quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Diplomacia brasileira sob Dilma e Patriota muda de estilo, mas mantém essência



Relação com países em desenvolvimento e busca por maior protagonismo
internacional seguem sendo a tônica


Por Igor Ojeda, colaborador de Opera Mundi


Não demorou três meses para que o governo Dilma Rousseff tomasse uma
medida contrastante com a política externa anterior. Em 24 de março de
2011, o Brasil deu voto favorável no Conselho de Direitos Humanos da ONU
(Organização das Nações Unidas) ao envio de um relator especial do tema ao
Irã, postura que contrariava o histórico do país em votações relacionadas
à nação persa. Antes, embora reconhecesse a existência de problemas, o
Itamaraty seguia o princípio da não seletividade das condenações por
violações de direitos humanos.

Opera Mundi faz especial sobre diplomacia de Dilma

O episódio fez acender o sinal de alerta em setores progressistas, que
quase unanimemente celebravam a diplomacia desenvolvida durante as gestões
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-chanceler Celso Amorim
– este, inclusive, chegou a criticar o voto do Brasil em artigo na revista
Carta Capital. Estaria a política externa brasileira se reaproximando dos
interesses das potências ocidentais?

Bastaram algumas posições posteriores de Dilma em relação aos direitos
humanos para que o temor se dissipasse. A presidente brasileira não perdeu
oportunidades de criticar o uso político do tema por parte das potências
para atingir determinados países. Mencionou, por exemplo, a existência da
prisão de Guantánamo e rejeitou a pressão norte-americana sobre Cuba em
relação a possíveis violações. "O mundo precisa se comprometer em geral, e
não é possível fazer da política de direitos humanos só uma arma de
combate político-ideológico", disse, em visita à ilha caribenha em
fevereiro do ano passado.

Na opinião de analistas ouvidos por Opera Mundi, os dois anos de política
externa de Dilma e Antonio Patriota serviram para mostrar que as linhas
mestras da diplomacia de Lula e Amorim estão sendo seguidas fielmente. A
ênfase nas relações com países em desenvolvimento e a busca por autonomia
em relação aos países centrais e por maior protagonismo, entre outras
características, continuam fortemente presentes. A mudança, sutil, está no
estilo dos respectivos presidentes e chanceleres. "São características
pessoais dos presidentes E as formas de ação, tanto no plano interno
quanto no externo, não diferem essencialmente, apenas refletem essas
características", diz o cientista político Tullo Vigevani, professor da
Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Para o jornalista uruguaio Raúl Zibechi, editor do semanário Brecha e
autor do livro Brasil Potencia. Entre la integración regional y un nuevo
imperialismo, a política externa de Dilma é mais cautelosa e cuidadosa,
dando a impressão, por vezes, de estar em uma posição de imobilidade. "Com
Dilma, o Brasil tem menos presença global e se coloca em uma posição mais
defensiva diante do Norte e concretamente diante dos Estados Unidos. Ainda
é cedo para saber se se trata de uma posição política diferente ou é
apenas prudência", afirma.

Já Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vê traços de continuidade em
termos de princípios e valores, como o foco nas relações Sul-Sul, mas
diferenças "no sentido tático-estratégico de realização dessa agenda, que
vem sendo perseguida com menor intensidade e com baixo perfil".

Golpe no Paraguai

Um baixo perfil que não significa necessariamente falta de firmeza, como
ficou claro no talvez maior desafio da diplomacia de Dilma/Patriota até
agora: a destituição sumária do presidente do Paraguai Fernando Lugo pelo
Congresso daquele país, em junho. O Brasil não só articulou a suspensão da
nação vizinha da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e do Mercosul,
como também trabalhou para a aprovação do ingresso da Venezuela neste
último bloco – possibilidade que vinha sendo travada pelo parlamento
paraguaio.

"Especula-se que a posição brasileira, de condenação enfática dos
golpistas, tenha sido ditada muito mais pelo Planalto, isto é, por Dilma e
Garcia [Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial da Presidência da
República para Assuntos Internacionais], do que pelo Itamaraty e seu
titular, que tenderiam a uma resposta mais branda e protocolar. É provável
que isso tenha ocorrido de fato. Mas aí ficamos no terreno das
especulações", analisa Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na
Universidade Federal do ABC.

