quarta-feira, 18 de julho de 2012

Estrangeiros compram mais 167 empresas no primeiro semestre de 2012


Durante o primeiro semestre deste ano, 167 empresas nacionais foram
compradas por multinacionais. Foi a maior liquidação de empresas privadas
brasileiras num único semestre de toda a história do país, batendo o
recorde do primeiro semestre de 2011 (94 empresas desnacionalizadas), que,
por sua vez, batera o recorde do primeiro semestre de 2010 (77 empresas
desnacionalizadas). Em relação ao semestre anterior, a desnacionalização
de empresas aumentou 77%.
São dados da última “Pesquisa de Fusões e Aquisições” da consultoria KPMG,
e correspondem às operações “cross border 1” (cb1) – descritas
sucintamente como “empresa de capital majoritário estrangeiro adquirindo,
de brasileiros, capital de empresa estabelecida no Brasil”.

De que países são as multinacionais que adquiriram essas empresas nacionais?

A maior parte, 71 empresas nacionais, foi adquirida por multinacionais dos
EUA. Em segundo, 13 empresas nacionais foram tomadas por multinacionais
com sede na França. Em terceiro, as multinacionais com sede na Inglaterra
levaram 12 empresas nacionais. Em quarto, 11 empresas nacionais passaram
para o controle de multinacionais da Alemanha. Em quinto, vêm as empresas
com sede no Canadá, que adquiriram 8 empresas nacionais. Em sexto, as
japonesas, que passaram a controlar mais 6 empresas que antes eram
nacionais.

Depois disso, vieram as companhias com sede na Holanda (que passaram a
controlar mais 5 empresas que eram nacionais), Suíça (mais 5 empresas),
Espanha (mais 4 empresas), África do Sul (4 empresas), Itália (mais 3
empresas), Chile (3 empresas), México (3 empresas), Suécia (2 empresas),
Bélgica (2 empresas), Israel (2 empresas), Austrália (2 empresas), Índia
(2 empresas), Portugal (2 empresas), Argentina (2 empresas), China (1
empresa), Finlândia (1 empresa), Irlanda (1 empresa), Singapura (1
empresa), Emirados Árabes Unidos (1 empresa).

Essas transações têm a aparência de um bazar, mas vejamos mais um
elemento: o ramo das empresas que foram desnacionalizadas.

Assim, no semestre, o capital externo adquiriu controle de empresas,
anteriormente nacionais, nos seguintes setores (entre parênteses, o número
de empresas desnacionalizadas no setor):

Serviços para empresas (21); tecnologia da informação (17); produtos
químicos e farmacêuticos (10); alimentos, bebidas e fumo (9);
telecomunicações e mídia (8); eletroeletrônico (7); mineração (7);
produtos químicos e petroquímicos (6); companhias energéticas (3);
produtos de engenharia (4); imobiliário (3); petróleo e gás (2); 
instituições financeiras (2); açúcar e etanol (1);  publicidade e editoras
(7); educação (2);  shopping centers (5); higiene (1); transportes (1);
lojas de varejo (2);  metalurgia e siderurgia (2); construção e produtos
de construção (4); serviços portuários e aeroportuários (2); autopeças
(2);  hotéis e restaurantes (1); aviação (5); fertilizantes (2);
embalagens (3); montagem de veículos (2);  empresas de internet (18); e,
ainda, 8 empresas com ramo não especificado, classificadas pela KPMG na
rubrica “outros”, foram também desnacionalizadas.

APETITE

A torrefação de empresas nacionais foi tão extraordinária – poderíamos
dizer, sem exagero, tão escandalosa – que até os profissionais da KPMG,
que têm como especialidade a fusão e aquisição de empresas, mostraram o
seu espanto diante do “apetite dos estrangeiros comprando empresas no
Brasil”, “situação que nunca havíamos visto até então” (sic).

O mais espantoso, no entanto, é que o governo ficou assistindo uma
liquidação frenética de empresas nacionais, sem fazer absolutamente nada,
como se a passagem em massa de patrimônio construído por brasileiros, com
recursos brasileiros, para controle fora do país, fosse algo normalíssimo.
“A participação estrangeira”, diz a nota da KPMG, “ganhou força inclusive
em setores em que a presença brasileira foi tradicionalmente majoritária,
como é o caso do ramo de Tecnologia da Informação”.

