A coagulação rentista ganha corpo e se expande no caldeirão da inércia econômica pós-2008, aqui e alhures.
É como a nata que toma conta da superfície líquida, à medida em que a temperatura sobe na leiteira.
A pregação sem rodeios do arrocho em defesa dos juros e contra o salário mínimo, ecoada por assessores econômicos de Aécio -- sintomaticamente não autorizada por ele-- é parte da restauração em marcha.
Aqui e alhures estão de volta os que nunca se foram.
Apenas haviam submergido, parcialmente, quando o auge da ganância rentista desligou a fornalha para mitigar os efeitos da implosão descontrolada da crosta especulativa que inflamou todo o ambiente econômico.
Os mesmos protagonistas, as mesmas propostas, as mesmas somas desconcertantes de capital fictício avultam outra vez em espirais ascendentes.
O conjunto sugere coordenação.
Mas a coordenação que existe é a da ação por gravidade de interesses nunca efetivamente afrontados nestes cinco anos que separam a quebra do Lehman Brothers, dos dias que correm.
Os dados internacionais são sugestivos da espuma ascendente de onde decolam as bolhas.
O comportamento anêmico da inflação nos EUA atesta a ainda frágil recuperação do emprego e das vendas na maior economia do planeta.
O mundo real se arrasta sem a força e a velocidade regeneradoras de outras retomadas.
Mas os preços das terras agrícolas, o custo do m2 nos centros e comerciais e , especialmente, a cotação das ações avançam com desenvoltura.
Como é possível a nata se recompor se a temperatura persiste morna na base?
Uma parte da explicação remete ao fato de que essa crise preservou, em grande parte, a higidez da riqueza fictícia que a originou.
O leite derramado em jorros de fome, empobrecimento e desemprego não arrastou o grosso da nata gordurosa para o ralo.
Salvou-a a ação generosa das injeções fiscais e monetárias disparadas pelas autoridades econômicas e os Bancos Centrais.
E teria sido muito pior se tal não acontecesse.
A restauração em curso não denigre a ação contracíclica onde quer que tenha sido acionada, antes, atesta o seu acanhamento e insuficiência.
Desprovida de políticas ativas de natureza regulatória, fiscal e tributária que pudessem restaurar a supremacia do interesse público sobre os apetites unilaterais da bocarra financeira, a ação do Estado ficou travada entre a boa intenção –quando houve-- e a inexistência de um protagonista político capaz de desdobrá-la em reordenação do desenvolvimento.
O governo Obama é a síntese desse lodaçal onde as boas intenções empoçam sem dispor de uma alavanca política que as faça prosperar além da correlação de forças prevalecente.
Alguns números ilustram o tamanho da restauração em marcha.
Os 500 maiores fundos globais do planeta recuperaram o volume de recursos anterior à crise de 2008: seus gestores dispõem novamente de US$ 68 trilhões para bancar apostas em um planeta cujo PIB é pouco superior a US$ 70 trilhões.
Há mais.
Informações do Wall Street Journal desta 2ª feira flagram a famosa ‘exuberância irracional’ exercitando as asas nos mercados acionários.
Uma das características da crise de 2008 foi a inflamável dissociação entre o valor especulativo das ações e os fundamentos aos quais elas deveriam se reportar crivelmente -- as fatias proporcionais dos lucros das empresas cabíveis aos detentores das carteiras acionárias.
A relação preço/lucro (P/L) atingiria níveis marcianos nos idos de 2008, requerendo múltiplos decênios de alta rentabilidade para justificá-los.
Quando o cipó de aroeira se abateu sobre os pregões, as bolsas derreteram: as perdas foram da ordem de US$ 11 trilhões, umas oito vezes o PIB brasileiro.
Vai por aí a coisa novamente?
Há suspeitas borbulhantes no ar.
Na semana passada, a Twiter Inc. fez uma emissão primária de ações e vendeu instantaneamente um volume de papéis no valor de US$ 2,1 bilhões.
A volúpia reprodutiva do capital fictício fez os preços das ações saltarem de US$26 no lançamento, para US$ 44,90 no fechamento dos negócios: 43% de alta.
O preço de mercado da Twitter registrou uma sob todos os critérios apreciável valorização de US$ 10 bilhões.
Na manhã da quinta-feira (07/11) a Twitter Inc valia US$ 15 bi; na tarde do mesmo dia, seu preço havia saltado para US$ 25 bi.
Nem todos serão incinerados exemplarmente como Eike Batista, ex-mago da Veja, Exame, Valor etc.
Mas a mecânica é a mesma. E guarda profunda semelhança com o exuberância anterior a 2008.
Com um agravante: talvez agora os lírios floresçam e feneçam em ciclos explosivamente mais curtos.
A tinta do desastre ainda está fresca na memória dos mercados.
Nada que os faça abdicar voluntariamente de uma natureza intrinsecamente especulativa e irracional.
Mas o torque da sofreguidão ficou mais arisco. Ele acelera o ritmo para dançar o baile e sair antes que a porta se feche.
É uma corrida entre a esperteza e a gula, não há vaga para a seriedade.
O mesmo insuspeito Wall Street Journal informa que as empresas norte-americanas já captaram US$ 51 bilhões em emissões primárias de ações este ano.
É o maior volume desde os US$ 63 bi de 2000.
Outros papéis de grandes corporações dos EUA acumulam um volume de captação da ordem de US$ 910 bilhões –recorde em 13 anos.
E assim por diante.
A liquidez faminta vive a sua maré de lua cheia e vasculha a terra firme em busca de um porto seguro.
É nessa antessala de uma próxima e quase inevitável vazante que a ortodoxia e o jornalismo conservador multiplicam os decibéis em defesa daquilo que em sua opinião deve suceder ao governo Dilma em 2014.
A saber:
-esvaziar o grande trunfo brasileiro para enfrentar a turbulência internacional, qual seja, o mercado interno de massa baseado em níveis elevados de emprego e na preservação do poder de compra popular;
- deflagrar um longo ciclo de altas contínuas dos juros para devolver a inflação ao centro da meta mesmo que a custa de uma recessão;
- desmontar todas as políticas ativas de indução ao desenvolvimento e diminuir o tamanho do BNDES;
- delegar o destino da base industrial brasileira à competição selvagem da manufatura asiática e norte-americana, com um forte tranco de redução abrupta de tarifas;
- deixar o dólar atingir a cotação que os mercados quiserem e quando eles quiserem;
- desfrutar o desemprego e a mudança nos termos das trocas internacionais, decorrente desse conjunto, para baratear selvagemente o custo do trabalhador brasileiro.
Esse é o lacto purga apresentado como farmacêutica moderna pelo insopitável espírito público de economistas que, no passado, como se sabe, levaram o Brasil ao bom destino.
Eles farejam a restauração em marcha.
A proposta que preparam para Aécio, em 2014, é incluir o Brasil nela.
De joelhos.
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