Saul Leblon no Carta Maior
postado em: 27/11/2013
O confinamento do debate econômico no campo conservador torna o Brasil prisioneiro de uma lógica em que as respostas aos sintomas, não raro, ensejam o agravamento das causas, encorpando os contornos de uma circularidade difícil de romper.
Cada vez mais, o estreitamento da margem de manobra subordina a urgências da sociedade a soluções incrementais, nem sempre condizentes com uma saturação histórica, que podia ser subestimada até os protestos de junho.
Romper não é fácil, mas não discutir só reforça os limites do cativeiro.
O Brasil teria hoje quatro flancos principais, segundo o consenso dominante:
I) defasagem cambial que incentiva importações, dificulta exportações e desidrata a estrutura manufatureira --incapaz de competir à taxa presente do dólar;
II) déficit nas contas externas, decorrente do anterior, da ordem de US$ 75 bi - com sinal ascendente;
III) pressões inflacionárias sustentadas por níveis robustos de demanda e emprego, sem expansão equivalente de oferta -- substituída crescentemente por importações;
IV) baixo nível de investimento público e privado, o que explica e agrava as variáveis anteriores - realimentando gargalos de infraestrutura e serviços já colapsados.
Por razões compreensíveis, o diagnóstico dominante abstrai trunfos, bem como fatores que explicitam a natureza política de um parte dos impasses. Caso da desigualdade social, por exemplo, reiterada por um sistema tributário regressivo que protege o dinheiro grosso e esfola a renda média e miúda.
Apesar de tudo, o Brasil sobrevive à extrema-unção diária da emissão conservadora que retruca religiosamente cada desmentido: ‘de amanhã não passa’.
Passa, porque o doente tem um largo horizonte de futuro ancorado a seis mil metros abaixo da superfície do oceano. E não é a sua cova.
O pré-sal credencia uma nação com mercado de massa superior a 150 milhões de consumidores, provida de planta industrial completa (ainda que sob corrosão cambial e tecnológica), a se tornar o sexto maior produtor de petróleo do mundo.
Significa que num prazo de duas décadas, ou menos, segundo a Agencia Internacional de Energia (AIE), o país estará produzindo 6 bilhões de barris/dia. A US$ 100 o barril, faça as contas...
Entre as duas pontas ergue-se uma linha de passagem composta de reservas da ordem de US$ 380 bilhões e um inegável esforço público de planejar e fomentar o investimento em infraestrutura social e logística.
Nenhuma economia dotada desse lubrificante temporal pode ser vista como candidata à insolvência ou à paralisia econômica.
Para o capitalismo isso basta.
Mas não basta para a sociedade.
Marmorizada por defasagens de ontem, que acumulam 500 anos de desigualdade e exclusão, ela cobra respostas hoje.
A tensão explica a rédea curta que o dinheiro grosso quer impor à condução da travessia brasileira.
Submeter a ação do Estado aos limites da lógica circular é uma tentativa de assegurar que o futuro será, quando muito, uma reprodução ampliada do presente.
Como fazê-lo?
Assim: para conter a inflação exige-se elevar os juros --como se prepara para fazer o BC nesta 5ª feira.
Juros altos inibem o investimento produtivo e atraem dólares especulativos, que por sua vez valorizam o Real e barateiam as importações - com efeitos dissolventes na estrutura industrial, além de inibir as exportações.
O conjunto amplia o déficit externo e eleva a dívida pública, ademais de reduzir o nível de atividade contraindo a receita de impostos –o que eleva a relação dívida/PIB, fazendo com que a anemia do divisor imponha novos cortes ou protelações de investimentos públicos...
A camisa de força tem justificativas econômicas, mas cuida também de interditar o debate político sobre passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
Como planejar o futuro se isso implica a reordenação de variáveis condicionadoras de um presente engessado em seus próprios termos?
Sobra a opção incremental.
Ajustes na direção correta, com determinação honesta, mas não raro insuficientes para responder ao clamor do passado e às expectativas do futuro.
O Brasil coleciona bons exemplos de ruptura com esse relógio de ponteiros moles que convida à rendição ortodoxa.
A regulação do pré-sal é um deles.
Uma mudança institucional feita a contrapelo do jogral conservador --que gostaria de incorporar essa riqueza ao pasteurizador de impasses macroeconômicos, reservou à educação e à saúde públicas fundos adicionais significativos.
