Por Paulo Moreira Leite, em seu blog: retirado do Blog do Miro
A ironia incompreendida de Antônio Prata, na Folha, diz muito sobre o Brasil, hoje. Como observou Suzana Singer, com a sutileza necessária, “tempos estranhos estes em que a imprensa tem que ser explícita sobre o que é real e o que é ficção.”
As ironias são um recurso sofisticado da crítica social, mas só podem ser compreendidas numa sociedade em que os fatos estão bem estabelecidos e o leitor não tem dificuldade para entender a intenção real do autor.
É preciso não ter dúvidas sobre a realidade em que se vive para compreender um texto cuja graça reside – particularmente – em dizer o contrário do que se escreveu. A ironia não quer enganar ninguém. Quer estimular a reflexão de forma divertida, explorando seu próprio absurdo.
Muitas vezes, a ironia é uma forma de driblar uma situação de opressão. Permite ao autor dizer, de forma elíptica, aquilo que não pode ser dito de forma tão clara.
Era um recurso comum sob os regimes absolutistas que antecederam a Revolução Francesa. Mas também fazia escola nos anos 1979 e 1980 na imprensa sob vigilância da censura do regime militar.
É um exercício intelectual finíssimo, um caminhar sobre o fio de navalha, e está longe de ser pedante. Basta saber o que “é real e o que é ficção.” Caso contrário, o feitiço se vira contra o feiticeiro -- como ocorreu com todas as pessoas que, confundindo fatos com suas opiniões, imaginaram que o texto de Antônio Prata deveria ser compreendido ao pé da letra.
A dificuldade de compreensão do público é uma demonstração do universo em que a sociedade brasileira está envolvida.
Não acho que o conflito de ideias e opiniões políticas que polariza o país seja prejudicial. Uma polarização semelhante se verifica em outras sociedades e ninguém tem problemas para distinguir um texto irônico de uma argumentação séria. É parte do processo de educação política da população.
O problema se encontra em outra camada do conhecimento, mais básica – os fatos. No Brasil de hoje, está difícil separar os fatos das opiniões.
E aí, peço desculpas a meus colegas jornalistas, mas é obvio que isso tem uma relação direta com o trabalho dos meios de comunicação. Envolvidos, de forma cada vez mais intensa, num esforço político para impedir uma nova vitória do condomínio Lula-Dilma em 2014, eles se encontram numa permanente luta ideológica para criminalizar o governo federal, fazer denúncias de qualquer maneira e não se importam em confundir, em vez de esclarecer. Sua cobertura é tendenciosa e facciosa, até.
Procura-se confundir, em vez de esclarecer. Abandona-se o compromisso com a apuração dos fatos, que exige um esforço de conhecimento, um ato de humildade, para submetê-los a uma opinião pré-estabelecida.
Vigora, em diversos meios, a opinião – errada – de que em política as versões são mais importantes do que os fatos. Este é o melhor caminho para uma ditadura, alertava Hanna Arendt.
A visão que submete os fatos às opiniões é puro absurdo. Procura dar ares legítimos à manipulação e à mentira, formas clássicas de sabotar um regime democrático.
Convém lembrar disso esta semana, quando João Goulart, presidente que foi deposto depois de ter sido vítima de uma campanha sórdida por parte dos meios de comunicação da época, será exumado.
A finalidade da exumação é saber se Jango morreu envenenado, como vítima de uma política de assassinatos de lideranças populares do Continente, que incluiu casos comprovados como a morte do presidente da Bolívia, Juan José Torres, do general Carlos Prats e do chanceler Orlando Lettelier, leais a Salvador Allende.
A partir de historiadores competentes, bem informados e rigorosos, como Muniz Bandeira e Jorge Ferreira, simpáticos a Jango e adversários do golpe que o derrubou, encaro com prudência as denúncias que sugerem que havia uma conspiração para matar Jango. Convém apurar com cuidado, sem eliminar qualquer hipótese com antecedência e sem permitir, tampouco, que interesses da propaganda de qualquer lado submetam a verdade factual.
Não há dúvida, no entanto, de que a queda de Goulart foi produzida por uma mentira interesseira.
Seus adversários civis, alinhados em torno dos principais jornais da época, sustentavam que ele pretendia dar um golpe de Estado e instalar uma república sindicalista no país. Era uma grande mentira e foi ela que arrastou uma parcela da classe média para a oposição.
O que se queria era quebrar a legalidade democrática, que previa a realização de eleições em 1965 – num ambiente que deixava claro que a oposição conservadora não tinha a menor chance de uma vitória nas urnas.
Este é o perigo de resistir num país onde não se sabe a diferença entre fatos e opiniões.
