Da CartaCapital
Rafael Vieira foi preso porque carregava um frasco de desinfetante Pinho Sol e
outro de água sanitária no dia 20 de junho. Vieira foi detido ao sair
de uma loja abandonada no centro do Rio de Janeiro, que estava com suas
portas arrombadas antes da sua chegada. Ele foi visto com os dois
frascos que, segundo o depoimento dos policiais, eram “artefatos
semelhante ao coquetel molotov”. Por isso, segue no complexo presidiário
de Japeri, município na região metropolitana do Rio, quase cinco meses
após ser levado.
Os protestos tinham se multiplicado pelo país na semana da prisão de
Vieira. Depois de uma noite de dura repressão em São Paulo, na
quinta-feira anterior, as manifestações se massificaram e ganharam o
apoio até da grande imprensa, que antes pedia "ação contundente" contra
quem "atrapalhava o trânsito" nas cidades. Era uma “grande festa” pelo
país, onde, na percepção da imprensa, a polícia não cometia mais abusos e
mais de um milhão de pessoas foram às ruas em todo o país. No Rio,
quatro foram presos naquela noite por furto qualificado e soltos
posteriormente. Negro, morador de rua e catador de latinhas, Vieira não
teve a mesma sorte. Com 26 anos de idade, ele já havia sido preso duas
vezes por roubo, em 2006 e 2008, e cumpriu as penas completas.
Vieira disse, em seu depoimento, que vivia há um mês na loja
abandonada em frente à Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV).
Ele argumenta que retirou os dois frascos pois eles estavam no espaço
onde dormia. O laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil atestou que
Vieira carregava produtos de limpeza. “[As substâncias têm] ínfima
possibilidade de funcionar como coquetel molotov,” dizia o laudo feito
pouco mais de um mês após a detenção. Mesmo assim, o Ministério Público
seguiu entendimento de que se tratava de “material incendiário” e o
enquadrou no inciso III do artigo 16 do estatuto do desarmamento, que
proíbe carregar ou usar “artefato explosivo ou incendiário, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.”
A culpa dele surge “de maneira cristalina” segundo o Ministério
Público. “Não haveria motivo para o denunciado retirar do interior da
loja abandonada duas garrafas intactas de material incendiário,
levando-as para o meio da multidão que realizava protesto contra o
governo. Conhecendo-se a violência que campeou nos recentes protestos
realizados na cidade do Rio de Janeiro, é evidente que o réu pretendia
fazer uso nocivo dos frascos incendiários.”
Segundo a defesa, não havia panos na boca das garrafas (como de
costume nas bombas incendiárias), ao contrário do escrito no laudo, e os
recipientes de plástico jamais serviriam como molotov, já que não se
estilhaçam ao quebrar no chão (argumento que também consta no laudo). O
juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte acatou a sugestão do Ministério
Público, no dia 28 de setembro, e manteve a prisão cautelar. Com a sua
liberdade cerceada, Vieira segue sem previsão de julgamento.
Na defesa de Rafael, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro resumia a
situação: “andar com produtos de limpeza nunca foi e nunca será crime,
sob pena de inviabilizar a vida moderna. Se esta linha prosperar,
podemos dizer que portar canetas é crime de perigo, pois uma pode levar a
morte se inserida em determinada parte do corpo humano. Impossível.”
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