Edna Simão e
Ribamar Oliveira
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disse que o governo quer sair da atual crise econômica mundial com uma mudança na estrutura de preços da economia brasileira - juros e câmbio, principalmente
O secretário do Tesouro
Nacional, Arno Augustin, disse que o governo quer sair da
atual crise econômica mundial com uma mudança na estrutura
de preços da economia brasileira - juros e câmbio,
principalmente. Para isso, Augustin considera fundamental
cumprir a meta de superávit primário de 2012, equivalente a
3,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
"Já que há crise, vamos, pelo
menos,
sair dela com taxa de juros muito mais adequada do que
tínhamos no passado", disse, em entrevista ao Valor. "Temos
que aproveitar este momento [de crise] para sair com uma
coisa positiva. Estamos de olho em uma mudança estrutural.
Por isso que o mix fiscal é tão importante".
Na crise de 2008-2009, o
secretário disse que o governo adotou medidas mais voltadas
ao crédito. Desta vez,
observou Augustin, o governo cuidou, desde o início, da
parte fiscal, justamente para evitar que o crédito externo
"secasse". "Para muitas empresas, a possibilidade de fazer
captações externas é fundamental", afirmou. "Olhamos muito o
fiscal para que o Brasil esteja forte nesse campo, para que
não tenha nenhum fenômeno de dúvidas sobre nossas empresas".
Augustin disse que o governo
está preocupado com os projetos em tramitação no Congresso
que elevam os gastos públicos. Para ele, o projeto que dá
novo reajuste ao piso salarial dos professores do ensino
básico é o que mais preocupa. Mas afirmou que está otimista,
pois acredita que o Congresso vai avaliar que este não é o
momento para aventura. Embora o governo ainda não tenha
decidido sobre a política salarial em 2013, Augustin deu a
entender que será concedido reajuste para algumas
categorias. Mas não este ano. A seguir os principais trechos
da entrevista:
Valor: No ano
passado, o gasto variava um pouco abaixo ou igual ao
crescimento nominal do PIB. De janeiro a maio deste ano, a
despesa cresceu 5% acima do PIB nominal. A que se deve
esta mudança?
Arno Augustin: O investimento
está crescendo mais do que em 2011 e o custeio também, pois
foram feitos pagamentos no início deste ano. Minha
expectativa é de que o investimento continuará crescendo
mais do que o PIB ao longo do ano e que o gasto de custeio
cresça um pouco menos do que está em relação ao PIB.
Portanto, o gasto total não subirá tanto; crescerá menos do
que os 5% que está até maio. Até maio, o fenômeno foi o
investimento, que, no início de 2011, estava mais lento.
Valor: Em relação aos
investimentos, o governo está sendo criticado por
incorporar nas estatísticas os gastos com o programa Minha
Casa, Minha Vida.
Augustin: Às vezes, quem
defende que o programa Minha Casa, Minha Vida seja destacado
[do investimento] esquece que ele também é uma despesa. Para
nós, o Minha Casa, Minha Vida é um programa decisivo para o
Brasil continuar crescendo. Não acho que seja um
investimento menos importante que os outros. Ele tem um
efeito multiplicador do emprego
altíssimo, efeito de melhoria das condições de vários
setores e puxa várias áreas da economia. Os demais
investimentos foram afetados pela transição do PAC [Programa
de Aceleração do Crescimento] 1 para o PAC 2 e também por
muitas mudanças de equipe. Mas eles já estão retomando.
Todas as projeções são de que no segundo semestre eles terão
um ritmo bem mais forte.
Valor: A queda da
receita administrada pela Receita Federal neste ano em
relação à projeção inicial feita pelo governo é fruto do
desaquecimento da economia?
Augustin: Nós começamos o ano
com a previsão de uma receita administrada de R$ 700
bilhões. No relatório de avaliação de receitas e despesas do
segundo bimestre, nós passamos a trabalhar com uma previsão
de R$ 690 bilhões. Por que isso ocorreu? O maior fenômeno é
o Imposto de Renda.
O IR reflete coisas de alguns meses atrás e não mede tanto a
situação atual da economia. No passado tivemos um momento de
menor aquecimento que está nas estatísticas [do IR]. Os
demais tributos têm tido um comportamento melhor que o IR,
mais próximo da projeção. Cofins e IPI [Imposto sobre
Produtos Industrializados], por exemplo, são mais aderentes
no curto prazo [ao crescimento da economia].
