A mídia brasileira segundo Mino Carta
- 20/01/2013 |
- Pedro Nogueira
- Diario do Centro do Mundo
Uma
coisa é certa: Mino não é definitivamente o admirador número 1
do jornalismo nacional.
Fuçando
em velhos arquivos do computador, eis que me deparo com uma
entrevista que fiz, dois anos atrás, com o jornalista
ítalo-brasileiro Mino Carta, diretor de redação da Carta Capital
e fundador da Veja. Escrevi a matéria em parceria com minha
amiga Cátia Cananea para o jornal Diretriz, da faculdade em que
eu estudava na época, o Mackenzie. Ao relê-la, percebi que suas
ideias continuam bastante atuais e decidi publica-la aqui no
Diário. Segue abaixo.
A
sala de Mino Carta, o diretor de redação da Carta Capital, tem
um quê de vintage. Em cima da mesa, não há computador. No seu
lugar, uma máquina de escrever Olivetti. “Tenho medo do
computador”, diz Mino. “Ele engole as pessoas, sem que elas se
dêem conta disso.” Aos 79 anos, Mino é dono de um currículo
impressionante: ele fundou as revistas Veja, IstoÉ , Carta
Capital e o Jornal da Tarde, entre outras publicações. Numa
tarde de segunda-feira, ele me recebeu em sua sala para uma
entrevista, na qual afirmou que a imprensa brasileira é “de uma
safadeza e hipocrisia imbatível” e disse que entrou no
jornalismo porque queria comprar um terno azul-marinho.
O
que o senhor acha da imprensa brasileira?
Ela
é excepcionalmente ruim. O melhor jornal que circula em São
Paulo é esse aqui, olha. [Pega uma edição do italiano Corriere
Della Sera]. Essa reforma da Folha é para rir, né? A imprensa de
qualquer país democrático é melhor do que a brasileira. A meu
ver, a imprensa brasileira tem dois problemas sérios.
O
primeiro está na posição deles. No mundo todo, você vai
encontrar posições diferentes entre os jornais. Cada jornal tem
a sua postura, que se diferencia da do concorrente. No Brasil,
não. Todos os jornais e revistas se juntam contra um inimigo
comum. No caso, o PT. Eles não querem incentivar o debate. A
nossa imprensa é de uma safadeza e de uma hipocrisia imbatível.
Não existe igual no mundo. A imprensa está sempre a favor do que
é pior, do que há de mais rançoso, do que há de mais
reacionário. Eles gostam de ser súditos, gostam de ser súditos
dos Estados Unidos.
O
segundo ponto é que os jornais são tecnicamente ruins. Muito
ruins. Sem contar as ofensas diariamente cometidas contra a
língua portuguesa, uma língua muito bonita, flexível e que
mereceria um tratamento melhor.
Então,
a imprensa brasileira é tendenciosa, na sua opinião?
A
imprensa tem obrigação de ser honesta. Aquela história de ela
ser objetiva está errada. Você não consegue ser objetivo em
momento algum da vida. Imagina escrevendo! Você é subjetivo até
quando deposita uma vírgula. Mas precisa existir honestidade,
entende? Ouvir quem está de um lado, quem está de outro. Dar o
mesmo peso às declarações de ambos. E, depois, dar a sua
opinião, acentuando a diferença entre o que é verdade factual e
o que é opinião. A verdade é um fato simples. Esta é uma mesa
[ele aponta para a mesa], isso é um copo, estou tomando
Coca-Cola. Vocês são jovens estudantes, eu me chamo Mino. Essa é
a verdade factual. A imprensa brasileira mente o tempo inteiro,
omite informações, quando não convém ao ponto de vista deles.
Há
alguma revista que se salva?
A
Carta Capital. A Carta Capital é um milagre. Pela qualidade de
análise, pela coragem. Você não precisa concordar com a Carta
Capital, não é esse o ponto. Não somos os donos da verdade.
Absolutamente. Mas, pelo menos, ela te oferece um trabalho em
bom português, de análise profunda com a qual se pode concordar
ou não. Nós temos a convicção de que o jornalismo se faz para
iluminar os leitores.
Além
da Carta Capital, há alguma outra?
Não.
Tem algumas que são carregadas de boa-fé. Isso já é meio caminho
andado. A Brasileiros é uma revista feita com muito boa fé,
muita esperança. A Caros Amigos também. Agora, são publicações
pouco incisivas, porque são mensais. É complicado fazer uma
revista mensal. Ela acaba exercendo uma pressão, uma influência
muito pequena. Dilui-se demais. Isso cria problemas sérios.
Qual
é a diferença entre a Veja da década de 1970, editada pelo
senhor, e a Veja de hoje?
