Sozinhos na multidão: A solidão na era das redes sociais
Marcelo Bernstein
Correio do Brasil - 25/01/2013
Solidão. Essa parece ser uma palavra recorrente e uma constante no comportamento das pessoas no século XXI, o século onde o ser humano nunca esteve, teoricamente, mais conectado aos seus semelhantes em toda a sua história, através do mundo digital da Web e das redes sociais.
Por mais estranho que possa parecer, ao mesmo tempo que a Internet abriu um mundo novo e revolucionou praticamente todas as formas conhecidas de relacionamento entre pessoas, comunidades e países, as pessoas nunca estiveram mais solitárias e nunca se registrou tantas ocorrências de doenças psíquicas como os diversos transtornos de ansiedade, comportamentos compulsivos originados de quadros de carência afetiva aguda e fratura narcísica, além do impressionante aumento de queixas de depressão, nos mais diversos níveis e sintomatologias.
Todos estão conectados, linkados e interligados aos outros através das redes sociais como Facebook, Google+ e outras muitas plataformas existentes com a mesma finalidade (teoricamente): aproximar pessoas. Entretanto, nunca estivemos tão distantes da conexão real, entre as pessoas, seja afetiva ou socialmente. As pessoas hoje preferem passar mais tempo conectadas através do computador, tablet, celular ou qualquer outro dispositivo, móvel ou não, do que se encontrarem fisicamente para poderem interagir no mundo real.
Pode-se ter uma medida disso ao se observar comportamentos de famílias em restaurantes, grupos de adolescentes no shopping, amigos/amigas/colegas de trabalho almoçando juntos. Chega a ser impressionante o tempo dedicado por todos aos seus dispositivos eletrônicos para envio de mensagens ou e-mails, acompanhar as atualizações feitas pelos seus respectivos “amigos” e conhecidos nas diversas redes sociais, ao invés de dedicar o mesmo tempo para tentar desenvolver algum tipo de interação ou de conexão afetiva real.
No caso das famílias e dos grupos de adolescentes esse fenômeno chega a ser mais impressionante (ou diria, talvez, mais preocupante). Os núcleos familiares pós-modernos, por exemplo, dão nitidamente a impressão de que os pais e mães não tinham a exata noção da responsabilidade e do trabalho que é criar filhos, já que se cercam de verdadeiras entourages de babás e outros auxiliares, que se encarregam de cuidar destes herdeiros da sociedade do século XXI, sem que os pais precisem tomar conhecimento da presença dos pimpolhos, em muitos dos casos.
Na verdade, além do exército de auxiliares domésticos, o arsenal destes pais pós-modernos é completado por um leque de dispositivos eletrônicos que servem como “babás” eletrônicas, smartphones e tablets, tudo isso com uma única finalidade: manter entretidos e quietos (o máximo possível) estes novos integrantes da sociedade da informação do século XXI, onde a realidade é substituída pelo espetáculo e a relação pessoal pela interação homem-máquina.
A cena resultante chega a ser cômica, se não fosse preocupante. As crianças, ao invés de se relacionarem e brincarem umas com as outras, passam a interagir umas com as outras através de seus tablets e smartphones (dados por pais que não param para avaliar se os filhos já têm idade para serem expostos ao mundo digital desta forma), mandando mensagens (ao invés de conversarem ao vivo e a cores) entre si, jogando online (ao invés de brincarem umas com as outras). Com o adolescentes, a cena não é muito diferente, onde numa mesma mesa pode-se ver a interação sendo feita através dos mesmos smartphones e tablets, com o envio de mensagens de um para o outro (ao invés de tentar simplesmente conversar), ou através das atualizações de suas respectivas atividades no “Face” (diminutivo de Facebook, porque dá muito trabalho falar Facebook, segundo estes adolescentes cuja marca registrada é um imenso e constante cansaço).
A este panorama, de pessoas altamente conectadas com tudo e todos à sua volta e, por si só, bastante para desencadear a ansiedade e o aparecimento de neuroses diversas nesta sociedade global do século 21, adicione-se o surgimento de uma sociedade onde nunca se viu um contingente tão grande de solitários e de laços afetivos tão fluidos e instáveis, a era do chamado “amor líquido”. Uma era onde é mais fácil deletar, do que tentar resolver obstáculos e conflitos dentro dos relacionamentos, onde todos estão ligados a todo mundo, mas poucos conseguem estabelecer relações estáveis e saudáveis, seja do ponto-de-vista afetivo ou sexual.
