Flávio Aguiar no Carta Maior
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O Brasil levou um leve
empurrão para o lado. Até ontem, ou ante-ontem, o Brasil era o prato
feito para a The Economist e o Financial Times.
Agora
entrou a até ontem, ou ante-ontem menina dos olhos das duas vestais do
templo da economia ortodoxa: a vetusta (até ontem ou ante-ontem)
Alemanha.
O
motivo desta nova preferência é o programa da nova “Grande Coalizão”
entre a conservadoríssima CSU da Baviera, a conservadora CDU da
chanceler Angela Merkel e os apontados como ex-neoliberais do SPD. De
repente este trio passou a ser tratado pelas duas porta-vozes da
ortodoxia ortodoxa como uma gangue de esquerda, saudosos do centralismo
estatizante, nostálgicos até da finada RDA (DDR em alemão, GDR em
inglês), a antiga Alemanha Oriental.
Os motivos desta
guinada? Ora, o primeiro dentre eles é a rendição à blasfêmia herética
do “salário mínimo nacional”. O conceito já é em si uma blasfêmia. O
nível proposto, embora em aplicação somente a partir de 2015 e em pleno
valor a partir de 2017 (quando, segundo a deputada Sahra Wagenknecht, da
Linke, seu valor estará reduzido a 7,80), de 8,50 euros a hora, é
apontado como uma verdadeira apostasia. A Alemanha abandona assim o
bastião da “livre negociação” salarial e passa ao deslavado estatismo
intervencionista.
Pior
ainda: serão valorizadas as aposentadorias, os salários das categorias
menos favorecidas passarão a ser protegidos, haverá investimentos
sociais, etc. 9 milhões de aposentados serão favorecidos. Horror dos
horrores: em algumas situações os trabalhadores
passarão a se aposentar com 63 anos, ao invés de 67. O princípio
rigoroso do “trabalhe mais para ganhar menos” está sendo tripudiado e
arrastado em praça pública, manietado pelo Estado comedor de
financinhas, quer dizer, criancinhas.
Deve
haver arrancos de cabelo e ranger de dentes nas redações daqueles
periódicos. De repente Angela Merkel virou Dilma Rousseff e Wolfgang
Schäuble, Guido Mantega. Quando ao SPD, ele traiu seus ideias duramente
conquistados quando, no século passado, impôs as saudáveis reformas
neoliberais de inspiração tatcherista, voltando ao culto demagógico do
populismo sindical.
Como
resultado disto, a Alemanha certamente perderá competitividade no
mercado internacional. Favorecerá assim as indisciplinadas economias dos
países de cultura perdulária. Pior ainda: a Alemanha deixará de ser o
exemplo a ser seguido por estas economias que necessitam de purgantes
amargos e de uma dieta rigorosa para se por em dia coms os desejos editoriais daquelas pundonorosas publicações dos sacrossantos mandamentos da Escola Austríaca de economia, sem falar nos Chicago Boys.
A
consequência horrível disto é que estas indispensáveis reformas, o óleo
de rícino, o óleo de fígado de bacalhau, o nujol que devem ser
aplicadas para expulsar os vermes que roem as finanças públicas, o
superávit primário e o lucro de sua majestade, o rentismo intocável,
serão atrasadas, postergadas, talvez impedidas de fazer sua marcha
triunfal na cena mediterrânea e vizinhanças.
É de amargar. Mas isto não é tudo.
Também
na própria Alemanha erguem-se as vozes ultrajadas do bom senso
ortodoxo. A começar por esta bizarra entidade alemã, uma espécie de
Clube Fechado para Reis Magos (Wisemen em inglês), formado por sete
cavaleiros andantes do apocalipse financista, o Conselho Alemão de
Experts Econômicos, um órgão oficial de assessoria dos governos, começou
a jogar água no chope da futura Grande Coalizão. Christoph Schmidt, seu
presidente, veio a público dizer que não sabe se o governo terá fundos
para financiar esta orgia. O coro foi engrossado por Clemens Fuest,
diretor do Centro Europeu de Pesquisas Econômicas, alertando que o
salário mínimo certamente eleverá o desemprego.
A
mídia conservadora, como os jornais Die Welt e Frankfurter Allgemeine
Zeitung, lamentam o estatismo reinante, o desastre da “mensagem” enviada
para o resto da Europa, e o fato de que estas benesses de uma
“cornucópia generosa” serão pagas pelas novas gerações. É verdade que os
jornais descritos como pertencentes à esquerda do espectro ideológico –
Die Tageszeitung, Berliner Zeitung e Süddeutsche Zeitung vem elogiando
as propostas.
Mas as críticas não param aí. Como
se não bastasse a demagogia trabalhista, o SPD decidiu promover uma
orgia democrática: levar as propostas da Grande Coalizão a um plebiscito
entre seus cerca de 475 mil militantes! Isto é imperdoável! O espectro
de Dilma Rousseff ronda perigosamente o Reno, o Elba e o Spree, o rio
que atravessa Berlim. Tamanha é a ojeriza por esta prática herética, que
ela provocou um bate-boca televisivo entre Sigmar Gabriel, porta-voz do
SPD, e a apresentadora de TV da rede ZDF Marietta Slomka. Esta –
seguindo evidentemente a orientação editorial da rede, ficou insistindo
na tecla da inconstitucionalidade desta consulta, e no absurdo que é as
bases dizerem para a direção o que fazer e o que não fazer. Ao que
Gabriel, perdendo a paciência, respondeu chamando a observação de
“Quatsch” e “Blödsinn”, o que pode ser traduzido por “imbecilidade”,
“estupidez”, “idiotice”, “disparate”. É claro que no dia seguinte parte
da mídia deu destaque à “agressão” sofrida pela pobre apresentadora.
Duvida de tudo isto? É só consultar:
(http://news.de.msn.com/politik/%c2%abquatsch-bl%c3%b6dsinn%c2%bb-spd-chef-attackiert-zdf-moderatorin)
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