Valor: As projeções
de receita que constam dos relatórios de avaliação de
receitas e despesas foram programadas com base em um
crescimento econômico de 4,5%. O Banco Central (BC), por
exemplo, já projeta uma expansão de apenas 2,5%. A
estimativa de receita será ajustada à nova expectativa de
crescimento?
Augustin: Se o governo
revisar a projeção para o PIB pode ter um efeito na receita,
mas não a ponto de mudar substancialmente a nossa
programação. Nossa previsão foi cuidadosa. Nós já partimos
de uma receita que, à época, muita gente achou que estava
errada. Quando fizemos o corte de R$ 55 bilhões, aquela
receita administrada de R$ 700 bilhões foi considerada uma
projeção pessimista. Hoje, ela está em R$ 690 bilhões. Eu
não acho que a receita vai variar muito em relação a isso.
Vai variar um pouco. É normal. A gente ajusta.
Valor: O governo está
fazendo uma série de desonerações e renúncias fiscais. Vai
ter perda de arrecadação por zerar a alíquota da
Cide-combustível e receberá menos do que o previsto na
concessão do 4G. Há dúvidas sobre o comportamento da
receita até o fim do ano.
Augustin: A receita de
concessões vai ser ajustada no próximo relatório. O vencedor
(da licitação do serviço 4G) tem a opção de fazer o
pagamento à vista ou não. Ele sempre opta por pagar à vista
porque o juro que tem é alto. Minha expectativa é positiva
quanto a isso. Algumas receitas vão diminuir por conta das
desonerações. O efeito total das desonerações é negativo
(sobre a receita), mas ele é menor do que a desoneração em
si de cada tributo. A experiência mostrou isso. O tributo
que mais tem caído não é o IPI, mesmo com as desonerações. O
efeito global das desonerações é uma equação mais complexa.
Não acho que as desonerações vão ser um fator importante de
redução das receitas. No caso da Cide, a medida terá um
impacto. Mas, nesta área do petróleo, há outros fatores que
vão em sentido contrário. Por exemplo, o preço do dólar. Ele
aumenta a receita com os royalties. Outro exemplo: os
dividendos. Em 2009, nós tivemos R$ 26 bilhões de
dividendos. Este ano, estamos com R$ 23 bilhões na
programação. Então, pode aumentar, se for necessário.
"Reitero
que vamos cumprir o superávit primário, não vejo problema.
Não tem discussão de mexer na meta"
Valor: Com a
limitação eleitoral, o governo vai conseguir liberar R$
8,4 bilhões em compras governamentais para estimular a
economia ainda neste ano?
Augustin: Temos a intenção de
empenhar toda essa despesa [de compras governamentais] e,
provavelmente, pagar a maior parte neste ano. Porque são
medidas de curto prazo. Nós escolhemos setores que podiam
ter um impacto [na economia] no curto prazo. Nós trabalhamos
com setores que estavam com maior queda em relação ao PIB.
Boa parte dos convênios com os municípios será assinada até
o dia 7 de julho. Os que não forem, ficarão para depois de
outubro. Parte significativa das compras é para o Exército e
para combater os efeitos da seca.
Valor: A arrecadação
abaixo do programado e a despesa em alta não comprometem o
cumprimento da meta fiscal neste ano?
Augustin: Reitero que vamos
cumprir o superávit primário, não vejo problema. Não tem
discussão [dentro do governo] de mexer na meta. Os números
até agora não apontam nenhuma necessidade de mexer no fiscal
para ativar a economia.
Valor: É possível
fazer a política anticíclica que o governo está anunciando
sem sacrificar a meta fiscal?
Augustin: De janeiro a maio
do ano passado fizemos um primário menor do que no mesmo
período deste ano. O primário do ano passado ficou R$ 10
bilhões acima [da meta para 2011]. Nós não vamos aumentar a
meta deste ano.
Valor: Na crise de
2008, o governo concentrou sua atuação na expansão do
crédito. Agora, amplia as compras governamentais para
aumentar a demanda global?
