Por Demarchi
Do Uol
Leonardo Sakamoto
Uma notícia deliciosa está correndo a internet há alguns dias. Um programador norte-americano terceirizou para uma empresa chinesa o próprio trabalho, pagando um quinto do seu salário, enquanto passava o dia navegando no YouTube, Facebook, eBay, entre outros. Conforme noticiou o jornal The Telegraph, com isso, ganhava centenas de milhares de dólares anuais, seu trabalho era considerado excelente e a performance tida como a melhor de todo o escritório.
O causo é delicioso não pela lamentável relação de exploração trabalhador-trabalhador que se estabeleceu. Muito menos pelo orgasmo dos conservadores ao ler essa história, bradando que essa é a prova que o custo da força de trabalho nos Estados Unidos, Europa e mesmo no Brasil está mandando os empregos para longe e que, por isso, o modelo a ser copiado é o da China, Vietnã, Índia, entre outros. Como se a única coisa que importasse fosse o crescimento do bolo e não a sua distribuição ou a qualidade de vida dos envolvidos (onde mesmo que eu li isso?… Ah, claro, no material de divulgação da Gloriosa durante os anos de chumbo).
Não é justo perdermos empregos por aqui, muito menos explorar trabalhadores por lá para garantir que nossos bens de consumo favoritos sejam mais baratos. Eu, como consumidor, aceito pagar R$ 20 a mais no preço de um celular, se a Apple topar reduzir, por exemplo, o dobro desse valor em margem de lucro por aparelho, e esses R$ 60 forem destinados a melhorar os salários e condições dos trabalhadores. Isso já foi possível com trabalhadores do tomate que melhoraram suas condições de vida quando alguns centavos foram acrescentados ao preço do ketchup nos Estados Unidos.
Enfim, a delícia da história está no fato das empresas terem banalizado tanto a terceirização da produção para locais com baixo custo de mão de obra no intuito de fugir das responsabilidades trabalhistas que me pergunto que culpa tem o programador? Ele aprendeu direitinho o que deve ter visto a vida inteira.
Pois, quando uma grande empresa faz isso é uma excepcional política para uma cadeia de produção global visando à redução de custos e quando uma pessoa faz é um inaceitável comportamento antiético?
Essa “regra do jogo”, que varia conforme quem é o jogador, me faz lembrar um restaurante self-service. Os grandes passam com a bandeja primeiro e escolhem o que querem e o que não querem para o almoço. Os menores são obrigados a comer o que sobrou. Calados. Isso sem contar que quem cuida do restaurante, ou seja, o Estado, garante que essa ordem continue existindo. Afinal de contas, pessoas jurídicas valem mais que as físicas.
O espertinho norte-americano, que não trabalha mais para a empresa, estava simplesmente colocando em prática o que o bizarro sistema produtivo de seu país lhe ensinou desde pequeno: lucre o máximo possível, colocando alguém para trabalhar por você.
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