Havana - O governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) chegaram a acordo, no último dia 6 de novembro, sobre a participação política da guerrilha na vida institucional do país. Através de um comunicado o avalista dos Diálogos de Paz em Cuba, Rodolfo Benítez, destacou a importância do empoderamento mediante a participação na política.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o Executivo conseguiram pactuar um acordo sobre a participação política, segundo ponto na agenda dos Diálogos de Paz, que começaram no dia 18 de outubro passado, para pôr fim ao conflito armado nessa nação sul-americana.
Através de um comunicado conjunto emitido do Palácio de Convenções de La Habana, ambas as delegações asseguraram que, com o acordo firmado, está garantido que se deem as características necessárias para que surjam novas opções políticas. “Há consensos em temas de direitos e garantias de posição política para os novos movimentos que surjam (...) que tenham acesso aos meios de comunicação", afirma o documento.
O texto agregou também que “no acordo se espera garantir os mecanismos de participação cidadã nos diferentes níveis sociais com o objetivo de promover participação política regional e local de todos os setores em igualdade de condições".
“Este acordo amplia e reforça a democracia; promove o pluralismo, a cultura democrática e ajuda na abertura no marco do fim do conflito”, detalhou. As partes explicaram que “a linha de tempo (no qual se aplicará este acordo) se combinará no sexto ponto da agenda.
Este é o segundo acordo parcial alcançado entre as FARC-EP e o Governo colombiano depois de que, em maio, conseguiram aproximar posições sobre temas agrários, que incluem velhas demandas do grupo sobre acesso à terra a camponeses pobres e sobre um maior apoio social do Estado ao setor rural.
Criam sistema de segurança para garantir participação
O representante da Noruega na mesa de negociações entre as FARC-EP e o Executivo Dag Nylander frisou que, entre os acordos alcançados nessa quarta-feira, está a criação de um sistema de segurança para garantir a participação política.
“Concordou-se com a criação de um sistema integral de segurança para o exercício da política, que procura assegurar a proteção daqueles que participam, isso com a intenção de fortalecer e aprofundar a democracia em um clima de tolerância", indicou, ao afirmar que isso acontecerá quando as FARC se somarem à “atividade política legal”.
Destacou que a implementação do acordo final “contribuirá no fortalecimento da democracia” na Colômbia porque “implicará no abandono das armas e a proscrição da violência como método de ação política a fim de transitar para um cenário onde impere a democracia com garantias plenas para aqueles que participem na política”.
Neste sentido, afirmou que a fim de “promover pluralismo político” se acordou em La Habana adiantar “mudanças institucionais para facilitar a constituição de partidos políticos e o trânsito de organizações e movimentos sociais com vocação política”.
Ambas delegações estiveram de acordo na necessidade de garantir a transparência nos processos eleitorais em zonas de maior risco de fraude e “a promoção da participação eleitoral dos cidadãos, principalmente os que habitam regiões de difícil acesso”, detalhou.
O representante da Noruega afirmou que também acordaram a criação de “circunscrições transitórias de paz” nas zonas afetadas pelo conflito armado para “promover a integração e inclusão política” na Câmara de Representantes.
As delegações da agrupação e do Executivo colombiano iniciaram o processo de conversações no dia 18 de outubro de 2012, na cidade de Hurdal, nos arredores de Oslo (capital de Noruega) e depois foram transferidas à La Habana (capital de Cuba), onde se desenvolveram desde novembro com a Venezuela e o Chile como países acompanhantes.
Nesse encontro, os representantes de ambas partes estabeleceram uma agenda de cinco pontos para debater: o desenvolvimento agrário, participação política, fim do conflito e desmobilização, solução ao problema das drogas ilícitas e reparação às vítimas.
Depois de resolver o conflito agrário, na agenda de negociação ficam pendentes os temas das drogas ilícitas, o abandono das armas e as vítimas do conflito armado.
O conflito armado na nação sul-americana, deixou quase quatro milhões de desalojados e 600 mil mortos em aproximadamente 50 anos, em cujo processo também participaram grupos de insurgentes, paramilitares de direita e organizações relacionadas com o narcotráfico.
Nota oficial das FARC
A direção das FARC-EP divulgou um comunicado oficial sobre o novo acordo. Segue a íntegra do mesmo:
FARC-EP: Que se abram as portas da verdadeira democracia
La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz,
6 de novembro de 2013
"Yo no conozco más partido de salud, que lo de devolver al pueblo, la soberanía primitiva para que rehaga su pacto social.... esto es más que justo y eminentemente popular, y por lo mismo, muy propio de una república eminentemente democrática". SIMÓN BOLÍVAR
Os importantes aspectos até o momento acordados no tema da Participação Política colocam a nós, os colombianos, diante da possibilidade de começar a abrir as portas de uma verdadeira democracia.
