sábado, 26 de janeiro de 2013

A demonização de Chávez


O viés conservador dos meios de comunicação é muito evidente na Espanha, inclusive daqueles considerados de centro ou centro-esquerda . O liberal El Pais, que jamais publica qualquer artigo favorável ao venezuelano, é espaço aberto para críticos como Moisés Naím, um dos arquitetos das políticas de austeridade no governo de Carlos Andrés Pérez, e o hiperbólico Mario Vargas Llosa. O artigo é do catalão Vicenç Navarro
Data: 26/01/2013
Um dos indicadores da baixa qualidade da democracia espanhola é a limitadíssima diversidade ideológica nos meios de comunicação de maior difusão da Espanha. O viés conservador desses meios - inclusive daqueles considerados de centro ou centro-esquerda - é muito evidente na Espanha. Não é necessário dizer que tal viés é também característico em grande parte dos países chamados democráticos. Mas o caso da Espanha é extremo. Um exemplo disso é a cobertura da política venezuelana pelos cinco jornais de maior circulação do país.

Nos EUA, por exemplo, onde o domínio dos meios de comunicação também é acentuado, a cobertura da presidência Chávez é desequilibrada, dando importância às vozes críticas a tal governo. Mas vozes menos críticas, e inclusive favoráveis ao governo, aparecem nos mesmos meios. Segundo Mark Weisbrot (e seu artigo no The Guardian) nos EUA, o Los Angeles Times, o Boston Globe, o Miami Herald e inclusive o conservador Washington Post têm publicado artigos favoráveis ao governo Chávez, embora a maioria sejam críticos. E no último final de semana, o The New York Times, em sua seção Summary of the Week, publicou a visão conservadora neoliberal, representada por Moises Naím, junto à do próprio Mark Weisbrot, Diretor do Center for Economic and Policy Research, de Washington, que contestou os dados apresentados por Naím, expondo uma realidade menos catastrófica do que a descrita por tal autor.

Muito bem, convido-os a contar quantos artigos críticos à presidência Chávez foram publicados nos grandes meios espanhóis e quantos favoráveis. E poderão ver que não foi publicado nenhum favorável. Inclusive El País, o jornal considerado liberal (e que por simples coerência ideológica deveria estar aberto a posturas divergentes, até a críticas de seus editoriais) publica críticas virulentas ao governo Chávez do Sr. Moises Naím (entre outros artigos como os do hiperbólico Mario Vargas Llosa), sem nunca, repito, nunca publicar um artigo favorável a tal governo.

E esse é um dos pontos mais vulneráveis e defeituosos da chamada democracia espanhola: o monopólio midiático dos interesses conservadores no sistema informativo espanhol. E este monopólio supõe um custo elevadíssimo para a democracia espanhola. Não só impede que a população esteja bem informada, oferecendo um amplo leque de posturas em seus meios, mas também reduz a qualidade do debate político, já que as vozes conservadoras-neoliberais, conhecedoras da ausência de crítica de suas posturas, e donas portanto, de uma imunidade intelectual, dizem e sustentam argumentos baseados em dados fácil de demonstrar errados.

Vejamos, por exemplo, a crítica de Moisés Naím, um dos arquitetos das políticas de austeridade no governo de Carlos Andrés Pérez durante o período 1989-1990, ministro da Indústria quando em 1989 aconteceu o Caracazo, onde o governo atirou contra civis que protestavam contra as políticas de austeridade, assassinando mais de três mil venezuelanos. Tal autor, que em sua coluna em El País se apresenta paradoxalmente como o grande defensor dos Direitos Humanos, tem sido uma voz super crítica do governo Chávez, promovendo políticas do Departamento de Estado dos EUA, o que explica a sua grande visibilidade midiática nos meios internacionais, sujeitos à hegemonia do governo federal dos Estados Unidos.

Nos últimos artigos, Moisés Naím promove a visão, também transmitida pelo governo federal dos Estados Unidos, de que o governo Chávez levou a Venezuela ao desastre, criando um déficit público que, segundo ele, representa 20% do PIB; estabelecendo um setor público hipertrofiado que afoga a economia venezuelana; gerou uma dívida pública dez vezes superior à de 2003; criou um sistema bancário que está à beira do colapso; e uma indústria petrolífera nacionalizada (a maior fonte de renda do Estado) que está em claro descenso, e uma longa lista de "calamidades". Como na Espanha não existe a possibilidade de que os meios de maior circulação publiquem análises críticas de tais afirmações, a população é pessimamente informada e acredita que a Venezuela está em uma situação de crise e colapso.

