10/01/2013 | Brasil,Destaques,Economia,Reforma Agrária
Por João Pedro Stedile.*
O governo ainda não entendeu a natureza e a gravidade dos problemas sociais no campo.
A sociedade brasileira enfrenta no meio
rural problemas de natureza distintos que precisam de soluções
diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de
medidas urgentes. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores
sem-terra vivendo debaixo de lonas pretas, acampadas, lutando pelo
direito que está na Constituição de ter terra para trabalhar. Para esse
problema, o governo precisa fazer um verdadeiro mutirão entre os
diversos organismos e assentar as famílias nas terras que existem, em
abundância, em todo o País. Lembre-se de que o Brasil utiliza para a
agricultura apenas 10% de sua área total.
Há no Nordeste mais de 200 mil hectares
sendo preparados em projetos de irrigação, com milhões de recursos
públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para
produzirem para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o
Fórum Social Mundial (FSM) de Porto alegre, em 25 de janeiro de 2012,
que daria prioridade ao assentamento dos sem-terra nesses projetos. Só
aí seria possível colocar mais de 100 mil famílias em 2 hectares
irrigados por família.
Temos mais de 4 milhões de famílias
pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar
fome. Isso é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A
única forma de tirá-las da pobreza é viabilizar trabalho na agricultura e
adjacências, que um amplo programa de reforma agrária poderia resolver.
Pois nem as cidades, nem o agronegócio darão emprego de qualidadea
essas pessoas.
Temos milhões de trabalhadores rurais,
assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde trabalho
semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda
passar, que exige intervenção do governo para criar condições adequadas
de trabalho, renda e vida. Garantindo inclusive a liberdade de
organização sindical.
Há na sociedade brasileira uma estrutura
de propriedade da terra, de produção e de renda no meio rural
hegemonizada pelo modelo do agronegócio que está criando problemas
estruturais gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores
terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho; pasto, e
cana-de-açúcar. Apenas 10% dos proprietários rurais, os fazendeiros que
possuem áreas acima de 500 hectares, controlam 85% de todo o valor da
produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a
exportação. O agronegócio reprimarizou a economia brasileira. Somos
produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50
empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o
mercado mundial. Se os fazendeiros tivessem consciência de classe, se
dariam conta de que também são marionetes das empresas transnacionais.
A matriz produtiva imposta pelo modelo
do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega cada vez mais
pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela é
economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os
anos, de 23 milhões de toneladas de fertilizantes químicos que vêm da
China, Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital
financeiro que precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que
possa plantar. E subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as
sementes, os insumos agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior
parte do lucro da produção agrícola. Essa dependência gera distorções
de todo tipo: em 2012 faltou milho no Nordeste e aos avicultores, mas a
Cargill, que controla o mercado, exportou 2 milhões de toneladas de
milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo deve ter lido nos
jornais, como eu… Por outro lado, importamos feijão-preto da China, para
manter nossos hábitos alimentares.
Esse modelo é insustentável para o meio
ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade
existente na natureza, usando agrotóxicos de forma irresponsável. E isso
desequilibra o ecossistema, envenena o solo, as águas, a chuva e os
alimentos. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da produção
agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo. O
Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelou que a cada ano surgem 400
mil novos casos de câncer, a maior parte originária de alimentos
contaminados pelos agrotóxicos. E 40% deles irão a óbito. Esse é o
pedágio que o agronegócio das multinacionais está cobrando de todos os
brasileiros! E atenção: o câncer pode atingir a qualquer pessoa,
independentemente de seu cargo e conta bancária.
Uma política de reforma agrária não é
apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser
feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados.
Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do
capitalismo, reforma agrária é a construção de um novo modelo de
produção na agricultura brasileira. Que comece pela necessária
democratização da propriedade da terra e que reorganize a produção
agrícola com outros parâmetros. Em agosto de 2012, reunimos os 33
movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag, que é a mais
antiga,MST, Via campesina, até o movimento dos pescadores,
quilombolas,etc., e construímos uma plataforma unitária de propostas de
mudanças. É preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir,
em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a
população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas
públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em
cada bioma, produzindo com técnicas de agroecologia. E o governo precisa
garantir a compra dessa produção por meio da Conab.
A Conab precisa ser transformada na
grande empresa pública de abastecimento, que garante o mercado aos
pequenos agricultores e entregue no mercado interno a preços
controlados. Hoje já temos programas embrionários como o PAA (programa
de compra antecipada) e a obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser
comprada de agricultores locais. Mas isso está ao alcance agora de
apenas 300 mil pequenos agricultores e está longe dos 4 milhões
existentes.
O governo precisa colocar muito mais
recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não apenas servir às
multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10% dos
recursos de pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar
um grande programa de investimento em tecnologias alternativas, de
mecanização agrícola para pequenas unidades e de pequenas agroindústrias
no Ministério de Ciência e Tecnologia.
Criar um grande programa de implantação
de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que
os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do
Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando
mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as
grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda,
deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias
para todos os municípios brasileiros.
Já apresentamos também ao governo
propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e
um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas
e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob o controle das
mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os
problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do
meio ambiente.
Infelizmente, não há motivação no
governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos
pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a
ver com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de
técnicos bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida
real, que apenas analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato…
Ultimamente, inventaram até que seria muito caro assentar famílias, que é
necessário primeiro resolver os problemas dos que já têm terra, e os
sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o trabalho
doméstico, migrar para São Paulo?
Presidenta Dilma, como a senhora lê a
CartaCapital, espero que leia este artigo, porque dificilmente algum
puxa-saco que a cerca o colocaria no clipping do dia.
* Economista. Integrante da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Via Campesina Brasil
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