Estas constatações, consolidadas pelas minhas observações do quotidiano das pessoas no Rio de Janeiro, são reforçadas por uma pesquisa feita por duas universidades alemãs e publicada recentemente pela Reuters, que mostra o Facebook como capaz de provocar infelicidade e solidão. Segundo os pesquisadores da Universidade Humboldt de Berlim, uma em cada três pessoas tiveram experiências negativas com a rede social e sentem-se solitários, frustrados ou com raiva.
Isso me leva a refletir que, neste novo mundo de relações digitais e fluidas está se criando uma nova geração, onde os relacionamentos virtuais, diferente dos relacionamentos reais; pesados, lentos e confusos, são muito mais fáceis de entrar e sair; eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Quando o interesse acaba, ou a situação chega a determinado ponto que exige pelo menos elaboração, sempre se pode apertar a tecla “delete”. Não sem consequências psíquicas ou com tanta leveza quanto se aparenta, já que a modernidade não chega com esta velocidade ao psiquismo.
O que vemos é cada vez mais casos de pacientes com discursos fragmentados, ocorrências de dissociação de personalidade (um resultado nítido das alter personalidades tão usuais no mundo digital), quadros de carência afetiva aguda e comportamentos compulsivos diversos (muito provavelmente originados no abandono gerado pelos pais pós-modernos), além de transtornos de ansiedade e depressão, nos mais diversos níveis. Um mundo onde as pessoas não só estão mais sozinhas, como estão sozinhas, deprimidas, ansiosas (todas buscando aceitação, acolhimento, conexões afetivas e amor), compulsivas e, paradoxalmente, conectadas com o mundo. Ou seja, ao contrário do ditado, não basta estar sozinho, mas sozinho apesar de acompanhado.
Marcelo Bernstein é jornalista e também atua como psicanalista e terapeuta sexual. Ele pode ser contatado através do e-mail marcelobernstein@hotmail.com e dos telefones (21) 2290-9324/2260-7976 ou (21)7228-4649
Marcelo Bernstein
Correio do Brasil - 25/01/2013
Solidão. Essa parece ser uma palavra recorrente e uma constante no comportamento das pessoas no século XXI, o século onde o ser humano nunca esteve, teoricamente, mais conectado aos seus semelhantes em toda a sua história, através do mundo digital da Web e das redes sociais.
Por mais estranho que possa parecer, ao mesmo tempo que a Internet abriu um mundo novo e revolucionou praticamente todas as formas conhecidas de relacionamento entre pessoas, comunidades e países, as pessoas nunca estiveram mais solitárias e nunca se registrou tantas ocorrências de doenças psíquicas como os diversos transtornos de ansiedade, comportamentos compulsivos originados de quadros de carência afetiva aguda e fratura narcísica, além do impressionante aumento de queixas de depressão, nos mais diversos níveis e sintomatologias.
Todos estão conectados, linkados e interligados aos outros através das redes sociais como Facebook, Google+ e outras muitas plataformas existentes com a mesma finalidade (teoricamente): aproximar pessoas. Entretanto, nunca estivemos tão distantes da conexão real, entre as pessoas, seja afetiva ou socialmente. As pessoas hoje preferem passar mais tempo conectadas através do computador, tablet, celular ou qualquer outro dispositivo, móvel ou não, do que se encontrarem fisicamente para poderem interagir no mundo real.
Pode-se ter uma medida disso ao se observar comportamentos de famílias em restaurantes, grupos de adolescentes no shopping, amigos/amigas/colegas de trabalho almoçando juntos. Chega a ser impressionante o tempo dedicado por todos aos seus dispositivos eletrônicos para envio de mensagens ou e-mails, acompanhar as atualizações feitas pelos seus respectivos “amigos” e conhecidos nas diversas redes sociais, ao invés de dedicar o mesmo tempo para tentar desenvolver algum tipo de interação ou de conexão afetiva real.
