Da Folha
Por Janio de Freitas
Os adversários se completam. Desde Barack Obama, os partidários de
Hillary Clinton sustentam que o governo russo teve participação
eleitoral contra a candidata democrata. Como candidato, Donald Trump
acusou a existência de fraude, advertindo que não aceitaria sua derrota;
como eleito, admitiu a participação informática de russos contra
Hillary, e, como presidente, acusa a participação fraudulenta de quase
três milhões de imigrantes ilegais na eleição. Os dois lados concordam
que a eleição foi fraudada. Logo, ilegal, criminosa e inválida. E de uma
eleição assim não resulta um eleito.
Os ganhos recordistas que a Bolsa de Nova York produziu, em euforia
com a reversão autoritária inaugurada por Trump, explicam a aceitação de
um suposto eleito como presidente. E sugerem um quadro interno dos
Estados Unidos muito diferente da expectativa pessimista que perpassa o
mundo. O mais provável é que as esperanças de impeachment ou renúncia,
sustentáculo de muitas opiniões, traduzam excesso de irrealismo. Ou
dependam de que Trump avance até além do que anunciou e começa a
praticar.
Diante disso, a primeira semana de Trump foi suficiente para indicar a
fragilidade medíocre da América Latina, na qual o México é um alvo em
nome de todos os latino-americanos. Antes da eleição, os ataques de
Trump ao México eram palavras de candidato. Ninguém precisava protestar,
nem mesmo o México o fez. O ataque passou a ser do presidente. Era,
portanto, o governo dos Estados Unidos a determinar que o México
custeie, sob pena de represálias, os 3.000 quilômetros de um muro que
satisfaça o segregacionismo e a pretensa superioridade de americanos. Um
caso internacional de interferência.
Nenhum país latino-americano emitiu uma só palavra de solidariedade
ao México. Ou, ao menos, de ponderação sobre a atitude do presidente
americano tão arbitrária e adversa à muito cantada, sobretudo pelos
Estados Unidos, "fraternidade panamericana". De fato, o que não falta
entre nós são tratados, acordos e cartas prescrevendo convivência
fraterna entre os países da região e condução pacífica dos
desentendimentos. Um dos mais importantes desses laços até se chama
Tratado do Rio de Janeiro. E existe mesmo uma tal Organização dos
Estados Americanos, com a qual, apesar do nome, os governos americanos
sempre puderam contar.
Medo, pusilanimidade, subserviência, malandragem à espera de uma
vantagenzinha, há de tudo na omissão dos governos latino-americanos,
excetuado o México compelido a ficar de pé. Seja construído ou não, o
muro de Trump separa, na verdade, os seus Estados Unidos e a América
Latina. Para a qual, fosse como candidato, como eleito ou já presidente,
essa figura própria para os anos 1930 não dirigiu nem sequer um aceno
de cumprimento.
A América Latina faz-se dispensável. Com o Brasil à frente.
O amigo
Caberia ao ministro Gilmar Mendes declarar-se impedido, quando for o
caso. Não se espera que o faça. Mas suas longas visitas "de amigo" a
Michel Temer o tornam impedido moralmente de conduzir, como faz, parte
dos procedimentos no Tribunal Superior Eleitoral sobre irregularidades
da chapa Dilma-Temer. Assim como o tornam moralmente impedido de
eventual escolha, ou sorteio, para ser no Supremo o novo relator da Lava
Jato, em cujas delações Temer aparece quase 50 vezes.
Vontades
Assistente de Teori Zavascki no caso Lava Jato, o juiz Márcio
Schiefler Fontes foi cumprir em Curitiba a formalidade de ouvir Marcelo
Odebrecht, sobretudo, nesta indagação obrigatória: fez sua delação
premiada por "vontade própria?"
Foi, claro. Depois de um ano e quatro meses na prisão, sem ser ouvido
até que se mostrasse disposto a fazer a delação desejada pelo juiz e
pelos procuradores –estes detentores, eles sim, de vontade imprópria.
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