Augustin: Há problemas em
alguns setores específicos que não decorrem da demanda
global. No caso dos caminhões, o problema tem a ver com o
Euro-5, que dificultou um pouco a produção neste ano [os
caminhões foram produzidos para utilizar um novo tipo de
diesel, menos poluente, que não estaria disponível, segundo
os frotistas, em todos os postos do país]. O problema das
máquinas agrícolas tem a ver com as dificuldades da
agricultura e da seca neste ano. Alguns setores, que são
fortes no PIB, foram prejudicados por fatores que não tem a
ver com a crise. É muito localizado. Fizemos um programa
para ativar esses setores. Não podemos deixar contaminar o
conjunto da economia por fenômenos específicos. Essa foi
nossa estratégia. Da outra vez [na crise de 2008], as
medidas foram muito voltadas para o crédito. Desta vez, nós
cuidamos, desde o início, do fiscal para que o exterior
[crédito externo] não secasse tanto para as empresas
brasileiras. Para muitas empresas, a possibilidade de fazer
captações externas é fundamental. Com a exportação ruim, uma
crise na Europa, o corte do financiamento pode ter efeito
dramático. Olhamos muito o fiscal para que o Brasil esteja
forte nesse campo, para que não tenha nenhum fenômeno de
dúvidas sobre nossas empresas. Por isso, é importante o
fiscal.
Valor: No último
boletim sobre o setor externo, o BC informou que trabalha
com a perspectiva de que este ano os empréstimos de médio
e longo prazo para as empresas brasileiras serão
praticamente iguais às amortizações das dívidas.
Augustin: Não gosto de falar
de prognósticos. Porém, quanto mais o prognóstico for
pessimista, mais é preciso agir na área fiscal. É o fiscal
que sustenta as expectativas e o empréstimo externo. Neste
semestre, várias empresas fizeram captações com taxas muito
baixas. Se existe uma preocupação de que a situação piore, e
este é um receio fundamentado na crise europeia, temos que
impedir isso. Justamente pelo fato de se ter uma visão menos
positiva é que se precisa fazer um fiscal forte.
Valor: Outros setores
podem ter o mesmo benefício?
Augustin: Estamos olhando
vários setores. Estamos estudando várias coisas sempre. Vi
algumas análises dizendo que são medidas setoriais, que não
vão resolver. O governo não acha que uma medida só vá
resolver. Nós estamos fazendo uma série de coisas. Fizemos
desonerações, adotamos medidas dentro do Programa de
Sustentação do Investimento, autorizamos empréstimos para os
Estados, reduzimos a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) e
ampliamos as compras governamentais. O governo não parou de
tomar medidas e vai tomar outras. Estamos estudando muita
coisa e acho que aos poucos vamos desfazer essa visão mais
pessimista de alguns.
"Boa parte dos problemas do
país deixará de existir quando se consolidar uma referência
de juro de curto prazo menor"
Valor: O governo
enfrentou e ganhou uma queda de braço em torno do reajuste
dos servidores para este ano. Mas hoje, não é apenas o
Judiciário que quer aumento. Já se fala em greve geral.
Vai ser possível repetir em 2013 a mesma política
de não conceder reajuste para os servidores deste ano?
Augustin: Os reajustes
salariais feitos em 2009 e 2010 foram relevantes e eles
foram feitos pensando no médio prazo. Todas as categorias
tiveram reajuste acima da inflação. Todas. Não há uma
categoria que possa dizer que de 2003 para cá tenha tido
reajuste abaixo da inflação. Para 2013, nós estamos
avaliando. Nossa sistemática, que consideramos boa até
porque sinaliza bem para o mercado, é de que só vai terá
reajuste o que tiver no Congresso Nacional até o fim de
agosto. No fim de agosto, então, se vai ter previsibilidade
sobre essa questão para o ano seguinte.
Valor: Para este ano
nem pensar em novos aumentos para os servidores?
Augustin:
Para este ano, a legislação não permite. Não há
possibilidade legal de reajuste para este ano. Só pode o
que foi enviado até agosto de 2011. Em agosto, mandaremos
[ao Congresso] o que o governo vier a decidir. Não
decidimos ainda.
Valor: O governo pode
conceder reajustes parcelados aos servidores, como já vez
no passado?
Augustin: Em 2008 e 2009,
isso foi feito e a medida foi bem sucedida. Isso dá
previsibilidade fiscal e nos ajuda no planejamento. Mas não
há definição ainda.