No caso das famílias e dos grupos de adolescentes esse fenômeno chega a ser mais impressionante (ou diria, talvez, mais preocupante). Os núcleos familiares pós-modernos, por exemplo, dão nitidamente a impressão de que os pais e mães não tinham a exata noção da responsabilidade e do trabalho que é criar filhos, já que se cercam de verdadeiras entourages de babás e outros auxiliares, que se encarregam de cuidar destes herdeiros da sociedade do século XXI, sem que os pais precisem tomar conhecimento da presença dos pimpolhos, em muitos dos casos.
Na verdade, além do exército de auxiliares domésticos, o arsenal destes pais pós-modernos é completado por um leque de dispositivos eletrônicos que servem como “babás” eletrônicas, smartphones e tablets, tudo isso com uma única finalidade: manter entretidos e quietos (o máximo possível) estes novos integrantes da sociedade da informação do século XXI, onde a realidade é substituída pelo espetáculo e a relação pessoal pela interação homem-máquina.
A cena resultante chega a ser cômica, se não fosse preocupante. As crianças, ao invés de se relacionarem e brincarem umas com as outras, passam a interagir umas com as outras através de seus tablets e smartphones (dados por pais que não param para avaliar se os filhos já têm idade para serem expostos ao mundo digital desta forma), mandando mensagens (ao invés de conversarem ao vivo e a cores) entre si, jogando online (ao invés de brincarem umas com as outras). Com o adolescentes, a cena não é muito diferente, onde numa mesma mesa pode-se ver a interação sendo feita através dos mesmos smartphones e tablets, com o envio de mensagens de um para o outro (ao invés de tentar simplesmente conversar), ou através das atualizações de suas respectivas atividades no “Face” (diminutivo de Facebook, porque dá muito trabalho falar Facebook, segundo estes adolescentes cuja marca registrada é um imenso e constante cansaço).
A este panorama, de pessoas altamente conectadas com tudo e todos à sua volta e, por si só, bastante para desencadear a ansiedade e o aparecimento de neuroses diversas nesta sociedade global do século 21, adicione-se o surgimento de uma sociedade onde nunca se viu um contingente tão grande de solitários e de laços afetivos tão fluidos e instáveis, a era do chamado “amor líquido”. Uma era onde é mais fácil deletar, do que tentar resolver obstáculos e conflitos dentro dos relacionamentos, onde todos estão ligados a todo mundo, mas poucos conseguem estabelecer relações estáveis e saudáveis, seja do ponto-de-vista afetivo ou sexual.
Estas constatações, consolidadas pelas minhas observações do quotidiano das pessoas no Rio de Janeiro, são reforçadas por uma pesquisa feita por duas universidades alemãs e publicada recentemente pela Reuters, que mostra o Facebook como capaz de provocar infelicidade e solidão. Segundo os pesquisadores da Universidade Humboldt de Berlim, uma em cada três pessoas tiveram experiências negativas com a rede social e sentem-se solitários, frustrados ou com raiva.
Isso me leva a refletir que, neste novo mundo de relações digitais e fluidas está se criando uma nova geração, onde os relacionamentos virtuais, diferente dos relacionamentos reais; pesados, lentos e confusos, são muito mais fáceis de entrar e sair; eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Quando o interesse acaba, ou a situação chega a determinado ponto que exige pelo menos elaboração, sempre se pode apertar a tecla “delete”. Não sem consequências psíquicas ou com tanta leveza quanto se aparenta, já que a modernidade não chega com esta velocidade ao psiquismo.
O que vemos é cada vez mais casos de pacientes com discursos fragmentados, ocorrências de dissociação de personalidade (um resultado nítido das alter personalidades tão usuais no mundo digital), quadros de carência afetiva aguda e comportamentos compulsivos diversos (muito provavelmente originados no abandono gerado pelos pais pós-modernos), além de transtornos de ansiedade e depressão, nos mais diversos níveis. Um mundo onde as pessoas não só estão mais sozinhas, como estão sozinhas, deprimidas, ansiosas (todas buscando aceitação, acolhimento, conexões afetivas e amor), compulsivas e, paradoxalmente, conectadas com o mundo. Ou seja, ao contrário do ditado, não basta estar sozinho, mas sozinho apesar de acompanhado.
Marcelo Bernstein é jornalista e também atua como psicanalista e terapeuta sexual. Ele pode ser contatado através do e-mail marcelobernstein@hotmail.com e dos telefones (21) 2290-9324/2260-7976 ou (21)7228-4649
Nenhum comentário:
Postar um comentário