Se na Espanha tivessem sido publicadas as respostas de Mark Weisbrot, por exemplo, publicadas no New York Times e no The Guardian, poderiam ter percebido o grau de exagero, hipertrofia e falsidades dos dados apresentados por Moisés Naím, entre outros. Mark Weisbrot é um dos economistas mais críveis em temas econômicos internacionais dos EUA. Vejamos os dados. O déficit público da Venezuela representa, segundo o Fundo Monetário Internacional, não 20% do PIB, mas sim 7,4%. Quanto à suposta hipertrofia da dívida pública da Venezuela, esta representa 51,3% do PIB, uma porcentagem menor do que a média da dívida pública da União Europeia (82,5% do PIB) e menor que o objetivo da UE (60% do PIB). Quanto ao colapso da indústria petroleira, a cota de produção de petróleo é a acordada pelos países produtores de petróleo, OPEP. E a diminuição das exportações de petróleo aos EUA responde a uma decisão política do governo Chávez, que tenta diversificar as suas exportações e não concentrá-las em um número reduzido de países. Tal redução das exportações aos EUA não tem nada a ver com um colapso, inexistente, da indústria petroleira venezuelana. Semelhante manipulação e falsidade também aparece quando Moisés Naím fala da hipertrofia do setor público. Na realidade, e como é exposto por Mark Weisbrot (do qual extraio esta informação), a porcentagem de emprego público na Venezuela é de aproximadamente 18,4% da população empregada, inferior à existente na França, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Noruega.

Mark Weisbrot aponta também alguns pontos fracos da economia venezuelana, como a elevada inflação, um problema generalizado na América Latina. Mas, inclusive nesta situação problemática, o governo Chávez conseguiu diminuir tal inflação de 28,2% a 18%, redução conseguida apesar do grande aumento do gasto público e, especialmente, do gasto público social. Durante os últimos dez anos, o governo aumentou tal gasto a 60%, expandindo consideravelmente o insuficiente Estado do Bem-Estar venezuelano, causa de sua grande popularidade entre as classes populares. Como documentaram os investigadores sociais de grande credibilidade internacional, os professores Carles Muntaner (da Universidade de Toronto), Joan Benach e María Páez Victor (da Universidade Pompeu Fabra), a pobreza passou de 71% da população em 1996 a 21% em 2010, especialmente acentuada a redução da pobreza extrema, que passou de 40% em 1996 a 7,3% em 2010 (ver o artigo "As conquistas de Hugo Chávez e a Revolução Bolivariana", de Carles Muntaner, Joan Benach e María Páez Victor).

Portanto, é lógico e previsível que Hugo Chávez e o partido liderado por ele, em umas eleições democráticas (nas quais a grande maioria dos meios de comunicação de maior difusão venezuelanos, controlados por grupos midiáticos conservadores e neoliberais, estavam contra) tenha vencido em 13 das 14 eleições nacionais. Todos estes dados não aparecem nos meios de maior circulação da Espanha, onde maliciosamente aquele governo foi demonizado. As causas desta demonização são fáceis de entender. Em primeiro lugar, a Venezuela é hoje o país com as maiores reservas petrolíferas do mundo. Os governos estadunidense e europeus que apoiam regimes feudais no Oriente Médio para garantir o abastecimento de tal produto, agora se opõem a morte a um governo que quer atender as necessidades de suas classes populares, e que não aceita ser, como esses regimes feudais, simples servidor daqueles interesses estadunidenses e europeus.

A segunda causa é que a América Latina foi governada durante longos períodos por governos neoliberais, como aquele ao qual Moisés Naím serviu, que expandiram a pobreza de suas populações significativamente. Isso criou uma resposta de protesto que levou ao estabelecimento, através de meios democráticos, de governos reformistas de esquerda, não só na Venezuela, mas também no Equador, Bolívia, Argentina e Uruguai, entre outros (que aparecem como os capetas), e que eleição após eleição continuam sendo reeleitos. Por isso a grande adversidade, porque parte de sua vocação reformadora se baseia em romper os monopólios midiáticos que controlam a informação naquele continente. Mas disto o leitor espanhol não ficará sabendo. E isto é conhecido como democracia.


*Vicenç Navarro (Barcelona, 1937) é cientista social. Foi professor catedrático da Universidade de Barcelona e hoje dá aulas nas universidades Pompeu Fabra e Johns Hopkins. Por sua luta contra o franquismo, viveu anos exilado na Suécia.
Traducción al portugués: Equipo de redacción en portugués de teleSUR

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