O ‘Mais Médicos’ é outra referência didática.
Quantos anos demoraria para o avanço incremental do SUS levar mais médicos a Chorrochó, no Raso da Catarina baiano?
Uma decisão política encerrou a contabilidade angustiante de filas e vítimas da falta de assistência nas regiões mais pobres do país.
Nesta 2ª feira, a Presidenta Dilma deu mais uma pista de como ponteiros moles podem adquirir a velocidade de uma lebre.
Linhas de peças pré-fabricadas reduzirão os prazos de construção no programa de creches, de dois anos para, no máximo, sete meses, podendo recuar para 4 meses.
A eliminação de desperdícios permitirá, ademais, um corte de 24% nos custos. Das 4,7 mil creches contratadas pelo governo, 2 mil estão em construção ou já foram entregues. Até o final de dezembro, mais 1.950 unidades serão contratadas já pelo novo método.
O recuo mais lento do déficit habitacional brasileiro nas faixas de menor renda –até três salários, justamente onde ele é maior—parece cobrar igualmente atalhos institucionais e/ou tecnológicos equivalentes. Entre os anos de 2007 e 2012 o déficit habitacional total recuou 6,27% (de 5,59 milhões de domicílios para 5,24 milhões); nas faixas de menor renda o recuo foi de 3,9 milhões para 3,8 milhões de domicílios).
Para as grandes questões macroeconômicas, todavia, não há novidades tecnológicas a mobilizar.
A tecnologia mais avançada neste caso é o debate político capaz de reunir poder e consentimento para mudar uma correlação de forças inscrita num orçamento que hoje reserva o equivalente a 5,7% do PIB aos rentistas (da dívida pública) e 1% ao investimento federal.
O desarme dessa circularidade ortodoxa não inclui opção sem custo.
Mas faculta à sociedade disposta a encará-lo a prerrogativa de escrutinar escolhas, dosar sacrifícios e hierarquizar prioridades hoje monopolizadas por interesses indiferentes ao destino nacional.
Um bom ponto de partida seria o V Congresso do PT, marcado para o próximo dia 12 de dezembro, reservar algum tempo dos debates à seguinte questão: como a campanha presidencial de 2014 pode ser útil à construção desse discernimento coletivo.
O confinamento do debate econômico no campo conservador torna o Brasil prisioneiro de uma lógica em que as respostas aos sintomas, não raro, ensejam o agravamento das causas, encorpando os contornos de uma circularidade difícil de romper.
Cada vez mais, o estreitamento da margem de manobra subordina a urgências da sociedade a soluções incrementais, nem sempre condizentes com uma saturação histórica, que podia ser subestimada até os protestos de junho.
Romper não é fácil, mas não discutir só reforça os limites do cativeiro.
O Brasil teria hoje quatro flancos principais, segundo o consenso dominante:
I) defasagem cambial que incentiva importações, dificulta exportações e desidrata a estrutura manufatureira --incapaz de competir à taxa presente do dólar;
II) déficit nas contas externas, decorrente do anterior, da ordem de US$ 75 bi - com sinal ascendente;
III) pressões inflacionárias sustentadas por níveis robustos de demanda e emprego, sem expansão equivalente de oferta -- substituída crescentemente por importações;
IV) baixo nível de investimento público e privado, o que explica e agrava as variáveis anteriores - realimentando gargalos de infraestrutura e serviços já colapsados.
Por razões compreensíveis, o diagnóstico dominante abstrai trunfos, bem como fatores que explicitam a natureza política de um parte dos impasses. Caso da desigualdade social, por exemplo, reiterada por um sistema tributário regressivo que protege o dinheiro grosso e esfola a renda média e miúda.
Apesar de tudo, o Brasil sobrevive à extrema-unção diária da emissão conservadora que retruca religiosamente cada desmentido: ‘de amanhã não passa’.
Passa, porque o doente tem um largo horizonte de futuro ancorado a seis mil metros abaixo da superfície do oceano. E não é a sua cova.
O pré-sal credencia uma nação com mercado de massa superior a 150 milhões de consumidores, provida de planta industrial completa (ainda que sob corrosão cambial e tecnológica), a se tornar o sexto maior produtor de petróleo do mundo.
Significa que num prazo de duas décadas, ou menos, segundo a Agencia Internacional de Energia (AIE), o país estará produzindo 6 bilhões de barris/dia. A US$ 100 o barril, faça as contas...
