quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

As transformações das forças armadas nos EUA


do Blog de Luís Nassif

Por Waldy Kopezky
Nassif, vou pedir licença a vc (mas principalmente ao André Araújo, pois é especialidade dele) para fazer uma análise da transformação das Forças Armadas dos EUA depois da 2ª Guerra, estrutura de defesa/comunidade de inteligência e uma hipótese (polêmica) para o ocorrido. Vou por tópicos, pra não ficar cansativo:
Os EUA lutaram na II Guerra Mundial com apenas duas forças armadas - Ao contrário dos britânicos (que vislumbraram mais cedo a importância de uma força aérea independente como arma decisiva numa estratégia de defesa nacional moderna e criaram a Royal Air Force ou RAF), os Estados Unidos mantiveram na II Guerra Mundial sua estrutura militar baseada em somente duas FAs - U.S. Army e U.S. Navy, com infra-estruturas e sistemas de comando distintos para atuarem em dois teatros independentes (o Exército na Europa contra a Alemanha - e a Marinha no Pacífico, contra o Japão). Ambos tinham grupos de inteligência próprios no Office of Naval Intelligence (ONI) e no Office of Strategic Services (OSS), bem como frotas aéreas distintas (Army Air Corps e Marine Corps Aviation) com pilotos, oficiais, mecânicos e até fábricas exclusivas, numa estrutura concebida e consolidada ainda na I Guerra Mundial.
Forças distintas, mas coordenadas - Mesmo independentes, havia uma organização mínima que funcionou como hub entre ambas: o Office of Secret Affairs (OSA), jamais admitido mas responsável por ações importantes como os relatórios JANIS (Joint Army Navy Intelligence Studies) e NIS (National Intelligence Survey), além do desenvolvimento do sistema "Magic" de quebra de encriptação das mensagens inimigas (e no uso do Navajo como língua-base nas comunicações de rádio entre tropas combatentes), tanto quanto o suporte conjunto e irrestrito às pesquisas da bomba atômica. Dessas duas Armas os oficiais (de longe) mais lembrados são o General Marshall e o Almirante McArthur, ainda que os generais Patton e Ike (Eisenhower) tivessem fama e brilho próprios (o último chegou à presidência).
(Até aqui o texto é meramente descritivo e totalmente fiel aos fatos e dados históricos conhecidos - mas agora passo a agregar uma pitada interpretativa á cronologia dos eventos, ok?)
Duas Armas num pós-guerra sob total controle - Para os Estados Unidos, Exército e Marinha foram suficientes para vencer os dois maiores conflitos da história da humanidade (I e II Guerras Mundiais), passando pelo advento e primórdios da Era Atômica com clara hegemonia e sob o desafio de sustentar o antagonismo ideológico (Guerra Fria) contra um comunismo soviético ainda não-nuclear (a primeira ogiva da URSS foi detonada somente em 1949). Nessa confrontação sem guerra declarada ou combate direto, o xadrez geopolítico do pós-guerra apresentava aos EUA um ambiente de grande desconfiança e justificado receio para com o antigo aliado - mas pouco medo ou ameaça de fato e quase nenhuma perspectiva de grave perigo à sua nação - esta que agora liderava o mundo como maior potência (única nuclear).
Algo muda, bruscamente - No entanto, a 18 de setembro de 1947 é aprovado um  Ato de Segurança Nacional (National Security Act) que passava a instituir uma nova força armada e e criava TODA a estrutura moderna de inteligência dos EUA - assim nasceu a United States Air Force (USAF) como terceiro braço das Armas do país, com o objetivo especifico de "...desenvolver sistemas, estratégias e doutrina que garantam o domínio e controle pleno do espaço aéreo nacional..." (tradução minha do texto original da lei).
Uma comunidade de Inteligência inédita - Na mesma ordem foram criados ainda o Departamento de Defesa (DoD, com um Secretário de Defesa separado do Departamento de Estado), o Conselho de Segurança Nacional (National Security Council - NSC), uma National Security Council Intelligence Directive(NSCID, em substituição à JANIS), o permanente Joint Chiefs Staff (Estado-Maior das FAs, antes previsto para existir somente em tempos de guerra), uma Comissão de Energia Nuclear, o Intelligence Advisory Committee(IAC, depois convertido para Departamento de Inteligência e Defesa - DIA), bem como a infame Agência Central de Inteligência (CIA).
Longa cadeia de inteligência e vigilância - Outros National Security Acts promulgados até 1948 criaram ainda o Federal Bureau of Investigations (FBI) e a National Security Agency (Agência de Segurança Nacional, ou NSA) - uma cuida da segurança/vigilância interna dos EUA (FBI), outra externa (CIA) e a NSA sabe-se lá do quê cuida, até hoje. Ainda foram determinados nesses primeiros ordenamentos o sistema compartilhado de comando civil/militar na comunidade de inteligência, os padrões dos comitês de consulta hierárquica e a política de secretismo need-to-know-only, com níveis de clearance/divulgação estritos (secret, top-secret, for your eyes only - hoje supõe-se existir 37) regulados pelo conceito de onion layers (camadas de informação liberada, como as de uma cebola), para que o grupo com clearance menor (camada/layer mais externa) não tenha acesso ou sequer intua maiores informações sensíveis da camada seguinte - e somente o grupo interno do "núcleo da inteligência" detenha controle de todos dados secretos nos diferentes layers, restringindo a estes o conhecimento do "grande cenário estratégico" - e por isso só a eles seria possível controlar e dirigir as ações pertinentes.