Ele concorda que não houve mudanças significativas de conteúdo na
diplomacia do atual governo, embora seja evidente a intenção de evitar
novos focos de polêmica. Essa postura de perfil mais baixo, para Fuser,
está determinada pelo contexto internacional. "Enquanto a diplomacia de
Lula e Amorim tratou de capitalizar o sucesso brasileiro no crescimento
econômico e na melhoria dos indicadores sociais para impulsionar uma
conduta externa `ativa e altiva', como se dizia, a dupla Dilma e Patriota
está focada em minimizar os danos que a crise global possa trazer à
economia brasileira".

Nem por isso, porém, a política externa de Dilma deixou de imprimir suas
marcas. O embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty,
ressalta que a herança – sobretudo do governo anterior – de projeção da
diplomacia brasileira no mundo possibilitou à atual gestão aprofundá-la e
criar nichos específicos. Ele cita a atuação destacada do Brasil em órgãos
multilaterais, como o Conselho de Segurança e o Conselho de Direitos
Humanos, ambos da ONU, na questão da soberania alimentar e nas discussões
sobre mudanças climáticas. Uma atuação, segundo ele, sempre calcada na
experiência brasileira de inclusão social e de diálogo para a paz.

"Nosso propósito continua sendo o de seguir o histórico da política
externa do Brasil, da diplomacia pelo diálogo, mas agora com voz mais
ativa. Temos sido procurados cada vez mais por países que antigamente não
nos ouviam necessariamente, não tinham o impulso de nos consultar", lembra
Nunes. Ainda segundo ele, eventos como a Rio+20 ajudaram nesse sentido,
identificando o "Brasil como verdadeiro propulsor desse novo paradigma de
desenvolvimento."

Direitos humanos

Com relação aos direitos humanos, o porta-voz do Itamaraty esclarece que a
instrução do Planalto é continuar a seguir à risca os princípios da não
seletividade e da não utilização política do tema. Em 28 de novembro deste
ano, por exemplo, o Brasil se absteve de votar texto da ONU que condenava
as violações cometidas pelo Irã. Segundo o governo, o documento era
"desequilibrado" e não exortava ao diálogo com o país.

A diplomacia brasileira também havia se abstido em novembro de 2011, na
votação de uma resolução sobre Teerã na Terceira Comissão da
Assembleia-Geral das Nações Unidas – espécie de correção de rota após o
voto contrário à nação governada por Mahmoud Ahmadinejad em março daquele
ano.

Tullo Vigevani destaca, ainda, o posicionamento do Brasil em relação às
crises na Líbia, que levou ao fim do governo de Muamar Kadafi, e na Síria,
que passa por uma guerra civil. "A diplomacia brasileira tem reiterado
suas manifestações contra a intervenção de países estrangeiros com o
objetivo de desestabilizar qualquer governo, defendendo o direito da
população de cada Estado de definir o regime que considera o mais adequado
para si próprio", salienta.


A maior prova de fogo para a presidente Dilma Rousseff e o chanceler
Antonio Patriota nos dois anos do atual governo foi a destituição sumária,
pelo Congresso do Paraguai, do presidente Fernando Lugo, em 22 de junho
deste ano. Desafio ainda maior por ter ocorrido no âmbito de influência do
Brasil e pela expectativa de que o país assuma definitivamente um papel de
liderança no continente.

O governo brasileiro não demorou em qualificar a manobra como golpe de
Estado e liderar a suspensão do país vizinho da Unasul (União de Nações
Sul-Americanas) e do Mercosul, sob a justificativa da quebra da ordem
democrática. Mas não parou por aí. Como a entrada da Venezuela de Hugo
Chávez no bloco econômico dependia apenas da aprovação do parlamento
paraguaio – os legislativos dos outros países membros já tinham dado o
aval – o Brasil aproveitou a brecha criada pela punição ao Paraguai para
ratificar a adesão da nação bolivariana como membro-pleno.

