sábado, 28 de janeiro de 2017

PEC da Previdência: sacrifício de 100 milhões de brasileiros pobres em benefício de 10 mil famílias



                                                                                                José Álvaro de Lima Cardoso                                                                                                                                                                                        
        
      O DIEESE divulgou recentemente Nota Técnica (168) com análise da PEC 287, que trata da reforma da previdência pública no Brasil, enviada para o Congresso Nacional, em dezembro último. A proposta, que já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tem aprovação prevista pelo governo, para março. Além de esmiuçar os principais pontos contidos na PEC, a Nota traz constatações contundentes. Demonstra que a proposta significa mudança ampla e profunda da Previdência Pública no Brasil. Ampla porque impacta todos os tipos de benefícios e os dois regimes previdenciários públicos (o Regime Geral e o Regime Próprio). Profunda porque reduz substancialmente o valor dos benefícios e retarda o início do período de gozo do benefício.
      Talvez a síntese da Nota Técnica seja a afirmação de que a proposta de emenda tem como finalidade dificultar o acesso à Previdência e diminuir os valores dos benefícios dos sistemas previdenciários dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos federais, estaduais e municipais. A PEC restringe também, segundo o documento, o alcance da Assistência Social, porque: a) eleva a idade necessária para obter o benefício; b) aponta para a diminuição do seu valor; c) estabelece restrições adicionais no acesso a ele, seja para idosos ou pessoas com deficiência.
           A concepção dos formuladores da PEC 287 é a mesma que lastreia a Emenda Constitucional 95 (fruto da PEC 55, a da Morte, que congela gastos primários por 20 anos). Segundo essa visão o problema fiscal brasileiro decorre do aumento acelerado da despesa pública primária, ou seja, dos gastos sociais, de saúde, educação, com o funcionalismo, etc. Enfim, das despesas que são realizadas para atender a esmagadora maioria da população. A Emenda da Morte, que já está em vigor, restringe o acesso da população pobre aos serviços públicos de educação, saúde, saneamento básico e, inclusive, acesso à alimentação. A PEC 287, da Previdência, por meios distintos, implicará em resultados semelhantes.
         O principal argumento do governo para a reforma da Previdência é o seu déficit. Ocorre que o déficit da previdência não existe. A Previdência Social compõe, conforme estabelece a lei, o sistema de Seguridade Social Brasileiro, formado pela Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Este sistema é superavitário. Quando criado, além do alcance social, pensou-se também em suas fontes de financiamento. Além da arrecadação proveniente da folha de salários (através da contribuição de de empregados e empregadores), o orçamento do sistema de seguridade é composto por Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), Pis/Pasep (Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido). A receita da Seguridade Social em 2015 foi de R$ 694,97 bilhões e a despesa, de R$ 683,17 bilhões, portanto superávit de R$ 11,8 bilhões. Isso num ano de recessão braba, onde a economia recuou quase 4%. Nos anos anteriores, os superávits foram bem maiores. 
       A comprovação do superávit da Seguridade é a existência da DRU (Desvinculação das Receitas da União), criada em 1994 para permitir que o governo federal utilize parte do orçamento da seguridade, para outros fins. Inclusive pagamento de serviços da dívida pública. No ano passado, inclusive, o percentual do orçamento da Seguridade, que poderia ser utilizado para outras despesas passou de 20% para 30%. Na discussão da reforma da previdência, o governo não acena com nada relativo às renúncias da previdência social que, somente nos últimos seis anos, totalizaram R$ 270 bilhões, mais da metade dos investimentos com a Previdência Social no ano passado.   
        Conforme informações divulgadas na imprensa o objetivo da PEC é economizar R$ 678 bilhões em 10 anos. Este é, praticamente, o valor que o Brasil pagou pelos serviços da dívida pública nos últimos 12 meses. Se o objetivo é economizar, seria dramaticamente mais eficiente reduzir a taxa de juros, que é, de longe, a mais elevada do mundo em termos reais. O problema do déficit público brasileiro não são os gastos primários e sim os juros pagos pelos serviços da dívida.
         Do conjunto de políticas públicas existentes no Brasil, nenhuma é mais eficiente do que a Previdência Social, no aspecto de distribuição de renda. A esmagadora maioria dos benefícios, cerca de 80%, é de um salário mínimo, com elevado efeito distributivo. Além de prover dignidade para a população mais pobre, as transferências da Previdência exercem papel econômico fundamental no aspecto da distribuição regional da renda. E com grande capilaridade, na medida em que em torno de 71% dos municípios brasileiros os montantes transferidos pelos benefícios da Previdência Social são superiores àqueles repassados pelo Fundo de Participação dos Municípios. Ademais, 68% dos benefícios da Previdência Social são destinados a municípios com até 50 mil habitantes. A proposta de reforma da previdência trazida pela PEC ataca direitos dos mais pobres, em meio a mais grave recessão da história do país, o que irá agravar as desigualdades de renda no Brasil.
        Obviamente é fundamental fazer o debate sobre a Previdência Social no Brasil em função, dentre outras coisas, do declínio da taxa de natalidade e da consequente elevação gradual da população idosa. Mas essa discussão tem que ser feita com profundidade e no interesse do País e não a serviço dos interesses do capital financeiro, como é o caso da PEC proposta. Por exemplo, em 2015 as empresas sonegaram R$ 103 bilhões no pagamento para a Previdência, a dívida total das empresas com a previdência, até 2015, de R$ 374 bilhões. E se apresenta uma PEC que retira direitos adquiridos sem discutir esse tema.
        Cerca de 90 milhões de brasileiros, incluindo 86% da população idosa, depende, direta ou indiretamente, dos proventos da Previdência Social. O investimento social com a Previdência, em 2015, chegou a R$ 480 bilhões, para dar condições de sustento para esses quase 100 milhões de brasileiros. Os gastos com juros da dívida, no mesmo ano, foram de R$ 502 bilhões. Só que o dinheiro gasto com a dívida pública, com cerca de 10.000 famílias de super-ricos, ao contrário do dinheiro pago pela Previdência, volta para especulação, sem contribuir para a ampliação da riqueza produzida.                                       
                                                                                                                       *Economista.                                                                                          


                                   

                                                         

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