Entre as duas pontas ergue-se uma linha de passagem composta de reservas da ordem de US$ 380 bilhões e um inegável esforço público de planejar e fomentar o investimento em infraestrutura social e logística.
Nenhuma economia dotada desse lubrificante temporal pode ser vista como candidata à insolvência ou à paralisia econômica.
Para o capitalismo isso basta.
Mas não basta para a sociedade.
Marmorizada por defasagens de ontem, que acumulam 500 anos de desigualdade e exclusão, ela cobra respostas hoje.
A tensão explica a rédea curta que o dinheiro grosso quer impor à condução da travessia brasileira.
Submeter a ação do Estado aos limites da lógica circular é uma tentativa de assegurar que o futuro será, quando muito, uma reprodução ampliada do presente.
Como fazê-lo?
Assim: para conter a inflação exige-se elevar os juros --como se prepara para fazer o BC nesta 5ª feira.
Juros altos inibem o investimento produtivo e atraem dólares especulativos, que por sua vez valorizam o Real e barateiam as importações - com efeitos dissolventes na estrutura industrial, além de inibir as exportações.
O conjunto amplia o déficit externo e eleva a dívida pública, ademais de reduzir o nível de atividade contraindo a receita de impostos –o que eleva a relação dívida/PIB, fazendo com que a anemia do divisor imponha novos cortes ou protelações de investimentos públicos...
A camisa de força tem justificativas econômicas, mas cuida também de interditar o debate político sobre passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
Como planejar o futuro se isso implica a reordenação de variáveis condicionadoras de um presente engessado em seus próprios termos?
Sobra a opção incremental.
Ajustes na direção correta, com determinação honesta, mas não raro insuficientes para responder ao clamor do passado e às expectativas do futuro.
O Brasil coleciona bons exemplos de ruptura com esse relógio de ponteiros moles que convida à rendição ortodoxa.
A regulação do pré-sal é um deles.
Uma mudança institucional feita a contrapelo do jogral conservador --que gostaria de incorporar essa riqueza ao pasteurizador de impasses macroeconômicos, reservou à educação e à saúde públicas fundos adicionais significativos.
O ‘Mais Médicos’ é outra referência didática.
Quantos anos demoraria para o avanço incremental do SUS levar mais médicos a Chorrochó, no Raso da Catarina baiano?
Uma decisão política encerrou a contabilidade angustiante de filas e vítimas da falta de assistência nas regiões mais pobres do país.
Nesta 2ª feira, a Presidenta Dilma deu mais uma pista de como ponteiros moles podem adquirir a velocidade de uma lebre.
Linhas de peças pré-fabricadas reduzirão os prazos de construção no programa de creches, de dois anos para, no máximo, sete meses, podendo recuar para 4 meses.
A eliminação de desperdícios permitirá, ademais, um corte de 24% nos custos. Das 4,7 mil creches contratadas pelo governo, 2 mil estão em construção ou já foram entregues. Até o final de dezembro, mais 1.950 unidades serão contratadas já pelo novo método.
O recuo mais lento do déficit habitacional brasileiro nas faixas de menor renda –até três salários, justamente onde ele é maior—parece cobrar igualmente atalhos institucionais e/ou tecnológicos equivalentes. Entre os anos de 2007 e 2012 o déficit habitacional total recuou 6,27% (de 5,59 milhões de domicílios para 5,24 milhões); nas faixas de menor renda o recuo foi de 3,9 milhões para 3,8 milhões de domicílios).
Para as grandes questões macroeconômicas, todavia, não há novidades tecnológicas a mobilizar.
A tecnologia mais avançada neste caso é o debate político capaz de reunir poder e consentimento para mudar uma correlação de forças inscrita num orçamento que hoje reserva o equivalente a 5,7% do PIB aos rentistas (da dívida pública) e 1% ao investimento federal.
O desarme dessa circularidade ortodoxa não inclui opção sem custo.
Mas faculta à sociedade disposta a encará-lo a prerrogativa de escrutinar escolhas, dosar sacrifícios e hierarquizar prioridades hoje monopolizadas por interesses indiferentes ao destino nacional.
Um bom ponto de partida seria o V Congresso do PT, marcado para o próximo dia 12 de dezembro, reservar algum tempo dos debates à seguinte questão: como a campanha presidencial de 2014 pode ser útil à construção desse discernimento coletivo.
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