Todas as iniciativas apresentadas pelas FARC na mesa de conversações de La Habana, que denominamos “100 propostas mínimas para a democratização real, a paz com justiça social e a reconciliação nacional”, foram inspiradas nas reivindicações e propostas das organizações sociais e políticas do país, surgidas dos respectivos foros temáticos, e a força de nossa palavra esteve na valiosa mobilização de um povo que, sem temer a repressão e a criminalização, levantou sus bandeiras para exigir as mudanças estruturais que se requerem para a fundamentação da paz.
A Colômbia vive uma primavera de sonhos de justiça; sobretudo os mais humildes, os despossuídos, se lançaram às ruas para dizer aos governantes que não podem continuar ignorando-os; que o destino do país depende da participação de toda a cidadania e não de um punhado de privilegiados oligarcas que se apropriaram dele para vendê-lo e para saqueá-lo, favorecendo as transnacionais. As pessoas querem decidir, e nisso consiste a verdadeira participação cidadã.
Disso trata o que viemos debatendo durante os últimos seis ciclos na mesa de conversações e, então, o primeiro que está por ser resolvido é a necessidade de que em nossa pátria se respeite o direito à vida, à diferença, à opção política, à não estigmatização, e se possa debater as ideias sem temor a ser assassinado, perseguido, desaparecido ou criminalizado, que é o que acontece quando se atua sob o império de doutrinas estrangeiras que veem no cidadão um inimigo interno.
Esse é nosso clamor, essa é nossa exigência e por isso, no marco deste importante evento, expressamos nossa condenação total ao assassinato, no dia 2 de novembro, de César García, dirigente da resistência à exploração aurífera que realiza a “Anglo Gold Ashanti” em La Colosa (Tolima), depois que, mediante uma contundente decisão plebiscitária, as comunidades dessa região disseram NÃO à mega-mineradora e à presença das transnacionais que destroem as fontes de água e as possibilidades de vida. A justiça não faz nada, e a grande imprensa que muitas vezes se satisfaz cultivando frivolidades, não lhe dá o espaço que merece um caso tão grave como este. Então de que democracia é que estamos falando?
Não se pode continuar dando o tratamento militar que até hoje se deu a mobilização dos inconformados e indignados, porque o governo e todas as instâncias do poder devem se reportar ao povo e este tem que se escutado; uma concepção de segurança deve ter como seu centro os interesses do ser humano, inclusive acima dos interesses, muitas vezes mesquinhos, dos Estados; e deve basear-se em princípios de soberania, não intervenção e livre determinação dos povos em função do desenvolvimento e bem-estar das maiorias.
Dentro destas reflexões é que conseguimos as primeiras, mas muito importantes aproximações e convênios referidos ao segundo ponto da
agenda do acordo geral de La Habana: é, quiçá, uma das mais importantes conquistas o compromisso de convocar sem mais demoras os partidos e porta-vozes das organizações sociais que elaborem os esboços para que, finalmente, tenhamos um estatuto para a oposição política e, por outro lado, estabeleçam em eventos democráticos de ordem nacional, os fundamentos para que surja uma normatização que dê verdadeiro reconhecimento, com garantias à existência e aos direitos do movimento social.
Muito se falou da necessidade de reformar a restritiva lei de mecanismos de participação cidadã (Lei 134 de 1994) e também sobre a urgência de repensar as reacionárias leis de segurança para o qual cremos que começariam a ser traçados os caminhos, se efetivamente atenderem compromissos que estabelecemos ao falar de garantias para a mobilização e o protesto. Lembramos, por exemplo, que sendo estas atividades formas de ação política, são exercícios legítimos do direito à reunião, à livre circulação, à livre expressão, à liberdade de consciência e à oposição em uma democracia; que sua prática enriquece a inclusão política e que o governo deve garantir os espaços para canalizar as demandas cidadãs, sem atropelos. Assim, com o objetivo de garantir o pleno exercício destes direitos, se conseguiu o compromisso de que se defina a revisão e, se for necessária, a modificação de todas as normas que se aplicam à mobilização e aos protestos sociais. Isso, somado ao compromisso de ampliar e reforçar as instâncias de participação cidadã para a interlocução e construção das agendas de trabalho em todos os níveis, que permitam a pronta atenção das demandas e propostas da cidadania.
Estes aspectos e muitos outros, distribuídos em uma vintena de cartilhas, são os que nos dão o otimismo para continuar avançando nos debates para a assinatura da paz e o término do conflito. Não obstante, falta muito por andar e é somente com os pés e a determinação das pessoas nas ruas, do soberano propondo e decidindo, que será possível a expansão da democracia como pressuposto de reconciliação e que o que até agora são apenas desejos e compromissos se convertam em realidade.
Reiteramos agora e continuaremos reiterando, que este não é um processo de submissão, mas, com segurança, se efetivamente avançarmos pelo caminho das transformações que as maiorias nacionais reclamam, a assinatura de um tratado de paz será uma realidade.
