José Luís Oreiro
Nos ultimos meses diversos economistas ortodoxos tem repetidamente
afirmado que o governo da Presidente Dilma Rouseff estaria levando o
Brasil de volta aos anos 70 em função de um alegado “excesso de
intervencionismo”. Nas entrelinhas, embora isso nunca seja explicitado,
tem-se a impressão de que o Brasil parece estar a beira de um desastre
macroeconômico haja vista que a década de 1970 foi sucedida pela crise
da divida externa, alta inflação e uma década perdida de crescimento.
Com efeito, alguns ex-colegas meus da graduação na FEA/UFRJ e que agora
trabalham no mercado financeiro me disseram que o Brasil já está em
crise, embora, sabe-se lá porque razão, a tal crise teime em não
aparecer nas estatísticas de desemprego.
Não acredito que seja correto afirmar que o Brasil esteja revivendo o
final da década de 1970. Por uma série de razões. Em primeiro lugar, a
taxa média de crescimento real do PIB no período 1977-1980 foi de 6,46%
a.a segundo dados do IPEADATA. No biênio 2011-2012, caso se confirme as
expectativas de mercado quanto a trajetória do PIB neste ano, teremos um
crescimento médio inferior a 2,0% a.a. Dessa forma, percebe-se que
enquanto o final da década de 1970 foi um período marcado por um
crescimento bastante robusto do PIB (embora menor do que na época do
milagre); os dois primeiros anos da administração Dilma Rouseff são
caracterizados por uma semi-estagnação do crescimento.
Em segundo lugar, a participação da indústria de transformação no PIB
brasileiro era muito maior na década de 1970 do que é agora. O processo
de desindustrialização da economia brasileira teve inicio no final da
década de 1970, mas o mesmo se acelera durante os sucessivos governos do
PSDB e do PT a tal ponto que a participação da indústria de
transformação no PIB recuou em 2011 ao valor existente em 1947 !!! Nesse
cenário seria uma benção se a economia brasileira retornasse ao final
da década de 1970, pois isso significaria um crescimento de 6 p.p na
participação da indústria de transformação no PIB.
Por fim, o padrão de financiamento externo da economia brasileira
mudou muito do final da década de 1970 para os dias atuais. Embora o
Brasil tenha voltado a exibir déficits em conta corrente a partir de
2007, atualmente esses déficits são 100% financiados com IED; ao passo
que na década de 1970 os déficits eram financiados com empréstimos
bancários. A mudança na composição do passivo externo da economia
brasileira deixa o país menos vulnerável a mudanças na política
monetária dos países desenvolvidos, ao contrário do que ocorreu na
década de 1970, após o choque de juros promovido pela gestão Volcker no
FED. Se a taxa de juros americana aumentar de maneira significativa em
2014 ou 2015, o impacto sobre a conta corrente do balanço de pagamentos
será pequeno, pois a maior parte do nosso passivo externo não está
direta (ou indiretamente) ligada com a taxa de juros internacional. Está
claro que, nesse cenário, haverá uma redução do fluxo de capitais para a
economia brasileira, produzindo uma desvalorização cambial. Contudo, ao contrário dos anos 1970,
o Brasil dispõe hoje de um volume bastante significativo de reservas
internacionais as quais, combinadas com controles a saída de capitais,
poderão controlar o ritmo de desvalorização cambial.
Daqui se segue que uma nova década perdida em função de uma “crise de
endividamento externo” como na década de 1980 está descartada. O risco
que a economia brasileira corre – e que parece que não está sendo
entendido pelas administrações petistas – é a perda de dinamismo devido
a desindustrialização. Para mim o cenário mais provável é de uma
economia que poderá crescer entre 2,5% a 3% a.a no médio e longo-prazo,
mantendo uma razoável estabilidade macroeconômica e uma taxa de
desemprego em torno de 6 a 7% da força de trabalho. Do ponto de
vista eleitoral esse cenário pode até ser suficiente para perpetuar o PT
indefinidamente no poder, mas irá condenar eternamente o Brasil a
condição de país sub-desenvolvido.
O maior risco que o Brasil enfrenta no curto-prazo é uma forte
desaceleração do crescimento econômico na China, o que levará a uma
queda bastante pronunciada dos preços das commodities que o Brasil
exporta. Nesse cenário, o déficit em conta corrente poderá aumentar para
5 ou 6% do PIB tornando-se rapidamente insustentável. Isso produzirá um
“sudden-stop” do financiamento externo para a economia brasileira, o
que produzirá uma forte desvalorização da taxa de câmbio e aumento da
taxa de inflação. Se o governo brasileiro usar de forma competente as
reservas internacionais, impor controles a saída de capitais e limitar a
indexação de preços e salários a inflação passada, então a
desvalorização cambial poderá ser administrada e a elevação da inflação
será apenas temporária. Certamente que, nesse cenário, teremos 2 ou 3
anos de queda de crescimento com elevação da inflação (estagflação), mas
ao final do processo a taxa de câmbio está perfeitamente ajustada
permitindo a re-industrialização da economia brasileira e o retorno ao
dinamismo econômico no longo-prazo.
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