José Álvaro de Lima Cardoso
O DIEESE divulgou recentemente Nota
Técnica (168) com análise da PEC 287, que trata da reforma da previdência
pública no Brasil, enviada para o Congresso
Nacional, em dezembro último. A proposta, que já foi aprovada
pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tem aprovação prevista pelo
governo, para março. Além de
esmiuçar os principais pontos contidos na PEC, a Nota traz constatações
contundentes. Demonstra que a proposta significa mudança ampla e profunda da Previdência Pública no Brasil. Ampla
porque impacta todos os tipos de benefícios e os dois regimes previdenciários
públicos (o Regime Geral e o Regime Próprio). Profunda porque reduz
substancialmente o valor dos benefícios e retarda o início do período de gozo
do benefício.
Talvez a síntese da Nota Técnica seja a afirmação de que a proposta de
emenda tem como finalidade dificultar o
acesso à Previdência e diminuir os valores dos benefícios dos sistemas
previdenciários dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores
públicos federais, estaduais e municipais. A PEC restringe também, segundo o documento, o alcance da Assistência Social,
porque: a) eleva a idade necessária para obter o benefício; b) aponta para a diminuição
do seu valor; c) estabelece restrições adicionais no acesso a ele, seja para
idosos ou pessoas com deficiência.
A concepção dos formuladores da
PEC 287 é a mesma que lastreia a Emenda Constitucional 95 (fruto da PEC 55, a da
Morte, que congela gastos primários por 20 anos). Segundo essa visão o problema
fiscal brasileiro decorre do aumento acelerado da despesa pública primária, ou
seja, dos gastos sociais, de saúde, educação, com o funcionalismo, etc. Enfim, das
despesas que são realizadas para atender a esmagadora maioria da população. A Emenda
da Morte, que já está em vigor, restringe o acesso da população pobre aos
serviços públicos de educação, saúde, saneamento básico e, inclusive, acesso à alimentação.
A PEC 287, da Previdência, por meios distintos, implicará em resultados
semelhantes.
O
principal argumento do governo para a reforma da Previdência é o seu déficit.
Ocorre que o déficit da previdência não existe. A Previdência Social compõe,
conforme estabelece a lei, o sistema de Seguridade Social Brasileiro, formado
pela Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Este sistema é
superavitário. Quando criado, além do alcance social, pensou-se também em suas
fontes de financiamento. Além da arrecadação proveniente da folha de salários (através
da contribuição de de empregados e empregadores), o orçamento do sistema de
seguridade é composto por Cofins (Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social), Pis/Pasep (Programa de Integração Social e Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público), CSLL (Contribuição Social Sobre o
Lucro Líquido). A receita da Seguridade Social em 2015 foi de R$ 694,97 bilhões
e a despesa, de R$ 683,17 bilhões, portanto superávit de R$ 11,8 bilhões. Isso num
ano de recessão braba, onde a economia recuou quase 4%. Nos anos anteriores, os
superávits foram bem maiores.
A comprovação do superávit da Seguridade
é a existência da DRU (Desvinculação das Receitas da União), criada em 1994
para permitir que o governo federal utilize parte do orçamento da seguridade,
para outros fins. Inclusive pagamento de serviços da dívida pública. No ano
passado, inclusive, o percentual do orçamento da Seguridade, que poderia ser
utilizado para outras despesas passou de 20% para 30%. Na discussão da reforma
da previdência, o governo não acena com nada relativo às renúncias da
previdência social que, somente nos últimos seis anos, totalizaram R$ 270
bilhões, mais da metade dos investimentos com a Previdência Social no ano
passado.
Conforme informações divulgadas na
imprensa o objetivo da PEC é economizar R$ 678 bilhões em 10 anos. Este é,
praticamente, o valor que o Brasil pagou pelos serviços da dívida pública nos
últimos 12 meses. Se o objetivo é economizar, seria dramaticamente mais
eficiente reduzir a taxa de juros, que é, de longe, a mais elevada do mundo em
termos reais. O problema do déficit público brasileiro não são os gastos
primários e sim os juros pagos pelos serviços da dívida.
Do
conjunto de políticas públicas existentes no Brasil, nenhuma é mais eficiente
do que a Previdência Social, no aspecto de distribuição de renda. A esmagadora
maioria dos benefícios, cerca de 80%, é de um salário mínimo, com elevado
efeito distributivo. Além de prover dignidade para a população mais pobre, as
transferências da Previdência exercem papel econômico fundamental no aspecto da
distribuição regional da renda. E com grande capilaridade, na medida em que em
torno de 71% dos municípios brasileiros os montantes transferidos pelos
benefícios da Previdência Social são superiores àqueles repassados pelo Fundo
de Participação dos Municípios. Ademais, 68% dos benefícios da Previdência Social
são destinados a municípios com até 50 mil habitantes. A proposta de reforma da
previdência trazida pela PEC ataca direitos dos mais pobres, em meio a mais
grave recessão da história do país, o que irá agravar as desigualdades de renda
no Brasil.
Obviamente
é fundamental fazer o debate sobre a Previdência Social no Brasil em função,
dentre outras coisas, do declínio da taxa de natalidade e da consequente
elevação gradual da população idosa. Mas essa discussão tem que ser feita com profundidade
e no interesse do País e não a serviço dos interesses do capital financeiro,
como é o caso da PEC proposta. Por exemplo, em 2015 as empresas sonegaram R$
103 bilhões no pagamento para a Previdência, a dívida total das empresas com a
previdência, até 2015, de R$ 374 bilhões. E se apresenta uma PEC que retira
direitos adquiridos sem discutir esse tema.
Cerca de 90 milhões de brasileiros,
incluindo 86% da população idosa, depende, direta ou indiretamente, dos proventos da Previdência Social. O
investimento social com a Previdência, em 2015, chegou a R$ 480 bilhões, para
dar condições de sustento para esses quase 100 milhões de brasileiros. Os gastos com
juros da dívida, no mesmo ano, foram de R$ 502 bilhões. Só que o dinheiro gasto
com a dívida pública, com cerca de 10.000 famílias de super-ricos, ao contrário
do dinheiro pago pela Previdência, volta para especulação, sem contribuir para
a ampliação da riqueza produzida.
*Economista.
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