos costuma fiar-se no relatório legado pelo chefe da delegação brasileira, o jurista João Lyra Filho.
O dirigente atribuía a derrota para o selecionado húngaro à tibieza psicossocial do atleta brasileiro. Para Lyra Filho, a incapacidade de autocontrole e a instabilidade nervosa demonstrada em campo pelos jogadores se revelavam especialmente nos momentos decisivos, tais como aqueles vivenciados na semifinal contra a Hungria do major Ferenc Puskás.
Se tal versão ficou consignada nos anais da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), uma visão antagônica a essa pode ser encontrada nos depoimentos gravados com os três atletas remanescentes daquele evento: Djalma Santos, Índio e Cabeção.
Nos relatos filmados, os jogadores justificam a derrota em função dos aspectos organizativos, justamente aqueles sob responsabilidade dos cartolas da CBD. Políticos em demasia na delegação, excesso de discursos, falta de planejamento, desconhecimento das regras do torneio, imposição tática – a marcação por zona do treinador Zezé Moreira – ainda pouco familiar entre os atletas, ausência de aquecimento prévio à partida: todos estes pontos foram evocados pelos jogadores na rememoração do Mundial disputado na Suíça.
Mais do que interpretações inéditas, furos jornalísticos ou pontos de vista discrepantes, o material agora franqueado ao grande público e aos pesquisadores permitirá o acesso a uma série de histórias, com a narração de casos pitorescos e com inúmeras passagens saborosas que as reminiscências dos jogadores nos dão a conhecer sobre as Copas das quais foram protagonistas.
*Bernardo Borges Buarque de Hollanda é professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. É editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).
Dois toques do Megafone:
1) Assistindo às entrevistas de Gérson, Edu e Marco Antonio, por exemplo, algumas dúvidas sobre fatos que antecederam a saída de João Saldanha e a entrada de Zagallo na seleção brasileira em 1970 podem ser avaliadas mais adequadamente, além de vários outros assuntos, como a Copa do Mundo de 1966.
2) A entrevista de Gérson ao Museu do Futebol é excelente. Como documento histórico complementar é interessante ver um longo depoimento do canhotinha (50 minutos) à Rádio Globo. Muito bom. Ver no link:
http://www.youtube.com/watch?v=1jg02BP4ZVQ
A coluna 'Deixa Falar: o megafone do esporte' é espaço de debates idealizado e editado por Raul Milliet Filho
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