04/02/2013
Para o líder do MST, diálogo com a administração federal passa por “solução de necessidades sociais de emergência”
Escrito por: Brasil 247
A presidenta Dilma Rousseff
visita nesta segunda-feira 4 o assentamento do MST Dorcelina
Folador, no município de Arapongas, a 30 km de Londrina,
para o lançamento do Programa Nacional de Agroindústrias na
Reforma Agrária. Será inaugurada, por volta das 14h, a
agroindústria da Cooperativa de Comercialização e Reforma
Agrária União Camponesa (Copran). A expectativa é que
aproximadamente 6 mil pessoas estejam presentes.
A presidente está acompanhada
da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, do
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto
Carvalho, e do governador do Paraná Beto Richa, além de
prefeitos, deputados e vereadores do estado. O dirigente
nacional do MST João Pedro Stédile participa do ato como
representante de movimento.
A presidenta Dilma irá
almoçar com os integrantes do assentamento, com cardápio de
alimentos produzidos pelas famílias locais. Depois, faz a
inauguração da agroindústria. Em seguida, ela visita a feira
dos produtos da Reforma Agrária. Por fim, haverá um ato
político com a equipe ministerial.
Ao 247, o líder do MST
concedeu a seguinte entrevista exclusiva a respeito do atual
estágio de relações entre o MST e o governo:
247 - Com o
programa da agroindústria para os assentamentos, o
diálogo entre o MST e o governo pode ser destravado?
JOÃO PEDRO STÉDILE - Sempre
tivemos diálogo com o governo. Com todos os governos,
inclusive. A questão é que estamos diante de um governo de
composição de forças políticas e sociais, em que as forças
do capital e do agronegocio têm muito poder nos aparatos do
Estado brasileiro. E isso dificulta que esse tipo de governo
tenha uma proposta clara de Reforma Agrária, que é um
programa de Estado para democratizar a propriedade da terra.
É um programa para o desenvolvimento da indústria nacional e
de distribuição de renda. Na atual correlação de forças, não
está na agenda política nem um projeto de desenvolvimento
nacional nem de reformas estruturas. Não só a reforma
agrária que está travada, mas também a reforma tributária, a
reforma política, a reforma educacional. Não avança nem a
pauta da redução da jornada para 40 horas.
247 - Os números
sobre desapropriações no atual governo são os mais
tímidos dos útimos 20 anos. Ainda há condições para a
atual a presidente
Dilma fazer mais e melhor? Como?
Dilma fazer mais e melhor? Como?
STÉDILE - Temos apresentado
ao governo uma pauta com a necessidade social de emergência,
que é resolver o problema dos acampados. Há mais de 80 mil
familias do MST que estão acampadas debaixo de lona preta,
algumas desde o inicio do governo Lula. É preciso fazer
desapropriações de latifúndios improdutivos, como manda a
Constituição, para assentam as famílias nessas condições. Há
mais de 120 milhões de hectares improdutivos no cadastro do
Incra. Então, basta cumprir a Lei, e enfrentar os
interesses políticos dos latifundiários presentes em todas
as esferas.
O governo precisa priorizar o
assentamento dessas famílias nos projetos de irrigação no
nordeste. O governo diz que terá 200 mil hectares
irrigados. Ora, só ali se poderia colocar 100 mil famílias.
Há também o tema do limite
que o Brasil precisa colocar na compra de terras por
estrangeiros. O governo precisa dar um sinal claro nesse
sentido.
Por exemplo, o sr Dantas
comprou em apenas três anos mais de 600 mil hectares de
terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de
fundos de investimentos dos americanos. Com isso, é claro
que vai se agravar os conflitos pela terra no sul do Pará. O
governo precisa interferir e sinalizar, que não vai tolerar
a concentração da propriedade da terra por capitais
especulativos estrangeiros.