Neste plano se circunscreve um assunto essencial do confronto, que é o de deixar claro suas origens e seus responsáveis. Por isso insistimos em que urge a integração consensual da comissão da verdade e responsabilidade histórica do conflito, sobretudo se temos a presteza de abordar um tema tão sensível como é o das vítimas, tantas vezes utilizado de maneira grotesca pelos agentes da manipulação midiática para estigmatizar e demonizar a insurgência.
Para nós, que levamos no profundo de nossos corações a dor pela morte de milhares de militantes da União Patriótica, de inúmeros filhos do povo assassinados sob a motosserra do para-militarismo e da repressão institucional de décadas ou que, de maneira mais direta, levamos o luto pelas centenas de guerrilheiros, milicianos e lutadores revolucionários que caíram na luta para construir uma Colômbia melhor, nossa identidade com as vítimas do confronto é indiscutível, e por elas levantamos e continuaremos levantando nossa voz na mesa de La Habana. É falso o que dizem alguns politiqueiros de plantão, que pretendem tirar proveito do sofrimento dos que padecem a guerra, que a guerrilha se nega a receber os familiares das vítimas do conflito. Eles e todos os que queiram ajudar na construção da paz, têm nossos braços abertos e, dentro desse espírito é que voltamos a insistir veementemente para que se integre já à comissão por nós tantas vezes proposta.
A conquista da paz depende muito desses questionamentos; mas, ao lado do avanço das conversações, há outros assuntos sem solução, nos quais se faz lenta a marcha: O êxito da paz depende do fim da corrupção, de colocar um ponto final à interferência das máfias que de uma ou outra forma capturaram o Estado, em todos os órgãos: executivo, legislativo e judiciário. Que tal o exemplo da contratação administrativa? Que tal as acusações à fiscal? E ao procurador? Há que botar um freio na criminalidade de colarinho branco de um setor financeiro que, ao mesmo tempo que vende soberania destrói o país, dando renda solta à depredação de seus recursos naturais e ao saque usureiro ao bolso de todos os colombianos. Mas, por outro lado e, talvez de maneira mais urgente, porque em grande medida disso depende que continue reinando a impunidade, tem que meter mão, com muita determinação, em todo o aparato judiciário.
Uma justiça corrupta saída de um regime corrupto e responsável por tantos anos de enfrentamentos não teme nem a competência, nem a capacidade, nem as condições históricas necessárias para atuar. Hoje, depois da soma de múltiplos escândalos, a justiça ficou sem autoridade moral para jogar um papel definidor na nova Colômbia.
Há que reconstruí-la totalmente. Como pode achar o governo que é possível uma submissão a uma justiça transicional quando o próprio governo sentencia a justiça como corrupta e exige a reforma total do ramo jurisdicional?
Dentro das responsabilidades do Estado está a de ter deixado apodrecer a justiça, pois a corrupção generalizada que nasceu há anos no executivo (contratos e comissões em todas as esferas), contagiou a justiça pelo assunto da porta giratória, (onde saem os mesmos pela mesma porta, e entram os mesmos para fazer o mesmo), como no Congresso. Os congressistas investigados e na prisão sempre representaram os partidos e o regime.
Vejam bem, como hoje estamos em um espécie de balanço do que é a participação cidadã com respeito à paz, isso implica falar da democracia, o que impõe que não percamos de vista que a sorte desta não pode estar em mãos de três ou quatro senhores ricaços, donos dos meios de comunicação e da publicidade. Pode haver todo tipo de mecanismos de participação se querem mostrar o país como uma democracia de papel, mas a informação é a que conduz a que esses mecanismos se tornem canais de expressão de pensamentos previamente cozinhados e vendidos por tais três ou quatro indivíduos, que sempre são os detentores do poder.
A suposta democracia que hoje temos não pode continuar fazendo parte da contabilidade de uma classe privilegiada, como se fosse um lote ou uma
propriedade, ou gado, porque a democracia se mede pelo resultado da expressão e participação popular, e essa expressão popular está atada e manipulada maiormente por aqueles que detenham e controlam os meios de comunicação.
Sem democracia na posse dos meios, tudo o que se faça em muitos campos da participação ou em função do próprio tratado de paz poderia ficar no limbo porque, através das matrizes midiáticas é que se geram hoje os fictícios ambientes de aceitação ou descontentamento com o processo. Tomara que possamos contar com que todo aquele que se sinta verdadeiramente colombiano, lhe aposte à reconciliação e não à continuação da guerra.
Obrigado Cuba e Noruega, países fiadores, e Venezuela e Chile, como países acompanhantes por resguardar com sua presença e bons ofícios, a boa marcha do processo. E obrigado aos nossos compatriotas que lhe puseram fé e entusiasmo à possibilidade de construir a Colômbia que brinde oportunidades a todos.
Tradução: Liborio Júnior
Nenhum comentário:
Postar um comentário