Nas tabelas desta página, o leitor poderá comparar o primeiro semestre
deste ano com os de anos anteriores – e, na segunda, as desnacionalizações
nos últimos oito anos e meio, período em que passaram a ser controladas de
fora do país nada menos que 1.167 empresas que antes eram nacionais - 
86,46% delas (1.009 empresas) depois que o ministro Mantega, ao assumir a
Fazenda, em 2006, implementou a esdrúxula, embora não original, política
de que o “investimento direto estrangeiro” (isto é, as multinacionais e a
compra, por elas, de empresas nacionais) era a força motriz do nosso
desenvolvimento.

Hoje, há sujeitos que ficam indagando nos jornais por que, apesar das
medidas do governo, a economia não se recupera.

A questão é que a economia do país tem de existir para que se recupere. O
que se permitiu até agora, e de forma mais grave ainda em 2011 e 2012, é a
morte de partes gigantescas da economia nacional, tomada por empresas de
outros países, sobretudo dos EUA, através da aquisição de patrimônio
nacional já construído. Com alguns trilhões de dólares emitidos pelo FED
desde 2008, qual a dificuldade de comprar empresas nacionais já
construídas, se o governo não faz nada – pelo contrário – para impedir
esse falecimento econômico nacional?

Certamente, sustentar as filiais de multinacionais com dinheiro do BNDES
ou dos impostos não vai resolver o problema, exceto o das próprias
multinacionais, aumentando sua margem de lucro – e possibilitando mais
remessas de lucros para suas matrizes. Assim, como esperar que a economia
se recupere, se não é a economia do Brasil que está sendo “estimulada”?

Desde o princípio do século XX se sabe – e existe vasta literatura,
inclusive a favor desse esbulho, afirmando isso – que ter as decisões
sobre a economia localizadas fora do país, ter os “centros de decisão”
sobre nós em outros países, leva ao atraso, pois é óbvio que essas
decisões não serão tomadas em função do nosso país. Isso é, exatamente, o
que acontece quando a economia é invadida por filiais e subsidiárias das
multinacionais. Se deixadas à solta, elas são um mero meio de transferir
riqueza do país onde estão para aquele onde está a sua matriz.

O fato dessa política – com todos os “investment grade” concedidos por
agências de “rating” que logo se desmoralizaram como antros de vigaristas
(como bem sabe a presidente Dilma, que assistiu várias vezes ao
documentário “Inside Job”) - ter levado a um fracasso estrondoso em
2008/2009, que só não foi uma hecatombe porque o presidente Lula resolveu
tomar as rédeas da política econômica e colocar no centro o investimento
público, com o PAC, o financiamento público, através dos bancos estatais,
e, não menos importante, os gastos de custeio do governo a serviço do
crescimento, não fez com que Mantega desistisse dessa miséria. Pelo visto,
trata-se de um problema de interesses - e não de teoria econômica, ou de
lógica, pois não há nenhuma lógica, muito menos teoria de qualquer
espécie, nessa política à la Pétain.

Nesse sentido, nada há de mais meramente, vulgarmente ideológico do que
essa política, pois não há nada na realidade – exceto alguns interessados
–senão o seu inevitável fracasso.

Trata-se apenas de uma questão prática: não é possível desenvolvimento –
nem crescimento, exceto algum ocasional voo de galinha – que não seja
baseado nas empresas nacionais, estatais e privadas. Já mostramos que a
única possibilidade das multinacionais aportarem alguma contribuição ao
nosso crescimento é ter a economia baseada nas empresas nacionais (HP,
20/07/2012 e HP, 22/07/2012).

É tão óbvio que empresas estrangeiras não podem ser o setor principal da
economia de um país, sob pena de levá-lo à estagnação e ao retrocesso, que
nem é necessário argumentar que o fim da economia nacional não pode
redundar em desenvolvimento nacional. Bastam os fatos: que país conseguiu
progredir sem economia própria, isto é, tomada por uma economia externa ou
por várias economias externas?

Se fosse possível essa mágica, por que os países lutaram tanto para sair
do status de colônia? Só porque é mais bonito ser uma nação? Mas, só é
mais belo ser uma nação porque esse é o único caminho para o progresso de
um país.

CARLOS LOPES

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