247 - Quais são
as metas mais importantes a serem cumpridas no setor de
reforma agrária, pelo governo, este ano, segumdo o ponto de vista do
MST?
reforma agrária, pelo governo, este ano, segumdo o ponto de vista do
MST?
STÉDILE - Resolvido o
problema emergencial da famílias acampadas, que é um
problema social - diante de um governo de composição que
impossibilita uma reforma agrária estrutural combinada com
um projeto de desenvolvimento nacional - precisamos então
desenvolver políticas públicas, que consigam favorecer a
produção de alimentos, sadios, e a agricultura familiar.
Assim, desenvolver um novo modelo agrícola de produção, que
gere emprego e renda para os trabalhadores.
O agronegócio como modelo de
produção é concentrador da terra e da produção. Produz só
na base do monocultivo, desequilibrando o meio ambiente, e
só produz com muito veneno.
Nós queremos e apresentamos
ao governo propostas de programas que incentivem a produção
de alimentos saidos, para o mercado interno, e sem uso de
agrotóxicos.
Programas que garantam a
compra da produção dos agricultores familiares. Programas
que levem a instalar pequenas agroindústrias em todos os
municípios e povoados do interior, como forma de
beneficiamento dos alimentos, geração de empregos para a
juventude.
Assim vamos fixar a população
no meio rural, distribuindo renda e melhorando a vida da
população do meio rural. Não apenas de meia duzia, como faz
o agronegócio, que dá lucro para apenas 1% da população do
meio rural.
247 - O sr, tem
criticado os técnicos do governo. É possível superar a
barreira de burocracia? O entendimento está melhor hoje ou pior do que
antes?
barreira de burocracia? O entendimento está melhor hoje ou pior do que
antes?
STÉDILE - Há uma burocracia
instalada no Estado brasileiro, que é um aparelho organizado
apenas para beneficiar os ricos, a burguesia. Então, pela
lógica normal de funcionamento dele, todos os programas que
se destinam aos pobres, aos trabalhadores, esbarram nessa
burocracia, que é de classe.
Por isso, há programas bons
que acordamos com o centro de governo e depois não chegam
aos trabalhadores. Por exemplo: em abril de 2011, a
Presidenta deu a ideia e determinou que para resolver o
passivo das 180 mil casas que faltam nos assentamentos, a
maneira mais barata e rápida seria enquadrá-los no programa
"Minha casa, minha vida", da Caixa.
Nós achamos muito
imteressante. Era uma ótima alternativa. Até hoje, passados
dois anos, não saiu ainda a portaria, que é uma página de
ofício A4, que qualquer funcionário poderia digitar e o
ministro das cidades assinar, para que a CAIXA possa
implementar. Então, o resultado é que 180 mil familias tem
terra, mas continuam morando em barracos.
Na área do crédito rural, da
mesma forma. Já provamos:o PRONAF só atende os pequenos
agricultores remediados. Por isso, não consegue ultrapassar
o patamar dos 25% do total de pequenos. Entre os assentados,
8% deles tiveram acesso. Com isso, precisamos planejar outro
formato de crédito rural para os camponeses mais
pobres. Poderia ser vinculado à compra antecipada da CONAB,
que seria mais prático e vinculado à produção.
Outro exemplo é a
comercialização dos alimentos. Durante o governo Lula
tivemos duas conquistas importantissimas. Uma foi garantir
que 30% de toda merenda escolar em todo país fosse
abastecida por produtos da agricultura familiar do próprio
município. A outro foi o programa de compra de alimentos
pela CONAB, que depois destina a entidades ou serviços
publicos, o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).
Esses programas são ótimos e
necessários. Mas esbarram na falta de recursos (só porque é
para pequeno..) e na burocracia, falta de servidores e má
vontade dos gestores na ponta.
Resultado: de um universo de
4 milhões de pequenos agricultores que poderiam se
beneficiar, com a lei existente, menos de 300 mil tem
acesso.
Então, a Presidenta vai ter
que mexer nos métodos administrativos e na vontade política
do segundo escalão.