Valor: Não foi um
erro do governo, depois de fazer recomposição salarial dos
servidores, não ter dado um reajuste linear para todo
mundo este ano?
Augustin: Nós temos fugido da
indexação para qualquer setor. Estamos fazendo um esforço
para sair de qualquer coisa parecida. Nós estamos revisando
o tipo de indexação que se tem no sistema elétrico e em
várias áreas. Achamos que a economia funciona melhor menos
indexada. Há outras formas de evitar a perda salarial. Por
exemplo, avaliar os casos específicos das categorias. Também
é importante ter flexibilidade e, aos poucos, ir
realinhando.
Valor: Para onde
poderia caminhar mais na desindexação? Este ano, foi a
caderneta de poupança.
Augustin: O sistema elétrico
é uma coisa importante. O governo está discutindo muito para
melhorar e diminuir custos. No caso dos títulos públicos,
estamos diminuindo as LFTs [Letras Financeiras do Tesouro].
Valor: Mas ficará no
limite definido pelo PAF [Plano Anual de Financiamento]?
Ou seja, a participação das LFTs na dívida pública federal
fechar o ano entre 22% e 26%?
Augustin: Vamos cumprir o que
está previsto no PAF, mas ficando perto do limite inferior.
Estamos otimistas. Isso é importante no médio prazo,
principalmente, pelo lado da política monetária. Essa
redução [das LFTs], a mudança na caderneta de poupança, a
política fiscal forte, tudo isso gerou um ciclo virtuoso no
que concerne à política monetária. Esta é a grande coisa.
Boa parte dos problemas que o Brasil tem hoje vai deixar de
existir à medida que se consolidar uma referência de taxa de
juro de curto prazo mais baixa.
Valor: O que
significa ter uma referência de juro de curto prazo mais
baixa?
Augustin: Muita gente não
compreendeu porque o governo estava sendo tão ousado no caso
(dos empréstimos) do BNDES [Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social]. Isso era necessário
pois o investimento de longo prazo do setor privado
brasileiro é muito difícil. O Brasil tem taxa de juro de
curto prazo maior que a de longo prazo. Nos outros países é
o contrário. À medida que a taxa de juros de curto prazo for
caindo, o setor privado pode entrar no financiamento de
longo prazo e o BNDES poderá ir saindo. Em um país que tem
uma taxa Selic muito alta, não tem como o setor privado
financiar o longo prazo. O setor privado vai optar pela
Selic. Ele não vai correr risco no longo prazo para receber
uma taxa inferior a taxa básica de juros. Se a Selic começa
a cair, ele vai pensar que, se quiser rentabilidade, terá
que fazer alguma coisa. Aos poucos, então, vai-se fazendo
com que a estrutura de preços no país, o câmbio e os juros,
principalmente, esteja mais adequada ao que se quer. Isso
tem que estar considerado na nossa política. Estamos de olho
em uma mudança estrutural. Talvez a mais relevante do último
período seja a queda dos juros, dos spreads bancários.
Estamos olhando isso também. Aproveitar este momento [de
crise] para sair com uma coisa positiva. Já que há crise, o
que é negativo, vamos, pelo menos, sair dela com taxa de
juros muito mais adequada do que tínhamos no passado. Por
isso que o mix fiscal é tão importante.
Valor: Os
governadores estão preocupados com os projetos de lei em
discussão no Congresso que criam novas despesas.
Augustin: Os governadores, a
presidenta, o ministro da Fazenda, do Planejamento... O
secretário do Tesouro é o que mais gosta de ver todos
preocupados com isso.
Valor: Pode ter um
impacto fiscal forte nas contas públicas.
Augustin: São vários projetos
e estamos monitorando todos eles. O que mais preocupa os
governadores é o piso dos professores do ensino básico. Esse
piso já teve um reajuste de 22% e agora se discute um
aumento de mais 20% no ano que vem. Mas nós esperamos ser
bem sucedidos, como fomos no ano passado na gestão dos
servidores, para que estas coisas não aconteçam. Não
acredito que o Congresso vá, num momento de crise
internacional, permitir um desequilíbrio importante [nas
contas]. Acho que o Congresso vai ter a avaliação correta de
que não é o momento para esse tipo de aventura. Estamos
preocupados, analisando, conversando. Pode quebrar um
Estado. Mas estou otimista.
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