Baby
Siqueira Abrão,
Jornal
Brasil de Fato - de São Paulo (SP) - 21/2/2013
Emad
Burnat, diretor de "5 Broken Cameras" [5 câmeras quebradas],
filme indicado ao Oscar de melhor documentário estrangeiro,
foi detido na noite de 19 de fevereiro ao desembarcar no
aeroporto de Los Angeles, Califórnia, para participar da
festa do cinema de Hollywood. Ele, a esposa Soraya e o filho
Gibril, de 8 anos – que também participam do filme –, foram
levados para uma área fechada nas dependências do aeroporto
e submetidos a interrogatório. Segundo as autoridades de
imigração, Emad não tinha em seu poder o “convite apropriado
para o Oscar”, seja lá o que isso for.
Emad
enviou uma mensagem, pelo celular, a Michael Moore, o
polêmico documentarista de "Tiros em Columbine", "Fahrenheit
11 de setembro" (filme que questiona a versão oficial do
atentado ao World Trade Center) e um dos diretores da
Academia de Hollywood. Moore denunciou a detenção a seus 1,4
milhão de seguidores no Twitter e acionou o pessoal da
Academia, que por sua vez contatou advogados para cuidar do
caso. “Pedi a Emad que repetisse meu nome várias vezes aos
oficiais da imigração e que lhes desse meus números de
telefone”, disse Moore. “Parece que eles não conseguiam
entender como um palestino podia ter sido indicado ao
Oscar”, completou, irônico.
Moore
também deixou claro que faria o que estivesse a seu alcance
para impedir a deportação que ameaçava a família Burnat. E
foi bem-sucedido, porque uma hora e meia depois eles foram
libertados. “Mas só poderão ficar em Los Angeles uma semana,
até o Oscar”, esclareceu Moore. E, de novo com ironia,
acrescentou: “Bem-vindos aos Estados Unidos!”
Para Emad,
a detenção não é nenhuma novidade. “Quando se vive sob
ocupação militar, sem nenhum direito, esse é um
acontecimento diário”, declarou.
Em
cena, a ocupação militar da Palestina
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No documentário, Emad mostra câmeras destruídas - Foto: Reprodução |
O filme "5
Broken Cameras" é o resultado de sete anos de trabalho de
Emad, que comprou a primeira câmera quando Gibril nasceu e
passou a registrar tudo o que acontecia em sua vila natal,
Bil’in, na Cisjordânia, sob ocupação militar de Israel.
Ajudado pelo israelense Guy Davidi, que esteve ao lado da
resistência de Bil’in desde os primeiros dias, foi
responsável pelo pós-roteiro de "5 Broken Cameras" e figura
como codiretor, Emad fez um documento fundamental para a
compreensão, pelo público externo, do cotidiano palestino
sob ocupação. O título do filme faz referência às cinco
câmeras que o exército israelense inutilizou ao atingi-las
com tiros. Numa dessas ocasiões o equipamento salvou a vida
do diretor – a câmera deteve a bala atirada na direção da
cabeça de Emad.
Cineasta
por acaso – e por necessidade
Emad
Burnat nunca pensou em se tornar cineasta. Foi a necessidade
de registrar a ocupação – para proteger os vizinhos, pois os
soldados, receosos de um dia enfrentar o Tribunal Penal
Internacional, evitam agir com muita violência diante das
câmeras –, de mostrar ao mundo, pela internet, a realidade
na Palestina, até poucos anos atrás oculta pela narrativa
sionista, e de ter provas para apresentar aos tribunais de
Israel, aos quais o exército conta histórias implausíveis
mas levadas a sério, que levaram Emad a filmar.
Ele
comprou sua primeira câmera em 2005, ano do nascimento de
Gibril, para gravar seu crescimento e a vida em família. Mas
era impossível limitar-se a temas domésticos numa vida sob
ocupação militar. As incursões noturnas dos soldados, os
ataques aos moradores durante as manifestações não
violentas, as prisões, as invasões dos colonos, a construção
do primeiro muro e seu desmantelamento em 2011, bem como a
execução do segundo muro, tudo era muito impactante no
cotidiano de Bil’in e merecia ser registrado.
