terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Roberto Freire e a cultura aos reacionários

Por Jotabê Medeiros, na revista CartaCapital. Do blog do Miro.
A reação toma o poder na área cultural. Para além das distinções tradicionais entre direita e esquerda minimamente esclarecidas, o cenário nacional aponta para uma vigorosa inflexão da área cultural ao viés fortemente reacionário.

A práxis conservadora no setor dá algumas pistas de métodos e contornos que pouco dizem respeito aos temas culturais propriamente ditos: abandono de projetos tidos como “menores”, em detrimento de vitrines de gestão, empreguismo galopante e, em oposição ao assembleísmo petista, certa gabinetização, um ensimesmamento dos dirigentes. As exceções são raras.

Em Brasília, sobretudo, a situação é das mais embaraçosas. Após um mês à frente da pasta, o atual ministro, Roberto Freire, sempre diligente nas críticas ao “aparelhamento” do Estado pelos governos petistas, nomeou uma dezena de candidatos derrotados nas últimas eleições pelo seu partido, o PPS, para cargos de assessorias e secretarias do ministério.

Candidatos eleitorais derrotados têm sido acomodados apressadamente em toda a estrutura da pasta. Derrotada ao postular uma vaga na Câmara de Vereadores em Campo Grande (MS), Luiza Ribeiro Gonçalves ganhou o cargo de secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural. Alberto Aggio, frustrado na corrida eleitoral na paulista Franca, virou assessor especial do ministro.

Fábio Cesar Sato, candidato derrotado à prefeitura de Presidente Prudente (SP), ganhou uma boquinha de assessor na Secretaria Executiva. O novo secretário de Articulação e Desenvolvimento Institucional, Adão Cândido, é o candidato derrotado do PPS a vice-governador do Distrito Federal.

Além desses, o braço direito do ministro, o cineasta João Batista de Andrade, é filiado ao partido. O novo presidente da Funarte de Freire, o ator Stepan Nercessian, foi derrotado na disputa por uma vaga na Câmara Federal em 2014.

Nercessian atribui os percalços na política ao envolvimento no escândalo com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, com quem teve conversas íntimas gravadas e divulgadas. “Eu brincava com ele pelo telefone: ‘E aí vamos contratar o Messi?’”, lembrou sobre o episódio.

Isso sem considerar os problemas de conflitos de interesse subjacentes a certas nomeações. O novo secretário de Economia da Cultura de Freire, Mansur Bassit, deixou o cargo de diretor-executivo da Câmara Brasileira de Livros, que ocupou por cinco anos, para assumir o posto.

Coloca-se à frente de um orçamento para estimular uma economia criativa um representante dos mais articulados setores da cultura.

Além do uso da máquina em benefício de um partido, há outras pistas sobre como se comporta a reação na cultura. A característica desagregadora é uma delas. Há uma ação que Freire faz questão de sinalizar que pode se constituir numa apressada “contrarreforma” na lei de incentivo à cultura, a Lei Rouanet. E o que ele propõe? O retorno a porcentuais diferenciados, por área cultural, de renúncia fiscal.

“Entre as medidas estudadas está a definição de tetos de repasses para cada segmento cultural (artes cênicas, música erudita ou instrumental, exposições de artes visuais, produção cinematográfica, espetáculos circenses etc.), fixando novos critérios para a concessão do incentivo fiscal, de modo que sejam evitadas distorções inexplicáveis à luz da razão e do bom senso”, escreveu Freire em artigo publicado há alguns dias.

O equívoco sanado no passado com gigantesco debate democrático é que, ao conceder benefícios diferenciados para certas áreas, o ministério torna alguns setores mais atrativos que outros e condena vários segmentos ao esquecimento dos patrocinadores.

No Brasil, a ação de desmonte no setor da cultura implode estruturas e projeta um futuro desolador para artistas e produtores. No Rio Grande do Sul, o governador José Ivo Sartori extinguiu 11 fundações, entre elas a Piratini, mantenedora da TVE e da FM Cultura.