247 - Qual a
importância do Programa da Agroindústria?
STÉDILE - O programa de
agroindústria para os assentamentos é fundamental. É a
principal forma que temos de instalar pequenas e médias
unidades industriais no interior, dentro dos assentamentos.
Viabiliza agregar valor aos produtos, aumentando a renda dos
assentados, e gerar empregos fora da lavoura, que exigem
conhecimento especializado e assim absorvem a juventude do
campo.
Com isso, gera novas relações
sociais, pois uma unidade de agroindústria precisa ser na
forma de cooperação do trabalho, o que muda a cultura e a
cabeça das pessoas.
Estamos negociando com o
governo há mais de três anos. E somente foi possivel uma
brechinha, por que encontramos servidores no Incra e no
BNDES que tiverem visão política e sensibilidade
social. Nesse primeiro passo esperamos implementar pelo
menos três projetos de agroindústrias por estado. Mas ainda
é muito pouco. Espero que nos próximos anos se formatize um
programa mais leve, menos burocratico, mais rapido. Poderia
envolver também a Caixa, que é um banco público e tem maior
capilaridade por todo territorio nacional.
Então, vemos esse lançamento
do programa como um primeiro passo, para depois avançar
para universalizar o seu acesso a todas as áreas de reforma
agrária e pequenos agricultores.
A agroindústria é uma
necessidade para a geração de renda, fixação das pessoas no
campo, com qualidade de vida. Ninguém sai da pobreza
produzindo matéria-prima para as empresas do agronegócio e
transnacionais ganharem dinheiro, como acontece agora.
247 - E a
questão da mecanização agrícola?
STÉDILE - É outra área
fundamental para o progresso e o desenvolvimento
sustentável. O atual padrão de mecanização da produção
agrícola é todo dominado pelas empresas multinacionais e
pelo padrão da economia americana, que produz grandes
máquinas para grandes áreas buscarem escala econômica e
lucro máximo.
Com isso, agridem o meio
ambiente e desequilibram a biodiversidade, para ficar com no
mínimo 20% de toda a renda agrícola. O estudo de custo de
produçã da CONAB de todos os produtos agrícolas no Brasil
aponta que a indústria de maquinas fica com 20% da renda e
outros 20% vão para os fabricantes de venenos. Então, mesmo
os fazendeiros são ignorantes e não enxergam que 40% de toda
a sua renda está sendo transferida para o capital
estrangeiro.
A alternativa é o governo
criar uma empresa pública de pesquisa, ciência e tecnologia
para novas máquinas agrícolas voltadas para o pequeno
agricultor. Seria uma Embrapa das máquinas. E aí os
pesquisadores criam os protótipos, para lavração, capina,
colheita, beneficiamento, na pequena unidade de produção e a
indústria brasileira passaria a multiplicar. Com isso,
reduzimos o sacrifício das pessoas e aumentamos a
produtividade do trabalho na lavoura.
Espero que a Presidenta tenha
visão estratégica sobre a importância de implementar um
programa assim.
247 - Qual é o
atual estágio do histórico processo de violência no
campo?
A Justiça está mais eficaz? Os conflitos estão aumentando, se
reduzindo ou permanecem nos altos patamares de sempre?
A Justiça está mais eficaz? Os conflitos estão aumentando, se
reduzindo ou permanecem nos altos patamares de sempre?
STÉDILE - Na medida em que a
sociedade brasileira vai se democratizando e as forças
sociais melhoram sua capacidade organização, a truculência
dos latifundiários diminui. Por isso, o padrão de violência,
de trabalho de escravo, perseguições e assassinatos, tem
diminuído. Embora sempre aqui e acola se repetem
vergonhosamente.
Nos últimos dois meses
perdemos dois líderes locais, que se dedicavam inclusive à
agroecologia, o companheiro Mamede em Belém e o companheiro
Cicero em Campos, no Rio. Assassinados, no caso, pelo
conluio entre o poder econômico, ávido pela especulação
imobiliária.
