Esta discussão sobre o
“excesso” de turistas no litoral catarinense ocorre todo ano. Mesmo
assim, ainda tem gente que acha que a invasão de turistas é alguma coisa
imprevisível. E se “surpreende”.
Por Cesar Valente.
Faltou água?
Faltou luz?
Faltou Educação?
Faltou atendimento médico?
“Aculpa é do excesso de turistas”
E não é só a Casan que leva um susto
porque faltou luz para mover suas bombas (todo ano ocorre a mesma coisa e
até agora não conseguiram comprar geradores a diesel para esse
“imprevisto”). Ou a Celesc, que fica atrapalhada porque os temporais de
verão e os bêbados ao volante derrubam linhas e postes.
A sempre tão decantada “iniciativa
privada” também dá mostras de amadorismo, falta de planejamento e
principalmente falta de competência para ganhar dinheiro, ao ser pega
“de surpresa” por esse fenômeno que, ora vejam só, ocorre todo ano. E
sempre na mesma época.
No último dia do ano fiz uns dois
comentários no Facebook do colega Carlos Damião (jornalista da rede
RIC/Record), porque ele escreveu uma coisa que, embora pareça lógica e
razoável, está, na essência (a meu ver, claro) muito equivocada.
Disse ele:
“Vejo muita gente culpando o governo
(Casan, Celesc) pelo colapso de abastecimento de água e energia durante
estes dias terríveis, das invasões de visigodos e ostrogodos ao nosso
litoral. Isso é um absurdo, responsabilizar as concessionárias pelo
excesso de gente nas nossas praias. Vamos superdimensionar água e
energia, só por causa da temporada? E quem vai pagar a conta? O erro
está numa coisa chamada “turismo de massa”, que é a pior política de
turismo que pode existir (vide Acapulco, México, destruída pelos
turistas e empresários predadores). Enquanto a política adotada for
essa, da invasão pura e simples com objetivo (apenas) de incrementar a
caixa registradora dos negociantes, vamos – Florianópolis e Balneário
Camboriú – afundar de vez.”
Ora, não existe mágica capaz de manter
isoladas e desertas praias como as de Santa Catarina. É um fato da vida
que, no verão, “todo mundo” quer ir pra praia. Preparar-se para isso não
é “superdimensionar”. É planejar a exata dimensão de um evento
inevitável, com o qual teremos de conviver pelos próximos séculos. Tirar
dos ombros da Celesc e da Casan a responsabilidade pela falta de
planejamento é fazer o jogo das gerências incompetentes e ceguetas.
Aliás, nesse bate-cabeça que o fala
mansa do João Raimundo permite sem fazer valer sua autoridade, a Casan
fica muito pior na foto que a Celesc. Mas a culpa evidentemente não é de
quem, com todo o direito, quer veranear numa praia.
Aí o Damião dá a entender que foi a
propaganda do governo, “vendendo” Santa Catarina como estado de
qualidade, que atraiu o que ele chama de “turismo de massa”.
Ora, ser ou não ser cidade turística não
depende da vontade dos administradores. A Ilha de Santa Catarina, com
propaganda ou sem propaganda, é sonho de consumo de meio mundo. Ignorar
esse fato é cegueira, é tentar enfiar a cabeça na areia pra ver se a
água volta.
Com essas praias e essa beleza toda, nem
na antiga Albânia se conseguiria proibir o acesso da multidão que
procura por isso no verão.
Portanto, não faz sentido ver nessas
qualidades da nossa ilha (e do nosso litoral todo) um defeito.
Defeituosos são os administradores que temos eleito e os gerentes que os
eleitos têm arranjado, no sistema de loteamento de cargos entre
partidos “da base”. Bando de incompetentes, que têm um diamante nas mãos
e, por não saber lapidá-lo, arriscam-se a por tudo a perder.
Os serviços públicos, no litoral,
precisam, sim, preparar-se para os eventos previsíveis. Se precisam
estar prontos até para aqueles que não têm data marcada (chuvas
intensas, enxurradas, desabamentos, alagamentos, ventanias, ressacas…)
imagina se podem ser pegos “de surpresa” pela chegada dos turistas no
verão? Não tem cabimento.
E essa história de “superdimensionar” é
conversa pra boi dormir, é papo de burocrata que não quer ser cobrado
por sua incompetência. Várias cidades do litoral triplicam sua população
todo verão. Todo verão. O que se deve fazer a respeito? Ir pra
televisão todo ano, culpar o “excesso” de turistas? Ou parar um pouco de
mamar e fazer caixa de campanha e trabalhar sério?
E o que é essa bobagem de “turismo de
massa”? Quem te falou essa besteira, caro Damião? Isso soa, no mínimo,
extremamente preconceituoso.
O turismo “bom” seria aquele dos
riquinhos que queimam dinheiro nos camarotes e “agregam valor” nos
“beach clubs” exclusivos e com preços que deveriam ser enquadrados no
código penal?
E o “turismo de massa” ruim, nocivo,
culpado pela falta de água, pelo lixo acumulado, pelo barulho e por tudo
de ruim que acontece no verão, é aquele dos pobres, dos remediados, da
classe média que coloca suas economias no aluguel de uma casinha perto
do mar?
Sugiro que quem pensa assim reveja seus
conceitos: ruim é não ter procura, não ter turista, não despertar
interesse. Bom é ser um local cobiçado, que tanta gente quer visitar,
que tantos sonham em conhecer ou até morar.
E é aí que entram as autoridades e suas
responsabilidades: precisam enfrentar esse fato inevitável, da vontade
(e do direito) que tantos têm, ao veraneio no litoral. E tratem de
planejar, estudar, levar a sério e propor soluções.
Até pode ser que, em alguns casos, a
solução seja, como sonham o Damião e tantos outros, limitar o acesso.
Estabelecer um número máximo de visitantes. Mas até para isso é preciso
competência, estudo e trabalho. Não será tirando o corpo fora porque
“isso aí é um superdimensionamento inviável” ou porque “não temos
vocação turística, tratamos o turista muito mal”, que chegaremos a algum
lugar.
Como disse, mesmo os diamantes brutos
mais valiosos podem ser transformados em caquinhos sem utilidade, se não
forem bem lapidados. Se é isso que pretendemos, transformar esse
litoral maravilhoso numa pocilga fedorenta que afugente até as lacraias e
os lagartos, então não precisa fazer nada: basta continuar assim,
botando a culpa no “excesso” de turistas, ano após ano. Até que eles
parem de vir. E aí vai começar outro chororô, da “falta” de turistas na
temporada.
Não tem turista “em excesso”, o que está
transbordando, sobrando, muito acima do que merecemos, é a
incompetência dos que nos governam. Há décadas.
Fonte: De Olho na Capital transcrito do Blog Desacato
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