Adriano Benayon * - 14 de
janeiro de 2013
Michael Hudson, professor da
Universidade Misouri-Kansas, escreveu excelente artigo, O
enganoso abismo fiscal dos EUA em 2012. A enganação diz
respeito a que o déficit orçamentário não precisaria
existir (mas existe) e às suas reais causas.
2. Ele está em US$ 14 trilhões, o
equivalente a quase um PIB anual dos EUA e menos que seu
governo gastou para salvar os bancos. Nouriel Roubini aponta
que o recente acordo entre Obama e parlamentares do partido
republicano prenuncia novo colapso, pois prevê reduções
fiscais, e não há como abrir mão de receitas tendo que
cobrir um déficit dessa magnitude.
3. Os economistas do sistema clamam
que, para reduzir os déficits públicos, há que: 1) cortar
despesas sociais, obrigando os trabalhadores a financiarem
seus planos de saúde e aposentadorias; 2) fazer que o Estado
deixe de investir nas infra-estruturas econômicas e sociais;
3) demitir servidores; 4) privatizar as propriedades e os
serviços públicos.
4. O Brasil seguiu, mais de uma
vez, esse caminho, o que intensificou os malefícios da
desnacionalização, encetada em 1954, e causa primordial de o
País estar muito atrás de países, antes, muito mais pobres.
O serviço da dívida e as privatizações acabaram de
inviabilizar o desenvolvimento, de modo irreversível até que
sejam substituídas as atuais estruturas econômicas e
políticas.
5. A Europa - desprovida de
soberania - pois o Banco Central não emite moeda para
financiar os países membros, arruína-se através das
políticas de austeridade, que agravam a depressão a
pretexto de reduzir os déficits públicos gerados pelo
colapso dos derivativos.
6. Os EUA só não estão de todo
afundados, por empregarem a força para obrigar produtores de
petróleo a vendê-lo em dólares e por emitirem-nos à vontade
para pagar importações e o serviço da dívida.
7. Os analistas não submissos
mostram que os déficits não provêm das despesas sociais nem
dos investimentos públicos nas infra-estruturas. Na verdade,
os orçamentos do Estado foram onerados pelas operações de
socorro aos grandes bancos, que ficaram em dificuldades
quando os derivativos se revelaram títulos podres, após
terem gerado lucros fantásticos para seus controladores.
8. Em suma, a oligarquia
financeira, dona desses bancos e de outras indústrias
dominantes, comanda, através de títeres políticos, os
governos das democracias, bem como os formadores de
opinião em cátedras e nos meios de comunicação.
9. Ela subordina a todos, por meio
das políticas fiscal e monetária. Os 0,01% da oligarquia
(incluindo executivos) são privilegiados por isenções
fiscais e como credores, com o endividamento do Estado e de
mais de 90% da população.
10. Por isso não admitem que os
Tesouros nacionais emitam moeda para financiar o de que
precisa a economia. Criou-se a mentira aceita como verdade
que isso seria inflacionário. O sistema exige que o
próprio o Estado, endividado por ter socorrido os bancos,
dependa do crédito deles.
11. O cartel dos bancos, nos EUA,
recebe dinheiro emitido pela Reserva Federal a juros de
0,25% aa, muito abaixo da taxa da inflação, e aplica em
títulos especulativos e nos de países, como o Brasil e a
Austrália, que se deixam tosquiar pagando juros elevados nos
títulos públicos.
12. Como
assinalei em artigo, No Limiar de 2013, não interessa à
oligarquia acabar com a depressão, que dela se serve para
quebrar o poder e a resistência de quantos pretendam
equilibrar a sociedade e promover seu bem-estar.
13. O orçamento
equilibrado é um dos instrumentos ideológicos para arranjar
depressões. Falam da economia como se esta devesse ser
gerida por quitandeiros ou políticos demagogos, na linha de
Cícero (século I AC): não gaste mais do que arrecada.
14. Michael
Hudson recorda que as depressões coincidiram com períodos de
superávit orçamentário. Este precedeu e/ou acompanhou as
seis depressões iniciadas em 1819, 1837, 1857, 1873, 1893 e
1929. A atual, iniciada em 2007, é efeito retardado dos
superávits de Clinton (1998/2001), postergada em
consequência das bolhas da internet e dos imóveis
residenciais, com inusitada explosão do crédito.
15. Quanto mais obtém maior
concentração de riqueza reduzindo assim o poder relativo
inclusive dos ricos fora do topo da pirâmide mais a
oligarquia se converte em tirania.
16. Discordo de Hudson quando
conclui que isso é não é capitalismo, mas sim feudalismo. Na
verdade, o capitalismo converte-se em algo pior que o
feudalismo, porque nele não há limites à concentração.
17. Quanto ao Brasil, lembrou, há
pouco, Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES: "Não
estamos sequer reproduzindo a República Velha. Esta
República atual praticamente universalizou a
desnacionalização."
18. Enquanto isso, o sugado povo
brasileiro é distraído pelo combate à corrupção, como se
essa não fosse sistêmica. Milhões indignaram-se com o
mensalão e aplaudem o STF.
19. Entretanto, até hoje, dormem,
engavetados nos tribunais superiores, os processos em foi
provada a colossal roubalheira das privatizações (Vale Rio
Doce, elétricas, telecomunicações, siderúrgicas, bancos
estaduais), após terem esses tribunais cassado as liminares
concedidas para sustá-las. Elas já completaram, impunes e
consolidadas, quinze anos em média.
20. Mais tragicômico: os atuais
governantes, além de nada terem feito para mudar a triste
estrutura formada conforme o Consenso de Washington, usam
o BNDES e a política fiscal para cevar ainda mais os
concentradores, principalmente transnacionais, que desviam
renda nacional, em quantias crescentes, para o exterior.
21. Isso é pouco para a mídia e
demais alienados - antinacionais, desde antes do primeiro
golpe contra Getúlio Vargas, 1945. Trabalham pela volta dos
perpetradores do desastre em mega-doses. Mais: mesmo fora
dos dois partidos ocupantes do Planalto nos últimos 18 anos,
falta espaço, sob as instituições presentes, para lideranças
capazes de oferecer alternativa real.
* - Adriano
Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização
versus Desenvolvimento.
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