De volta para casa
22 de janeiro de 2013 | 10h16
José Paulo Kupfer
Já é bem sabido que os excessos promovidos por
brechas regulatórias no sistema financeiro, em ambiente de globalização
explosiva, estão entre as causas da grande crise econômica em curso. Mas, o que
só agora parece estar ficando claro é que, em paralelo às disfunções produzidas
no mercado financeiro, também na economia real, sobretudo no setor industrial,
a busca desenfreada e sem limites da redução dos custos de produção, pela via
da terceirização de fornecedores e mercados, envolve altíssimos riscos não só
micro como macroeconômicos.
O caso atual do novo Boeing 787 Dreamliner, cujas
unidades já em operação foram proibidas de voar até que seu mau funcionamento
seja diagnosticado e corrigido, é apenas a ponta de um iceberg. Vazamentos de
óleo, rachaduras nos vidros da cabine de comando e, ainda mais grave,
superaquecimento e incêndio nas baterias de alimentação elétrica do avião estão
sendo atribuídos a uma complexa e excessiva rede de fornecedores e
subcontratados globais, fabricantes de peças e componentes que não encaixaram
exatamente como projetado pela Boeing.
Discussões sobre os limites da terceirização nos
processos de produção industrial, na verdade, são velhas de pelo menos dez anos
nos Estados Unidos. A ideia de que fabricar produtos, a partir de cadeias de
produção muito longas, geograficamente dispersas e com financiamento externo
integral põe em risco o próprio processo produtivo é anterior à crise, mas
ganhou impulso com ela.
É crescente, de fato, a percepção de que o
distanciamento físico entre inovação e produção prejudica a inovação. A
estratégia de inventar, projetar e desenhar localmente, mas produzir em
terceiros mercados, campeã das últimas décadas, tem sido duramente criticada
pelos riscos nela envolvidos. Esses riscos não seriam só de perda de receitas e
de empregos qualificados, mas também de liderança tecnológica.
É por isso que já não causa tanta estranheza dizer
que o “modelo Apple” de produção está a caminho do esgotamento – o que, por
sinal, tem tido o respaldo do avanço bem sucedido da concorrência promovida
pela coreana Samsung. Optar por conteúdo local, agora, tem sido visto menos
como uma questão de proteção de mercados locais do que um modo de abrir caminho
e consolidar inovação.
Costuma-se atribuir a redução do ritmo de
globalização econômica à crise de 2008, conforme relatou o jornalista Fernando
Dantas, no Estado
de desta segunda-feira, com base em pesquisa da consultoria global Ernst &
Young, que será apresentada no tradicional Fórum Econômico Mundial, em Davos,
com início previsto para esta quarta-feira. Além da crise, porém, a
desaceleração da globalização, nas economias maduras e principalmente nos
Estados Unidos, segundo o estudo, se deve também à crescente reversão de etapas
de produção de economias emergentes para mercados locais.
Estudiosos da organização industrial contemporânea
têm constatado que, a partir de um certo ponto de terceirização, a almejada
flexibilidade do processo produtivo pode gerar indesejável rigidez no sistema
de produção. Excessos de terceirização, em combinação com as adoção de sistemas
de fornecimento “just in time” muito apertados, em lugar de assegurar
eficiência produzem riscos de desarranjar ou abrir buracos nos elos das cadeias
produtivas. Não é por coincidência, afirmam especialistas, que o lançamento do
787 Dreamliner atrasou três anos e que seu concorrente A350, da Airbus, que ainda
não chegou ao mercado, também enfrenta atrasos.
O estudo da Ernst & Young menciona um
levantamento de 2011, produzido pela consultoria AlixPartners, no qual se
estima que, por volta de 2020, de 10% a 30% dos produtos manufaturados hoje
importados pelos Estados Unidos da China poderão voltar a ser fabricados no
mercado americano. O movimento, de acordo com o levantamento, adicionaria à
economia americana de US$ 20 bilhões a US$ 50 bilhões por ano.
Não parece ser o caso de desprezar a hipótese de
que essa tendência de voltar a produzir um pouco mais em casa se confirme. Se
isso ocorrer, serão importantes as consequências para as grandes economias
emergentes, sobretudo os BRICs, cujos custos de produção são ascendentes, que
poderão assistir a um deslocamento da parte da produção hoje terceirizada para
mercados locais, nas economias maduras.
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