Por Marco Antonio L.
ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE CELSO AMORIM COM A “VOZ DA RÚSSIA”
No Democracia e Politica
Em entrevista, Celso Amorim fala sobre cooperação com a Rússia
“Em
entrevista concedida à rádio ‘Voz da Rússia’, o ministro da Defesa do
Brasil, Celso Amorim, falou sobre a parceria entre brasileiros e russos
na área de Defesa. Recentemente, os dois países iniciaram negociações
para a aquisição de sistemas de defesa antiaérea russos, com
transferência de tecnologia.
Na conversa, Amorim aborda o tema e fala da possibilidade de desenvolvimento conjunto de equipamentos mais modernos. “Essa sugestão surgiu já na reunião do nosso chefe de Estado-Maior Conjunto com o seu correspondente russo e com as empresas”, disse o ministro.
“Vou
chamar a atenção para o fato de que ele foi lá com várias empresas
brasileiras. O que é muito interessante, porque isso já vai preparando
terreno para uma eventual produção no Brasil, um desenvolvimento
tecnológico conjunto”, completou.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista concedida a “Voz da Rússia”.
-VR:
O senhor esteve com a presidenta Dilma em dezembro na Rússia e foram
realizados vários acordos entre os dois países. Mas, como destacou a
própria presidenta, a área técnico-militar recebeu destaque especial.
Como está indo essa cooperação agora?
C.A: Bom,
o acordo de cooperação militar assinado abrange os mais diversos
níveis. Por exemplo, havia dificuldade de treinamento dos pilotos dos
helicópteros russos que nós havíamos comprado. A empresa dava
treinamento básico, mas nós precisávamos de algo mais. E, com esse
acordo, nós teremos esse tipo de treinamento militar de maneira mais
normal, mais fluida. Além de muitas outras coisas.
A assinatura
desse acordo, em si mesma, já é algo muito importante, porque ela abre
muitas outras avenidas de cooperação, de formação para trabalhar em áreas avançadas que interessam à Rússia e ao Brasil. Seja na cibernética, na área espacial ou de equipamento militar mesmo.
Houve
essa aquisição dos helicópteros de combate, muito bons, e, no início,
houve um pouco de dúvida sobre a manutenção. Mas já verifiquei que essas
questões estão sendo encaminhadas e, naturalmente, no espírito do
próprio acordo de compra, esperamos que haja boa transferência de
habilidades e competências nessa área.
-Nós sabemos que o
chefe do Estado-Maior, o general José Carlos De Nardi, esteve
recentemente também na Rússia negociando alguns acordos mais concretos.
C.A: É.
A ida do general De Nardi foi resultado direto das conversas entre os
presidentes. O comunicado conjunto da visita, que singulariza a área de
defesa antiaérea, já previa a ida do chefe de Estado-Maior brasileiro
para tratar dessa possibilidade de cooperação.
Isso envolve,
naturalmente, alguma aquisição, de acordo com as nossas necessidades
imediatas, mas também há a expectativa de que empresas russas possam
fabricar algum desses equipamentos aqui no Brasil. Agora, as questões
técnicas ainda estão sendo discutidas.
A visita foi muito
proveitosa. Seguramente, terá continuidade agora com a vinda do
primeiro-ministro (Dmitri Medvedev), e a nossa expectativa é a de que
isso possa caminhar. Claro
que tem muita coisa a se discutir ainda, como aspectos financeiros,
orçamentários, qual a transferência de tecnologia, treinamento e todas
essas coisas.
-Mas uma eventual produção no Brasil desses equipamentos modernos é de interesse brasileiro.
C.A: Sim. Não só dos equipamentos atuais, mas quem sabe até de um equipamento que ainda está em desenvolvimento pela própria Rússia.
-Isso
antecipa um pouco outra pergunta. A Rússia tem exemplos de
desenvolvimento conjunto de aviões com outros países. Isso poderia ser
um caminho para o Brasil também?
C.A: Bom,
nesse caso, nós não estamos falando de aviões. Estamos falando desse
equipamento de defesa antiaérea. Independentemente da aquisição e da
produção no Brasil de equipamentos já existentes, há a possibilidade,
também, do desenvolvimento conjunto de equipamentos mais modernos. Isso
está sendo discutido, mas essas coisas levam algum tempo. Essa sugestão
surgiu já na reunião do nosso chefe de Estado-Maior Conjunto com o seu
correspondente russo e com as empresas. Vou chamar a atenção para o fato
de que ele foi lá com várias empresas brasileiras. O que é muito
interessante porque isso já vai preparando terreno para eventual
produção no Brasil, um desenvolvimento tecnológico conjunto.
-A
Rússia nos informa que existe uma lei que protege a propriedade
intelectual justamente na área de defesa entre a Rússia e o Brasil. Esse
acordo, na verdade, já foi ratificado pelo parlamento russo e, segundo
eles, só falta agora o Brasil ratificar também.
C.A: Há
um pequeno problema interno, mas isso vai ser superado. Nós tivemos
muito recentemente uma lei de acesso à informação, que não tem nada a
ver com a parte tecnológica. Então, é preciso estudar todos esses
acordos – não só com a Rússia – que envolvem cláusulas de
confidencialidade para que possam ficar dentro da lei brasileira. Mas eu
não vejo nenhuma dificuldade nisso. É um problema puramente burocrático
de atualização.
