sábado, 14 de janeiro de 2017

A Besta está solta na terra do tio Sam


Texto de José Arbex Jr., na revista Caros Amigos.

“Ainda não estamos na barbárie”, dizia o bom e velho militante marxista Vitor Letízia, mesmo após a invasão do Iraque, em 2003, pelos Estados Unidos, quando foram mortos centenas de milhares de seres humanos, incluindo mulheres, velhos e crianças. Mas o que falta, então? “Note que para invadir o Iraque, a Casa Branca teve que inventar uma grande mentira, a de que Saddam Hussein estaria fabricando ou em posse de armas de destruição em massa. Tiveram que fazer uma imensa campanha de convencimento da opinião pública estadunidense e mundial. Contaram com o total apoio dos meios de comunicação de massa. Estaremos em plena barbárie quando os pretextos deixarem de ser necessários. Quando eles se sentirem livres para bombardear outros povos e países, sem terem que recorrer a mentiras.”

Donald Trump é isso.

Não que Hillary Clinton, sua adversária à campanha presidencial dos Estados Unidos, fosse muito melhor. Longe disso. “Killary” apoiou o ataque ao Iraque, em 2003; como secretária de Estado tramou o golpe que depôs o presidente de Honduras Manuel Zelaya, em 2009, e foi uma das principais arquitetas da operação que depôs Muamar Gadafi, em 2011 (ao tomar conhecimento da execução do ditador líbio, em outubro daquele ano, proferiu a frase, aos risos: “Viemos, vimos e ele morreu”), além de conduzir uma política absolutamente desastrosa na Síria. Mas, ao contrário de Trump, “Killary” não era uma “arrivista” concorrendo à Casa Branca, alguém de fora do establishment que resolveu apostar numa aventura. Ao contrário. Seu perfil como política era bem conhecido, até por ter exercido as funções de senadora e secretária de Estado no governo Obama. De certa forma, portanto, representava uma elite que, embora detestada (junto com Trump, era campeã de rejeição em pesquisas de opinião), era portadora de uma certa tradição. Bem ou mal, tinha que responder ao Partido Democrata.

Trump, o vencedor, não tem que responder a nada nem a ninguém. É um franco-atirador hediondo, um empresário vulgar, especializado em cassinos, que acumula em sua biografia os qualificativos de machista, misógino, xenófobo e racista. A instauração da barbárie não se mede, no caso, pela realização efetiva de suas ameaças: a famosa construção de um muro separando os Estados Unidos do México, a deportação de 11 milhões de hispânicos ilegais, o registro policial da comunidade islâmica que já vive no país, além da proibição da entrada de imigrantes árabes e muçulmanos (apenas para ficar no terreno das medidas de controle populacional, sem falar de outras áreas do governo). Provavelmente, cumprirá parcialmente algumas e não conseguirá realizar outras (a deportação de 11 milhões de seres humanos, em 4 anos de governo, exigiria uma logística que levaria o país à exaustão). A barbárie se mede pelo fato de que um sujeito com esse programa venceu as eleições.

Nos primeiros dez dias após a vitória de Trump, os Estados Unidos experimentaram um aumento extraordinário nas taxas de crime de ódio, de acordo com um estudo publicado pela ONG Southern Poverty Law Center, que luta em defesa dos direitos civis. Entre 9 de novembro (o dia após a eleição) e 18 de novembro, houve 867 incidentes de assédio e intimidação, em que os agressores invocaram o nome de Trump, deixando claro que o surto de ódio era principalmente devido ao seu sucesso na eleição. O maior número de incidentes ocorreu em 9 de novembro, com 202 registros. A hostilidade aos imigrantes foi predominante, seguida por atitudes contra negros e semitas (incluindo árabes islâmicos e judeus). Já antes das eleições, os comícios de Trump eram marcados por episódios em que apoiadores faziam abertamente a saudação nazista dos braços estendidos. Agora, eles se sentem com carta-branca para agir.

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