A
Veja nasceu uma revista independente, em um momento que não tem
comparação com os dias de hoje. Ela nasceu em tempos de
ditadura, foi apreendida nas bancas na 5ª edição. Foi submetida
a uma censura infernal. Eu fui preso duas vezes e tive que
prestar 40 depoimentos na Polícia Federal.
Enfim,
eram outros tempos. Quando saí da Veja, ela entregou-se nas mãos
da ditadura. Embora tenha mudado a sua postura, ainda era feita
por uma equipe competente. Antes, a Veja era de franca oposição
dentro das possibilidades, determinadas por uma censura
duríssima. Então, naquele momento, a censura foi embora e tudo
ficou bem pra eles. Mas, repito, a Veja não perdeu qualidade,
mesmo mudando de posição.
Já
a Veja de hoje é um acinte, é uma cloaca. Não é uma revista. Ela
mente todo dia.
O
senhor ainda usa máquina de escrever? Não gosta de computador?
Sim,
ainda escrevo na minha Olivetti. Não chego perto do computador.
Acho que ele engole as pessoas, sem que elas se dêem conta de
que estão sendo engolidas. Tenho medo do computador.
Há
quem diga que o jornalismo digital vai acabar com o impresso.
Qual é a posição do senhor em relação a isso?
Confesso
que esse raciocínio tem a sua lógica. Mas ainda tenho muitas
dúvidas. Eu vejo que a internet está sendo muito mal usada. A
internet hoje facilita tanto a vida do repórter que ela está
acabando com a reportagem, com a cobertura profunda dos
acontecimentos. O jornalista já não vai mais a campo. Está tudo
lá, na internet. É um instrumento fantástico, negar isso é
besteira. É fantástico porque, se você quiser ler tal livro,
está lá. Ou, se quiser entrar na melhor biblioteca do mundo, no
melhor museu, pode. Enfim, temos à nossa disposição o mundo via
internet.
Mas
não me parece que ela esteja sendo bem usado. Não tenho muita
confiança no gênero humano, entende? Muito pelo contrário. Eu
sou dostoievskiano na minha visão do homem. Não acredito que o
homem vai produzir grandes coisas. Acho que o homem vai se
meter, sempre, em guerras e lutas. E, o pior: em mutretas, em
obras escusas.
Como
o senhor entrou para o jornalismo?
Meu
pai era jornalista, meu avô era jornalista. Meu irmão sonhava em
ser jornalista. Eu, não. Achava os jornalistas um bando de
chatos. Falando sempre de coisas, segundo eles, extraordinárias
e, na verdade, terrivelmente iguais. As pessoas mudam de nome,
mas você lida sempre com o mesmo tipo de personagem.
Enfim,
quando eu tinha 15 anos, queria muito ir aos bailes de sábado. E
eu precisava de um terno azul-marinho para ir. Meu pai recebeu
uma proposta de um jornal italiano para fazer algumas matérias
de futebol. Acontece que ele odiava futebol. Detestava
cordialmente o futebol. Eu gostava, e eu jogava. Ele me chamou e
disse: “Olha, tão me oferecendo isso. Você quer escrever?” Eu
disse: “Quanto vale?” Ele falou que era tanto. E eu: “Perfeito,
muito bom!” Com aquele dinheiro, eu podia fazer um terno
azul-marinho num bom alfaiate. Bom mesmo! [risos] Aí, descobri
que a felicidade estava ao alcance de quem quisesse escrever os
artigos. Quer dizer, aquilo que eu concebia como felicidade, né?
Qual
é a maior virtude que um jornalista pode ter, em sua opinião?
Posso
dizer quais são as regras que devem inspirar o jornalista,
aqueles princípios básicos. O primeiro é a fidelidade à verdade
factual. Fidelidade total, não omitir nada daquilo que está ali.
Em segundo, o exercício do espírito crítico. Isso é fundamental.
Ter uma postura diante das coisas. Aliás, essa é a melhor
maneira de ser efetivamente vivo. É um sinal de vida quase tão
importante quanto respirar. E o terceiro ponto é a fiscalização
do poder. Não só o poder do governo. Mas, também, o poder do
banqueiro, é o poder da cultura, o poder em geral. O poder
sempre se manifesta, existe em qualquer lugar.
Agora,
esses são os princípios. O jornalista precisa ter talento, ter
vocação. É possível desenvolver a técnica. Mas é fundamental ter
algum talento, saber escrever bem. Jornalismo é uma forma de
literatura, é um braço literário indiscutível. Grandes
jornalistas foram grandes escritores. Você aprende a escrever
realmente bem lendo muito. A leitura é fundamental para quem
quer escrever. Tem que entrar em você. É a partir daí que você
ganha um enorme desembaraço em relação à escrita.
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