-Quando nós começamos a recolher as
perguntas da redação russa, percebemos que lá as pessoas ainda têm pouco
conhecimento dos desafios do Brasil na área da defesa. No imaginário
russo, o Brasil é um gigante, muito forte, que não tem nenhuma
preocupação com a defesa. Eu queria que o senhor falasse um pouco como o
Brasil se vê hoje nessa questão.
C.A: Que é um gigante muito forte, isso é verdade. E que no futebol a gente nunca se preocupou muito com a defesa – por fazer sempre muitos gols, desde a época do Garrincha –,
isso também é verdade. Mas, deixando a brincadeira de lado, obviamente o
Brasil não pode ser uma das maiores economias do mundo, ser um dos
maiores repositórios de água doce, biodiversidade, de capacidade de
produção de alimento, ter a Amazônia do tamanho que é e não se preocupar
com a defesa. Não é possível isso.
Embora tenhamos dez vizinhos,
nós não temos problemas com nenhum deles. Todos os problemas de
fronteira que nós tínhamos foram resolvidos diplomaticamente há mais de
cem anos. A relação nossa com todos esses países é uma relação de
amizade e cooperação. Mas isso não quer dizer, também, que nós não temos
que defender nossas fronteiras de outras situações: grupos irregulares,
traficantes de drogas etc.
Pelas razões que eu enunciei antes,
tendo toda essa riqueza natural, esse parque industrial e essa
capacidade de produção que a gente tem, quem garante que, no futuro, um
conflito até entre terceiros não poderá ter repercussão aqui? Esperamos
que não, mas a melhor maneira de evitar isso é ter a nossa defesa. Por
isso que eu digo: do ponto de vista regional, na América do Sul,
cooperação; do ponto de vista global, dissuasão. Sem perder de vista que
também tem que ter cooperação, nada é preto e branco.
-Essa é a maior preocupação então? É para dissuasão no caso desses eventos de maior envergadura.
C.A: É para o caso de algum país querer se aventurar onde não deve.
-Essa preocupação é muito semelhante ao caso da Rússia...
C.A: Eu
acho que o Brasil e a Rússia têm muitas coisas em comum. Os dois são do
BRICS, são países ricos em energia, com população semelhante, extensão
territorial. Claro que há duas grandes diferenças: a Rússia tem bomba
atômica e nós não temos e a Rússia é membro do Conselho de Segurança da
ONU e nós não somos. Eu espero que, em breve, só haja a primeira
diferença, porque bomba atômica nós não queremos ter.
-E quanto ao projeto do submarino?
C.A: É
um submarino de "propulsão nuclear". É sempre bom deixar claro. O que é
nuclear no submarino não são as armas que ele leva. O que é nuclear é a
propulsão. Ele usará energia nuclear como poderia estar usando diesel
ou biocombustível.
É um projeto que está caminhando, está
avançando. Os primeiros desenhos, as primeiras capacidades já foram mais
ou menos adquiridas, na França. O pacote envolve um submarino nuclear
mais quatro submarinos convencionais e nós estamos recebendo a primeira
parte dos convencionais. Mas quanto ao desenho e ao projeto do submarino
nuclear, nós já estamos bastante avançados. Agora, o que diz respeito à
geração de energia é totalmente nosso. A França não tem nada a ver com
isso, com a parte do propulsor. É 100% nacional.
-Sobre a licitação do avião, não sei se posso perguntar se tem alguma novidade, alguma previsão...
C.A: Perguntar
não ofende, mas não tenho nenhuma novidade para dizer no momento. No
futuro, outros projetos sempre estarão em aberto.
-Se a Rússia tiver alguma chance de entrar, com seus equipamentos, é só num outro projeto... se aparecer?
C.A: Já entrou com os helicópteros.
-Sei. Aliás, tem um projeto de outro helicóptero, pela Odebrecht, se não me engano.
C.A: Bom,
aí eu não sei se era militar ou civil. Isso não foi conversado em
detalhe. O que eu posso lhe dizer sobre o que foi conversado em
profundidade na visita da presidenta e gerou muito rapidamente uma
missão... Em três semanas mais ou menos, nós mandamos o nosso
Estado-Maior Conjunto para os rigores do frio russo...Me contaram que
ele pegou vinte graus negativos.
-Com relação a essa
visita e à visita agora do primeiro-ministro Dmitri Medvedev, existe
alguma expectativa de assinatura, de fechamento desses acordos?
C.A: Eu
acho que a questão da defesa antiaérea começou agora. Acho que haverá
um relato, é possível que se mencione algum aspecto, algum detalhe que
não tenha ficado claro. Não sei se há intenção de se fazer algum outro
memorando. O acordo nós acabamos de assinar. Então, da nossa parte, não
há necessariamente o desejo. Mas também não excluo a possibilidade de
que, se houver uma proposta, ela será examinada.”
FONTE: publicado no site da rádio “Voz da Rússia” e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=205536&id_secao=1). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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