Em São Paulo, o governo de Geraldo Alckmin fechou dez unidades das oficinas culturais do interior e do litoral, espaços gratuitos que existiam havia 30 anos, forneciam programação de artes plásticas, audiovisual, circo, performance, quadrinhos, dança, fotografia, literatura, música e teatro, e atendiam cerca de 400 municípios.

Cerca de 50 profissionais foram demitidos, e entre as unidades fechadas está a Oficina Cultural Pagu, de Santos, recém-restaurada a um custo de 10 milhões de reais. Outras que tiveram atividades encerradas foram a Gerson de Abreu, de Iguape, a Altino Bondesan, de São José dos Campos, a Grande Otelo, de Sorocaba, a Carlos Gomes, de Limeira, a Sergio Buarque de Hollanda, de São Carlos, e a Candido Portinari, de Ribeirão Preto.

As oficinas que sobraram, como a Oswald de Andrade, funcionam com um quadro de funcionários reduzido, e a Casa Mário de Andrade está mais para um museu do que uma oficina. O governo Alckmin diminuiu os contratos do Projeto Guri, da Orquestra Jazz Sinfônica, da Banda Sinfônica e da Escola de Música Tom Jobim e expressa o desejo de acabar com o Conservatório de Música de Tatuí.

Fora da esfera dos governos federal e estaduais, a cena é nebulosa. As secretarias de Cultura das grandes cidades brasileiras, nos últimos anos, tinham se convertido em oásis de ações de fomento, mas as novas perspectivas são duvidosas.

Em Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. assumiu a prefeitura com a perspectiva de atrasar salários. Nomeou o dramaturgo Luciano Alabarse, criador do festival Porto Alegre em Cena e colunista do jornal Zero Hora, para a pasta.

“Queremos utilizar a cultura como um estímulo, como uma atividade econômica em que as pessoas possam se realizar. A secretaria não será um balcão e não vai acomodar amigos para evitar críticas de um setor da sociedade”, afirmou Marchezan.

Em São Paulo, o cineasta André Sturm iniciou a gestão obrigado a apagar incêndios provocados por declarações do prefeito João Doria Jr. O prefeito chegou a anunciar a transferência completa da Virada Cultural para Interlagos, decisão negada pelo secretário em seguida.

As justificativas para o esvaziamento do Centro da cidade são vagas e não encontram respaldo na experiência bem-sucedida de valorização e ocupação da região. Houve ainda especulações sobre uma investida da prefeitura sobre o carnaval de rua de São Paulo, novo objeto de explicações do secretário.

Sturm transita bem em uma área espinhosa, a da gestão de Organizações Sociais, um pepino que mantém o Tribunal de Contas ocupado há mais de uma década. A habilidade nesse setor o tornaram beneficiário de generosas verbas para administrar.

O elogiado Museu da Imagem e do Som teve 6 milhões de reais do governo do estado no primeiro quadrimestre de 2016. As oficinas culturais fechadas, todas elas, custavam 10 milhões de reais, mas a ação da direita na cultura tem essa particularidade: tudo que for destinado para a Avenida Europa é melhor investimento do que destinar recursos para a Oficina Fred Navarro, de São José do Rio Preto, que atende 93 municípios.

Sturm conta com crédito entre a classe artística e é hábil na estratégia de cooptar apoios. Colocou o escritor Cadão Volpato, frontman da lendária banda de rock Fellini, na direção do Centro Cultural São Paulo, símbolo da cidade. Ligou para o empresário e agitador cultural Alê Yousseff para explicar que não haverá mudanças no atual modelo do carnaval de rua.

O Rio de Janeiro pinta como a “zebra” dessa lista de novos mandatários da cultura metropolitana brasileira. Surpreendentemente, o prefeito Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, nomeou a neta de Cartola, Nilcemar Nogueira, como secretária de Cultura do município.

Na posse dos secretários, Crivella cantarolou As Rosas Não Falam, de Cartola. Nilcemar diz não ver conflitos na gestão da cultura num governo fortemente ligado a uma religião e diz ter recebido total liberdade do prefeito para atuar. Sua meta é “aprofundar os projetos que estimulem e incluam a diversidade”, e ela pretende trabalhar em parceria com a Secretaria de Educação, “pois trata-se de um tema transversal à cultura”.

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