Valor, 07.02.13.
Por José Luis Oreiro
Nos
últimos meses diversos analistas têm entoado um réquiem para o tripé
macroeconômico (metas de inflação, superávit primário e câmbio
flutuante), vigente no país desde 1999. Argumenta-se que embora não
tenha sido formalmente anunciado, na prática o governo Dilma Rousseff
teria abandonado o regime de metas de inflação em favor de um regime de
meta de taxa de juros, substituído a (sic) livre flutuação da taxa de
câmbio por um regime de câmbio administrado e sepultado o compromisso
com a obtenção de metas de superávit primário por intermédio da assim
chamada "contabilidade criativa".
O
abandono do tripé seria o responsável por um aumento do grau de
discricionariedade (para não dizer irresponsabilidade) na condução da
política macroeconômica, o que estaria se traduzindo na redução da taxa
de crescimento da economia brasileira em função dos efeitos que o
aumento da incerteza macroeconômica tem sobre a decisão de investimento
em capital fixo.
A
reação da equipe econômica do governo a essas críticas tem sido a de
reafirmar o compromisso com o tripé macroeconômico, admitindo, porém,
que o mesmo passou por um processo de "flexibilização" em função do
cenário internacional extremamente adverso, decorrente do quadro de
recessão ou estagnação que se verifica nos países desenvolvidos.
Um "quadripé" apoiado na política fiscal, na política monetária, na política cambial e na política salarial
Não
vou entrar no mérito de se o "tripé" está vivo ou morto, até porque
acho que esse é um debate sem sentido. Com efeito, o "tripé
macroeconômico" foi implantado em condições completamente diferentes das
condições vigentes atualmente na economia brasileira. Em função do
"populismo cambial" adotado durante o primeiro mandato do presidente
Fernando Henrique Cardoso, o Brasil sofreu uma crise cambial de grandes
proporções no fim de 1998, que forçou uma desvalorização forte e não
administrada da taxa de câmbio, pondo em risco a estabilidade da taxa de
inflação e produzindo um aumento significativo da dívida pública -como
proporção do Produto Interno Bruto (PIB) - em função da atitude
irresponsável da equipe econômica de emitir títulos de dívida pública
indexados à taxa de câmbio.
Naquele
contexto específico, a política macroeconômica deveria estar totalmente
voltada para garantir a estabilidade ou redução dos índices
inflacionários e da relação dívida pública/PIB. O tripé macroeconômico
foi desenhado para obter esses objetivos. E nisso foi extremamente bem
sucedido. Com efeito, a taxa de inflação tem sido mantida em torno de
5,5% e a relação dívida pública líquida/PIB é hoje inferior a 40%.
O
contexto da economia brasileira agora é outro. O objetivo agora não é
garantir a solvência intertemporal das contas do governo ou impedir o
retorno da alta inflação, até porque a solvência das contas do governo e
a estabilidade da taxa de inflação são hoje um dado na economia
brasileira. O prioritário agora é desenhar um modelo macroeconômico que
permita a obtenção de uma taxa robusta e sustentável de crescimento
econômico com inflação baixa e estável e uma melhoria contínua nos
salários e no padrão de vida da classe trabalhadora. Isso posto,
defender a permanência do tripé macroeconômico é um nonsense, uma vez
que o mesmo não foi desenhado para alcançar esses objetivos. Um novo
modelo macroeconômico se faz necessário.
Um
novo modelo macroeconômico para o Brasil não deve ser um "tripé", mas
um "quadripé", pois deve estar apoiado em quatro políticas, a saber: a
política fiscal, a política monetária, a política cambial e a política
salarial. Essas políticas devem estar de tal forma articuladas entre si
que o modelo macroeconômico delas resultante seja consistente no sentido
de Tinbergen, ou seja, as metas de política macroeconômica devem poder
ser obtidas simultaneamente a partir da manipulação dos instrumentos a
disposição do "policy maker". Para tanto é necessária existência de
efeitos de transbordamento positivos entre os objetivos e metas
operacionais das diversas políticas que compõe o "quadripé". Em outras
palavras, a obtenção de uma meta ou objetivo de política econômica deve
facilitar a obtenção das demais metas.
O
modelo macroeconômico deve também ser capaz de gerar um padrão
sustentável de crescimento no longo prazo. Um padrão de crescimento é
dito sustentável se o mesmo não induz um endividamento crescente do
setor público, se não produz um esmagamento dos lucros e da
competitividade externa em função do crescimento dos salários acima da
produtividade do trabalho, se for capaz de garantir o equilíbrio
intertemporal do balanço de pagamentos e se não gerar um endividamento
explosivo das famílias em função do crescimento dos gastos de consumo a
um ritmo superior ao crescimento da renda salarial.
Um
modelo macroeconômico que atenda aos requisitos de consistência e
sustentabilidade deve ser capaz de conciliar a obtenção de uma taxa de
inflação relativamente baixa e estável com uma taxa real de câmbio
competitiva e relativamente estável ao longo do tempo, uma taxa real de
juros significativamente inferior à taxa de retorno do capital, um
déficit público, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB),
ciclicamente ajustado próximo de zero, e um crescimento robusto dos
salários reais, aproximadamente a mesma taxa que o ritmo de crescimento
da produtividade do trabalho.
José
Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de
Brasília e vice-presidente da Associação Keynesiana Brasileira. joreiro@unb.br.
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