Em atrito
com Robespierre e aconselhado a fugir, enquanto havia tempo, Danton repeliu a
idéia com a pergunta dura:alguém pode levar a pátria na sola dos sapatos?
Conduzido à guilhotina teve, diante da visão da lâmina armada, seu momento de
medo. Estava recém-casado com mulher bem mais jovem, e muito bela, e foi
golpeado pela idéia de que a deixaria aos outros. Confessou aos circunstantes o
seu desespero. A honra o conteve, ainda a tempo. Em voz poderosa,
recriminou-se: Seja homem, Danton, morra com dignidade!
Gerard Depardieu é um dos maiores atores do mundo, e se destacou no papel
de Danton. Não se destaca pela aparência, nada apolínea, mas é capaz de viver
qualquer personagem diante da câmera. É dos homens mais ricos da França.
Inconformado pelo projeto de François Hollande (já rejeitado pelo Conselho
Constitucional) que visava a aumentar o imposto sobre as maiores rendas,
Depardieu pediu e obteve a cidadania russa. Partiu para Moscou, levando a sua pátria no bolso.
Levar a pátria no bolso é um velho costume daqueles que fazem do dinheiro a sua
razão de viver. Os artistas, normalmente, não agem como está agindo o excelente
ator. Muitos deles costumam agir preocupados com a Humanidade. Ao assumir as
emoções atribuídas aos personagens pelos dramaturgos, delas sempre sobram
sentimentos que conduzem a própria atitude política. Mas nem sempre é assim.
Nem todos eles são - como os poetas lembrados por Fernando Pessoa - fingidores capazes de fingir a dor que deveras sentem. Às vezes fingem as dores e as alegrias que não sentem.
Fingir vem do verbo latino que significava, em seu início, fazer objetos de
barro, como os vasos. Está, assim, associado, à realidade do mundo. Da mesma
forma que o oleiro molda o vaso, separando um espaço vazio do vazio que o
circunda, o ator cria seu personagem, separando-o da Humanidade que o cerca,
mas, dentro desse espaço criado, resume os sentimentos do mundo. E, se for como
foi Danton, resume a sua pátria.
Há muito que a idéia de pátria se vem desmoronando. É provável que os
sociólogos tenham razão, quando atribuem às comunicações instantâneas, que
fizeram o planeta minguar, o esboroar desse sentimento, que dava grandeza aos
homens.
Não podemos levar a pátria na sola dos sapatos. E os que, como Depardieu, crêem
levá-la em sua conta bancária, nunca a tiveram. Tampouco a têm aqueles que,
mesmo vivendo dentro das fronteiras de seu país, só cuidam de seus próprios
interesses.
Pagar impostos, sobretudo neste momento em que a França procura reerguer-se,
depois do assalto dos grandes banqueiros, é um dever de patriotismo. Ao
negar-se a fazê-lo, o ator rejeita a pátria, e se assemelha aos bancos que
espoliaram seu povo e enviaram dinheiro para os paraísos fiscais – que
obtiveram do BIS, de Basiléia – que funciona como banco central do mundo –
licença para continuar o saqueio.
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