O desafio da terceirização no Brasil
José Álvaro de Lima Cardoso*
Pode-se conceituar a terceirização como o
processo através do qual a empresa transfere para outra, atividades ou
processos anteriormente realizados por ela. O fenômeno da terceirização não é
novidade no Brasil, desde a década de 1970 existem registros de casos, porém como
um instrumento meramente complementar à atividade produtiva. No início da década
de 1990, no entanto, a terceirização, virou uma espécie de “onda” no meio empresarial,
um dos aspectos de uma ampla reestruturação produtiva[1],
que marcou a economia brasileira na década de 1990. Nessa década, portanto, a
terceirização deixa de ser uma política de gestão usada marginal e
localizadamente e passa a ser aplicada de forma ampla e intensa, especialmente
nas firmas de grande porte.
No contexto acima descrito, a terceirização
surge como uma reação das empresas a uma conjuntura que combinava, no início
dos anos de 1990: recessão econômica, abertura da economia às importações,
privatizações e outras mudanças estratégicas na condução da economia e da sociedade
brasileiras. A terceirização, enquanto instrumento de gestão empresarial, pode
ser considerada válida em muitos casos, pois possibilita a focalização da empresa
naquilo que ela faz de melhor, e na sua “missão” enquanto unidade produtiva,
seja de produtos manufaturados, seja de serviços ou comércio. Essa focalização tem
como objetivo elevar os níveis de produtividade e a qualidade da produção ou
serviço prestado.
Todavia, em função do contexto histórico, a
experiência concreta de terceirização no Brasil vem associada com: a) precarização
das condições de trabalho e insegurança; b) redução do emprego, isto é a
empresa terceira não recontrata todos os trabalhadores desligados pela
empresa-mãe, por ocasião da terceirização; c) redução de salários, quase sempre
os trabalhadores terceirizados ganham menos que os demais, ainda que exerçam a
mesma função do trabalhador não terceirizado; d) desqualificação: na política
de treinamento das empresas dificilmente o trabalhador terceiro é incluído; e) jornadas
superiores aos demais trabalhadores (em alguns casos).
A terceirização surgiu no Brasil,
portanto, muito mais como uma forma de as empresas reagirem aos desafios de
mercado, impostos pela política econômica praticada no país na década de 1990,
do que propriamente como uma alternativa virtuosa de avanços da produtividade e
da qualidade da produção. O problema tem sido agravado pelo fato de que, à exemplo
do que ocorre com a reestruturação produtiva em geral, os sindicatos de
trabalhadores não têm conseguido interferir eficazmente - através da negociação
coletiva - no processo de terceirização, mesmo que isso signifique redução de
empregos e precarização das condições de trabalho. A visão predominante nas empresas
é que este é um problema meramente administrativo, que não diz respeito às
direções sindicais. Esta é uma questão bastante séria, porque a terceirização,
além de representar redução de empregos, leva também à fragmentação sindical, na
medida em que trabalhador terceirizado não se associa ao sindicato, não
participa dos fóruns sindicais, ganha menos, não tem benefícios, é
desqualificado e tem mais medo de perder o emprego. Por conseguinte, seu poder
de barganha e negociação perante o patrão é praticamente nulo.
O
problema é extremamente complexo, pois não é possível, simplesmente “desterceirizar”
o mercado de trabalho brasileiro, na medida em que já se estima em 12 milhões o
número de trabalhadores terceirizados no país. Ou seja, é um processo sem
volta. Neste contexto, tudo indica que os esforços têm que ser no sentido de
regulamentar o trabalho terceirizado, garantindo plenos direitos e a garantia
de uma vida decente a estes trabalhadores. Cabe à sociedade brasileira
encontrar os instrumentos para vencer mais este desafio. Não podemos imaginar
que atingiremos a condição de grande nação mantendo tantas formas de trabalho
indigno, como o escravo, infantil e precarizado. Acabar com estas e outras mazelas
do mercado de trabalho está entre as grandes tarefas da sociedade brasileira para
os próximos anos.
*Economista e
supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
[1]
Isto é, o conjunto de profundas inovações tecnológicas e organizacionais na
produção capitalista. Nessa definição podemos incluir desde a aplicação na
produção das inovações no campo da microeletrônica até as mudanças da gestão da
produção (CCQs, Programas de Qualidade Total, reengenharia,downsizing, etc).
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