Em 1947, choque e pavor do quê? - Se a gestão Bush Jr. popularizou recentemente a doutrina militar externa dos EUA de "Shock and Awe" (choque e pavor), tal designação veio espelhada na lembrança de um sentimento agudo de insegurança vivido numa época muito anterior - e que teria acometido de forma avassaladora toda a governança e estrutura político-militar norte-americana a partir do meio do século passado. Claramente, foi algo que aterrorizou a todos que dela souberam e os obrigou à criação de uma estrutura (monstruosa) de controle e vigilância inéditos. Os indícios disso estão na decisão de criar uma nova Força Aérea para "...garantir o controle e a supremacia (!?!) no espaço aéreo nacional..." (medida tida como desnecessária na II Grande Guerra mas concebida como vital num ato sumário, quasi-emergencial, durante tempos de paz), bem como todo um sistema conceitual e estrutural de controle de tecnologia, informação e vigilância social constantes (em uma época de pós-guerra e hegemonia global indisputada, reforce-se). Um medo absoluto assim só poderia ser gerado por um acontecimento tão aterrorizante quanto surpreendente, maior mesmo do que o medo ao nazismo, ao comunismo ou a qualquer ameaça externa já vivida (lembrem-se que não havia ainda uma séria ameaça nuclear soviética aos EUA, em 1947).
Mudança extrema, caríssima e secretismo injustificado - Mas não há fato ou registro histórico conhecido a justificar um terror capaz de desencadear mudanças tão extremadas, tão grandes e tão onerosas (e de forma tão abrupta) como essas realizadas pelos Atos de Segurança Nacionais promulgados a partir de 18/09/47. Aliás, a data correta do National Security Act de 1947 seria 26 de julho desse mesmo ano, mas o link com o documento no site da CIA (http://www.cia.gov/csi/books/cia_origin/PDFS/3.pdffoi "curiosamente" deletado. Para se ter uma idéia do empenho governamental para criar repentinamente essa gigantesca comunidade de inteligência e um complexo militar-industrial  de suporte (com pesquisa de ponta e capacidade no desenvolvimento de novas tecnologias sensíveis), basta dizer que só se gastou mais dolaresna construção massiva dos sistemas balísticos intercontinentais de lançamento nuclear coordenado (o fixo e o móvel, baseados em redes de silos subterrâneos e numa numerosa frota submarina) montados na década seguinte.
Jatos e foguetes foram prioridades - De uma hora para a outra, pesquisas e testes de campo foram desencadeados em inúmeras áreas, num frenesi justificável somente pelo maior dos desesperos. A semi-dormente NACA (National Advisory Committee for Aeronautics, precursora da NASA) recebeu novas atribuições e, sob elas, engenheiros reativaram os testes de velocidade com o jato Bell X-1 (parados desde o ano anterior por acidentes e evidentes falhas no projeto), que foram retomados às pressas e sem novas precauções (o piloto Chuck Yeager rompeu a barreira do som com ele em 14/10/47 sob grande risco pessoal, tendo declarado décadas depois que o avião era "pouco controlável"). Em 10 anos a velocidade de 3.675 km/h (Mach 3) foi alcançada e o vôo a 120 mil pés foi conseguido, feitos extraordinários mesmo à custa de 17 acidentes e 13 mortes (mais 4 desaparecimentos). Um avanço somente comparável ao dos pouco mais de 10 anos que separaram o Sputinik-1 em órbita do pouso da Apollo 11 na Lua (1957-1968, numa corrida espacial que teve baixas de quase 50 homens, entre cosmonautas e astronautas). Para a conquista do espaço nos anos 60 contribuíram cientistas aerospaciais alemães de Peenemunde (cooptados em 1945 na Operação Paperclip e "encostados" desde então nos EUA, um deles Wernher von Braun), todos designados em 1947/48 pela mesma NACA para reencetar a pesquisa de propulsão para foguetes (tanto mísseis quanto naves de alcance orbital) feita na Alemanha.
A causa de tal medo: uma hipótese - A toda ação implica uma reação, bem como a todo fato determinado como causal outro evento que lhe é consequente. Os números e dados cronológicos acima são inegáveis, tanto quanto sua correlação evidente. Daí, conclui-se logicamente que a um risco potencial segue-se naturalmente uma medida de prevenção ou, até mesmo, uma série delas, in extremis. O medo suscita a precaução, equivalente ou não.
Mas qual foi a causa desse medo abrupto, iminente, tão insensato em suas consequências quanto aparentemente irreal em sua manifestação? A resposta (e minha aposta) - por incrível que pareça resume-se a uma data e um lugar: 5 de julho de 1947, em Roswell.

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