Em comunicado logo após a reunião que oficializou a expansão do Mercosul,
realizada em 31 de julho, o Itamaraty afirmou: "a incorporação da
Venezuela altera o posicionamento estratégico do bloco, que passa a
estender-se do Caribe ao extremo sul do continente. O Mercosul se afirma,
também, como potência energética global tanto em recursos renováveis
quanto em não renováveis". O bloco passou a contar com 70% da população,
72% da área e 83,2% do PIB sul-americano.

"Foi um fato de muita importância, que fortalecerá o Mercosul de uma forma
extraordinária", avalia o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães,
ex-secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério das Relações
Exteriores (2003-2009). Para Raúl Zibechi, editor do semanário uruguaio
Brecha e autor do livro Brasil Potencia. Entre la integración regional y
un nuevo imperialismo, a resposta brasileira à destituição de Lugo foi
"contundente e potente".

Em dezembro deste ano, foi a vez da Bolívia. No dia 7, no final da
plenária da Cúpula de Chefes de Estado do bloco, em Brasília, o presidente
boliviano, Evo Morales, assinou o protocolo de adesão, surpreendendo até
os negociadores. "A permanência desse cenário global de crise torna ainda
mais evidente a importância da nossa integração, que é o que nos fará mais
fortes e aptos a enfrentar as turbulências do mercado internacional",
comemorou Dilma na ocasião.

O fortalecimento do Mercosul, comandado pelo Brasil, demonstrou que o foco
na integração regional continua sendo prioridade do atual governo. "A
Unasul e o Mercosul são os pilares mestres da liderança brasileira no
continente e os arranjos de integração pelos quais o Brasil tem maiores
interesses e nos quais procura atuar de forma mais decisiva", analisa
Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Ela faz a ressalva, no entanto, de que a
Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), criada em
2010 para fazer contraposição à OEA (Organização dos Estados Americanos),
vem recebendo menos atenção dos países da região e apresentando
"significativo recuo" em sua construção.

Zibechi, por outro lado, chama a atenção para a importância do Brasil como
impulsionador no último período do CDS (Conselho de Defesa Sul-Americano),
órgão da Unasul que pretende promover o intercâmbio militar entre as
nações do continente. Um dos passos mais ambiciosos nesse sentido foi dado
no final de novembro deste ano, em Lima, durante a IV Reunião do CDS. Lá
foi aprovado o Plano de Ação para 2013, que inclui uma série de
iniciativas conjuntas na área, como a instituição de um fórum que discuta
o estabelecimento de mecanismos e normas especiais para compras e
desenvolvimento de produtos e sistemas militares na região. Na declaração
final da reunião, os países sul-americanos reiteraram o compromisso de
ampliar a cooperação em defesa e fortalecer o continente como zona de paz.

O poder brasileiro

A ascensão do Brasil como potência regional, sobretudo nos últimos dez
anos, deve-se muito à sua expansão econômica, apontam especialistas. Mas
não só a isso. Cristina Pecequilo ressalta a busca do país pela afirmação
de uma presença internacional não só na América Latina, como também no
continente africano. Segundo ela, seria uma forma de elevar seu poder.
"Para isso, o Brasil tem como foco instrumentos de soft power, com perfil
cooperativo, que se somam a essa reafirmação de liderança", diz. Soft
power, ou poder brando, é o tipo de influência exercida por um Estado
especialmente por meios culturais ou ideológicos.

O embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Itamaraty, vai além.
"[Seus agentes] são os atletas, os times de futebol, as empresas, a
música, os filmes, e, inclusive, os brasileiros no exterior. Nossa
diáspora é vista como trabalhadora e que se integra, fala as línguas
locais. Isso faz parte de uma percepção do Brasil e do seu povo como uma
nação que agrega, que é positiva, que tem soluções criativas", diz.
Citando os projetos de cooperação do Brasil na África e no Caribe, Nunes
faz questão de frisar que há um desejo por parte do governo brasileiro de
"fazer diferente do que faziam os outros países". A gestão Dilma estaria
consolidando tal postura.