Há ainda uma impunidade
impressionante no Poder Judiciário, que continua como fiel
escudeiro dos interesses da burguesia, defendem em primeiro
lugar a propriedade de bens materiais, e depois a vida das
pessoas. Dos mais de 1600 casos de assassinatos no campo,
depois da redemocratização, apenas 80 deles chegaram a juri
popular.
Nesse sentido, nossa
avaliação é que agora a repressão aos movimentos sociais não
é mais pela truculência física. Agora a maior repressão é
feita ideologicamente e de forma preventiva. Os autores são
o Poder Judiciário, que nos discrimina em todos as questões,
e pela imprensa burguesa. A grande mídia faz uma campanha
permanente contra os sem-terra, povos indigenas, sem-tero,
quilombolas e contra todos os que fazem luta social.
Constroem uma visão distorcida e discriminadora para a
população que só vê TV, contra os que lutam.
247 - Hoje, qual é o ser
balanço de resultados da ação do MST? Quantos já
são os assentandos, quantos ainda precisam de terra? Quanto se está
produzinho nos assentamentos, quantos assentamentos ainda não
conseguem produzir?
são os assentandos, quantos ainda precisam de terra? Quanto se está
produzinho nos assentamentos, quantos assentamentos ainda não
conseguem produzir?
STÉDILE - Apesar da
paralisação das desapropriações nos últimos dois anos do
governo Dilma - que se não se recuperar, vai colocá-la entre
os piores governos nesse quesito, comparado apenas aos
governos militares - o balanço histórico é positivo.
Nesses quase trinta anos de
redemocratização, mais de 800 mil familias conquistaram
terra, trabalho, escola, moradia digna, alimentação sadia e
dignidade. Caso contrário, estariam nas periferias das
cidades, enfrentando um inferno.
Por mais que muitas dessas
famílias ainda continuem pobres, tem dignidade, tem trabalho
e podem educar seus filhos com cidadania.
Nossa linha para o
desenvolvimento dos assentamentos prioriza a produção de
alimentos e requer uma mudança no modelo tecnológico, com a
adoção da agroecologia.
Temos a compreensão de que é
processo lento, que depende da consciência das famílias, do
trabalho do MST, das políticas públicas e do apoio das
entidades da sociedade.
Uma verdadeira reforma
agrária, casada com um projeto de desenvolvimento
nacional, viabilizará assentar mais de 4 milhões de
famílias, que hoje trabalham no campo e recebem os piores
salários da sociedade, porque não tem terra. Muitos vivem
como assalariados, posseiros, arrendatários e outros estão
nas periferias das pequenas e médias cidades, com trabalhos
temporários na agricultura.
Há dezenas de teses e
pesquisas que comprovam que todas as familias depois de
assentadas, por mais dificuldades que ainda enfrentem, vivem
bem melhor do que antes. E sobretudo conquistam a dignidade,
que não aparece em estatística nenhuma.
247 - O MST se sente, até
aqui, um movimento vitorioso?
STÉDILE - A sobrevivência do
MST nesses trinta anos já é uma vitória. Em outros períodos
da história política brasileira, os latifundiários e a
classe dominante sempre conseguiram destruir todas as formas
de organização dos pobres do campo. Ainda estamos longe dos
nossos sonhos. Estamos numa etapa de resistência e acúmulo
de experiência. E o futuro nos pertence!
O latifúndio, a grande
propriedade, a produção em monocultura, os agrotóxicos, a
expulsão dos camponeses e a agressão ao meio ambiente, que a
burguesia faz no campo buscando apenas o lucro, é o atraso.
É o passado.
O futuro, é uma sociedade
mais justa, igualitária, produzindo alimentos para todos,
sadios, sem venenos, em equilíbrio com o meio ambiente,
gerando vida digna para todas as pessoas. Esse é o nosso
projeto, que será vitorioso!
Nenhum comentário:
Postar um comentário