Essa
opinião era compartilha por Guy Davidi, professor de cinema,
que em 2005 passou a ir com frequência à vila palestina e
chegou a morar lá por alguns meses, para sentir como era
viver sob ocupação. Guy produziu alguns curtas sobre Bil’in,
onde filmou, entre 2005 e 2008, "Interrupted streams"
[Fluxos interrompidos], sobre o confisco das fontes de água
palestinas por Israel. Muitas vezes Emad e Guy filmavam
juntos as manifestações, os ataques dos soldados, as
detenções. Corriam os mesmos riscos. Tornaram-se amigos.
Foi ao
longo desses anos que Emad começou a pensar em reunir seu
material num longa-metragem sobre a resistência em Bil’in.
Estimulado pela família, pelos amigos e por Guy, ele
conseguiu tocar o projeto. Só não esperava o sucesso que se
seguiu ao lançamento. Cineasta por intuição, Emad ganhou o
respeito e a admiração de seus pares ao redor do mundo.
Referência
ao Brasil e vários prêmios
Uma das
cinco câmeras quebradas exibe um adesivo da bandeira
brasileira, símbolo também presente na porta da casa da
família Burnat, em Bil’in – um modo de demonstrar o carinho
que eles sentem por nosso país. Soraya, esposa de Emad, é
palestina criada no Brasil. O casal e os filhos mais velhos
falam um português impecável e sem sotaque.
"5 Broken
Cameras" é o primeiro filme palestino a concorrer a um
Oscar. Além de muito elogiado pela crítica, vem tendo uma
trajetória de sucesso em todo o mundo. Em 2012, foi indicado
para o Asian Pacific Screen Award e ganhou o prêmio de
melhor documentário no Jerusalem Film Festival; o de melhor
diretor de documentário no Sundance (também foi indicado
para o Grande Prêmio do Júri desse festival), nos Estados
Unidos, e o Busan Cinephile, do Busan International Film
Festival, da Coreia. Em 2011 recebeu o Prêmio Especial do
Júri e o Prêmio Especial do Público no International
Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA), na Holanda. A.
O. Scott, crítico do The New York Times, considerou-o uma
“comovente e rigorosa obra de arte”.
Ele tem
razão. No documentário, com sensibilidade, Emad funde sua
vida e a de sua família com a história da ocupação de
Bil’in. É uma história comum à maioria dos milhões de
palestinos que nasceram nos hoje dezenas de vilarejos – eram
mais de 500 antes que os sionistas os tomassem à força, nos
anos 1940 – que circundam as 11 cidades da Cisjordânia,
compondo as regiões distritais daquela parte do Estado da
Palestina.
Com texto
de Guy Davidi e narrado por Emad, o filme nos conduz pelas
belas paisagens de Bil’in, mostrando a chegada dos
agrimensores israelenses para a medição das terras que
seriam confiscadas; as reuniões entre os moradores e o
pessoal do grupo Anarquistas Contra o Muro, de Israel, que
conseguiu o mapa com o traçado do muro e se uniu aos
bilainenses para boicotá-lo; os primeiros enfrentamentos com
o exército israelense; as prisões, a progressão dos desafios
e da violência; a consolidação da resistência; e o apoio
internacional à luta não violenta de Bil’in.
Há cenas
geniais, como a do grupo de moradores que barra o avanço dos
soldados na área urbana da vila com instrumentos de
percussão improvisados, numa “bateria” ruidosa e criativa.
Há também cenas difíceis, em que Emad se vê obrigado a
filmar a prisão dos irmãos e de um vizinho, um menino; e
cenas trágicas, como o assassinato de Bassem Abu-Rahmah, o
Fil, até aquele momento um dos líderes da resistência e um
dos protagonistas do filme. A sequência é dolorosa, embora o
público seja poupado das tomadas mais dramáticas.
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Filho de Emad entrega um ramo de oliveira a um soldado israelense |
O
documentário leva o público a participar do cotidiano de
Bil’in e a vivenciar um pouco do que significa estar
submetido a uma ocupação militar. Trata-se de documento
histórico, denúncia viva dos abusos cometidos pelo exército
sionista. Por isso mesmo, a cena em que o pequeno Gibril,
mal se sustentando em seus primeiros passos, oferece um ramo
de oliveira a um dos soldados israelenses – que o aceita,
com um sorriso culpado e sem jeito – surpreende e enternece.