O conceito de soft power para definir o poder exercido pelo Brasil na
América Latina e na África, no entanto, é contestado por Igor Fuser,
professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. "É um
desses conceitos vagos, que servem para qualquer coisa e para nada ao
mesmo tempo. A figura de Lula, seu discurso contra a fome e as notícias
sobre as políticas sociais no Brasil, entre outros fatores, despertaram
enorme simpatia pelo nosso país, mas daí a falar em soft power vai uma
distância enorme."

"Imperialimo"

Outros estudiosos, contudo, definem a atuação brasileira especialmente na
África como "imperialista". É o caso de Ana Saggioro Garcia, doutora em
Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-RJ) e pesquisadora do Brics Policy Center (BPC). Segundo ela,
são evidentes os interesses econômicos e políticos do Brasil no continente
africano, onde o país compete com outras potências por mercados e recursos
naturais e pela construção de uma imagem de cooperador internacional. Na
opinião da pesquisadora, a política externa de Dilma estaria aprofundando
esse tipo de atuação.

"Eu enxergo o Brasil ocupando um lugar cada vez mais importante na
estrutura da acumulação capitalista global. Nosso país atua dentro do
capitalismo, por isso não tem como fugir do imperialismo. Imperialismo é
poder econômico conjugado com poder político, e está clara a tentativa do
Brasil de ser um poder regional, e, via essas relações Sul-Sul, ter mais
poder no âmbito global. Almeja aumentar seu prestígio internacional, ter
poder nas instâncias de concertação global. Não é uma amizade, uma dádiva,
uma coisa que vai sem volta [a cooperação com os africanos]", analisa.

De acordo com Ana, isso é sentido pelas populações locais principalmente
por causa da atuação agressiva das empresas brasileiras nos países do
continente. "É grosseiro mesmo, seja no âmbito mais institucional, de
corrupção, seja em relações concretas de direitos humanos e sociais, como
a atuação da [mineradora] Vale em Moçambique. Não avalio que o Brasil
tenha chegado ao ponto de substituir as potências globais, mas essa
postura imperialista é percebida pelas populações afetadas."

Para Raúl Zibechi, o imperialismo ou o sub-imperialismo não podem ser
decididos por um governo – são questões estruturais. Segundo ele, o Brasil
não pode ser mais definido como sub-imperialista, pois tem capacidade
própria de acumulação de capital e, pelo menos nos aspectos decisivos, não
é mais um país dependente. "Isso não quer dizer que automaticamente
deve-se colocá-lo como imperialista. Certamente há traços de imperialismo,
mas no fundamental estamos diante de um cenário aberto, no qual jogam
tanto o Brasil como os demais países da América do Sul, que é a região
chave para os interesses do Brasil. Por isso falo de Brasil Potência e não
de Brasil Império. Ainda há possibilidade de que as relações com seus
vizinhos sejam de outro caráter que não a de dominação ou imposição",
explica.

Samuel Pinheiro Guimarães, por sua vez, qualifica como um "equívoco total"
a definição do Brasil como um país imperialista nas suas relações com
nações menos desenvolvidas. De acordo com o diplomata, o Brasil não força
ninguém a adotar algum tipo de política – os países que o procuram, em
busca de apoio, principalmente, para a realização de obras de
infraestrutura para os quais não têm recursos. Em relação à atuação das
empresas brasileiras no exterior, Guimarães avalia que o governo não é
responsável. "O Brasil insiste que devem seguir as legislações locais. Ao
financiar uma atividade em outro país, o governo assume que a empresa as
está cumprindo. Além disso, cabe a cada país fazer valer suas leis",
acredita.

Fuser destaca que é preciso ter claro que o conceito de imperialismo vai
muito além da simples exportação de capital por meio de investimentos
empresariais. "Imperialismo é uma relação abrangente de dominação, que
envolve, além do plano econômico, a dominação política e a supremacia
militar, sem falar em fatores culturais e ideológicos". Esse não seria o
caso do Brasil, defende.

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