A ironia incompreendida de Antônio Prata, na Folha, diz muito sobre o Brasil, hoje. Como observou Suzana Singer, com a sutileza necessária, “tempos estranhos estes em que a imprensa tem que ser explícita sobre o que é real e o que é ficção.”
As ironias são um recurso sofisticado da crítica social, mas só podem ser compreendidas numa sociedade em que os fatos estão bem estabelecidos e o leitor não tem dificuldade para entender a intenção real do autor.
É preciso não ter dúvidas sobre a realidade em que se vive para compreender um texto cuja graça reside – particularmente – em dizer o contrário do que se escreveu. A ironia não quer enganar ninguém. Quer estimular a reflexão de forma divertida, explorando seu próprio absurdo.
Muitas vezes, a ironia é uma forma de driblar uma situação de opressão. Permite ao autor dizer, de forma elíptica, aquilo que não pode ser dito de forma tão clara.
Era um recurso comum sob os regimes absolutistas que antecederam a Revolução Francesa. Mas também fazia escola nos anos 1979 e 1980 na imprensa sob vigilância da censura do regime militar.
É um exercício intelectual finíssimo, um caminhar sobre o fio de navalha, e está longe de ser pedante. Basta saber o que “é real e o que é ficção.” Caso contrário, o feitiço se vira contra o feiticeiro -- como ocorreu com todas as pessoas que, confundindo fatos com suas opiniões, imaginaram que o texto de Antônio Prata deveria ser compreendido ao pé da letra.
A dificuldade de compreensão do público é uma demonstração do universo em que a sociedade brasileira está envolvida.
Não acho que o conflito de ideias e opiniões políticas que polariza o país seja prejudicial. Uma polarização semelhante se verifica em outras sociedades e ninguém tem problemas para distinguir um texto irônico de uma argumentação séria. É parte do processo de educação política da população.
O problema se encontra em outra camada do conhecimento, mais básica – os fatos. No Brasil de hoje, está difícil separar os fatos das opiniões.
E aí, peço desculpas a meus colegas jornalistas, mas é obvio que isso tem uma relação direta com o trabalho dos meios de comunicação. Envolvidos, de forma cada vez mais intensa, num esforço político para impedir uma nova vitória do condomínio Lula-Dilma em 2014, eles se encontram numa permanente luta ideológica para criminalizar o governo federal, fazer denúncias de qualquer maneira e não se importam em confundir, em vez de esclarecer. Sua cobertura é tendenciosa e facciosa, até.
Procura-se confundir, em vez de esclarecer. Abandona-se o compromisso com a apuração dos fatos, que exige um esforço de conhecimento, um ato de humildade, para submetê-los a uma opinião pré-estabelecida.
Vigora, em diversos meios, a opinião – errada – de que em política as versões são mais importantes do que os fatos. Este é o melhor caminho para uma ditadura, alertava Hanna Arendt.
A visão que submete os fatos às opiniões é puro absurdo. Procura dar ares legítimos à manipulação e à mentira, formas clássicas de sabotar um regime democrático.
Convém lembrar disso esta semana, quando João Goulart, presidente que foi deposto depois de ter sido vítima de uma campanha sórdida por parte dos meios de comunicação da época, será exumado.
A finalidade da exumação é saber se Jango morreu envenenado, como vítima de uma política de assassinatos de lideranças populares do Continente, que incluiu casos comprovados como a morte do presidente da Bolívia, Juan José Torres, do general Carlos Prats e do chanceler Orlando Lettelier, leais a Salvador Allende.
A partir de historiadores competentes, bem informados e rigorosos, como Muniz Bandeira e Jorge Ferreira, simpáticos a Jango e adversários do golpe que o derrubou, encaro com prudência as denúncias que sugerem que havia uma conspiração para matar Jango. Convém apurar com cuidado, sem eliminar qualquer hipótese com antecedência e sem permitir, tampouco, que interesses da propaganda de qualquer lado submetam a verdade factual.
Não há dúvida, no entanto, de que a queda de Goulart foi produzida por uma mentira interesseira.
Seus adversários civis, alinhados em torno dos principais jornais da época, sustentavam que ele pretendia dar um golpe de Estado e instalar uma república sindicalista no país. Era uma grande mentira e foi ela que arrastou uma parcela da classe média para a oposição.
O que se queria era quebrar a legalidade democrática, que previa a realização de eleições em 1965 – num ambiente que deixava claro que a oposição conservadora não tinha a menor chance de uma vitória nas urnas.
Este é o perigo de resistir num país onde não se sabe a diferença entre fatos e opiniões.
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