Num momento assim não há como deixar de questionar o mal que
os sionistas têm feito aos seres humanos que vivem de um
lado e de outro do muro. Não fossem eles, provavelmente
palestinos de todas as religiões teriam continuado a
conviver em harmonia na Palestina histórica. Os inimigos e
a discórdia vieram de fora. Será possível neutralizá-los e
resgatar a antiga harmonia, dessa vez juntando ao antigo
grupo os cidadãos de Israel, como propõem palestinos e
israelenses que defendem a existência de um único Estado,
democrático e secular, com direitos iguais para todos?
O
impacto nos jovens de Israel
É difícil
responder a essa indagação sem levar em conta as alianças do
sionismo e seu papel decisivo nas finanças internacionais,
na indústria bélica e na tecnologia nuclear. O movimento
praticamente domina os setores estratégicos sobre os quais
se desenrola o teatro do mundo. É ele que cuida do caixa, do
lucro, da produção e do roteiro do espetáculo. Por isso, o
combate não se restringe à ação dos sionistas na Palestina.
Ele se espalha cada vez mais, controlando governos,
territórios e ramos de atividades nos cinco continentes.
Mas é em
Israel que seu controle se estende a toda a sociedade. Lá, o
sistema educacional garante apoio e submissão aos princípios
sionistas nesta e nas futuras gerações. Assim, quem nasce em
Israel aprende, desde a infância, que os palestinos são
“árabes que vivem em território israelense” – e inimigos. A
maior parte dos livros didáticos faz pouca referência à
Palestina – nos mapas, por exemplo, Cisjordânia e Gaza são
mostradas como território de Israel – e a sua história. A
grande maioria dos jovens israelenses não sabe que seu país
ocupa outro, e tem de seu exército uma visão heroica e
romântica, fabricada pela propaganda sionista.
Contribui
para essa ilusão um programa muito comum nos feriados e nos
fins de semana em Israel: os pais costumam levar os filhos
pequenos a locais onde são expostos equipamentos de guerra,
que as crianças podem experimentar, e veículos nos quais
elas entram e fingem controlar. Tudo sob o olhar complacente
da família e diante das explicações de jovens soldadas e
soldados. Para entender como essa indústria da violência
funciona, assista ao vídeo produzido pelo
israelense Itamar Rose.
Não é de
admirar, portanto, que as crianças de Israel desenvolvam a
ideia de que a solução de seus problemas – ou daquilo que
lhes é ensinado como “problema” – passa pela via militar.
Foi para desfazer essa crença que Guy Davidi decidiu mostrar
"5 Broken Cameras" a um grupo de jovens em Israel e filmar
suas reações. Suas expressões, durante a exibição do
documentário, dizem muito sobre a revelação de como é a vida
dos palestinos: indicam surpresa, choque, consternação,
revolta, compaixão.
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Jovem palestino é retirado de sua casa por soldados israelenses |
Diante
dessa experiência, Davidi resolveu elaborar um projeto
maior: levar "5 Broken Cameras" ao público israelense em
sessões que permitam reflexões e debates sobre a ocupação, a
violência imposta aos palestinos de maneira direta e aos
israelenses de modo indireto, o dia a dia dos cidadãos dos
dois lados do muro, o próprio muro, o questionamento ao
papel do exército e à ideologia dos soldados – que, como eu
mesma pude comprovar nas muitas conversas que travei com
eles, têm dos palestinos e dos árabes uma imagem deturpada,
assimilada em uma existência inteira de educação dirigida e
controlada. Conheça a surpreendente experiência
de Guy Davidi com os jovens israelenses.
Será que a
arte pode promover compreensão e tolerância, aproximando
duas populações separadas pela agenda bélica e expansionista
das autoridades sionistas? Será que a mudança necessária
pode começar da base de ambas as sociedades, as únicas
instâncias portadoras de legitimidade para isso? É uma
aposta ousada, a dos diretores de "5 Broken Cameras".
Aguardemos os resultados.
Quer
assistir a 5 Broken Cameras?
A
jornalista Baby Siqueira Abrão tem uma cópia do filme para
exibir ao público brasileiro, com legendas em inglês. Se
você quiser assisti-lo, reúna os amigos e entre em contato
pelo e-mail babyabrao@hotmail.com. Ela levará a cópia até
vocês, fará a tradução simultânea e, havendo interesse, pode
contar sua experiência como correspondente na Palestina e
moradora de Bil’in. A exibição, de acordo com pedido
expresso de Emad Burnat, é gratuita.
O trailer
oficial está aqui: http://www.kinolorber.com/5brokencameras/.
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