Por Marcelo Justo.
Londres - As forças armadas deveriam
evitar as cerimônias de repatriação de soldados mortos em combate e usar
mais mercenários e tropas de elite para neutralizar o rechaço a
conflitos armados que existe na opinião pública britânica desde as
guerras do Afeganistão e Iraque. Segundo umdocumento do Ministério da Defesa publicado
nesta sexta-feira (27) pelo jornal The Guardian, o governo deveria
“lançar uma campanha constante e clara para influenciar nas áreas mais
importantes da imprensa e da opinião pública” buscando recuperar o apoio
popular que existiu na guerra das Malvinas e na Irlanda do Norte.
O documento aconselha “reduzir a
sensibilidade pública às consequências inerentes de uma operação
militar” e “inculcar a ideia de que o serviço implica sacrifícios e que
estes riscos foram assumidos com plena consciência”. Uma maneira de
atenuar esta sensibilidade é diminuir o número de mortes em combate: o
informe recomenda fazer um maior uso dos veículos de combate não
tripulados.
Outro caminho é mudar a “proporção” das
mortes. Nesta particular avaliação dos riscos, o Ministério da Defesa
britânico estima que uma coisa são mercenários ou membros de forças
especiais como o SAS e outra são os integrantes das forças regulares.
Neste último caso, o impacto público é muito maios e começa quando os
meios de comunicação divulgam a identidade do soldado morto que costuma
ter cerca de 10 e poucos anos e tem na foto uma expressão luminosa
carregada com toda a desolação da morte. “As pessoas resistem muito
melhor à morte de integrantes das forças especiais. A morte de 19
membros das SAS nas Malvinas não gerou grande comoção”, assegura
documento.
O inferno mais temido do Ministério da
Defesa é a repatriação de soldados mortos e sua repercussão pública nos
meios de comunicação, desde a chegada do caixão no aeroporto até a
passagem do carro fúnebre com as pessoas nas calçadas jogando flores e
chorando, tudo implacavelmente transmitido pelos noticiários. Entre 2007
e 2011, 345 militares britânicos morreram em combate e foram
repatriados com todas as honras. O informe do Ministério da Defesa
sugere cerimônias menos vistosas e dramáticas.
A ideia gerou indignação entre os familiares que a qualificaram de “brushing the deaths under the carpet” (varrer
os mortos para debaixo do tapete). “Combatem e dão a vida. Por que
temos que escondê-los? Seria francamente escandaloso”, disse ao Guardian
Deborah Allbitt, cujo marido, Stephen, morreu no Iraque.
A necessidade de preparar a opinião
pública e convencê-la da inevitabilidade da intervenção militar é o fio
condutor do informe. “Historicamente, uma vez que a população esteja
convencida de que o conflito lhe diz respeito, ela está disposta a
respaldar uma guerra com todos os seus riscos”, assinala o documento.
As Malvinas e a Irlanda do Norte são os
casos citados como exemplos desta efetiva preparação da opinião pública.
Afeganistão e Iraque são os exemplos contrários. “As pessoas estão
muito mais informadas e nossos oponentes são muito mais sofisticados na
exploração da informação na internet. O resultado é que convencer a
nação se tornou muito mais difícil, mas não por isso, menos essencial”,
indica o informe.
O documento do Ministério da Defesa é de
2012 e foi obtido pelo Guardian graças à lei de liberdade da
informação. Uns dez meses mais tarde, em agosto, o primeiro ministro
David Cameron pagou o preço político de desobedecer essas recomendações,
quando sua tentativa de envolver o Reino Unido na aventura militar na
Síria foi derrotada por uma votação na Câmara dos Comuns em meio a um
ceticismo generalizado.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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