"A dificuldade da "economia política clássica" foi reconhecer o
significado econômico das nações, não apenas na prática mas também na
teoria". Eric Hobsbawm, "Nações e Nacionalismo desde 1780", Paz e Terra,
1990, p: 37
Desde a Revolução
Francesa, a palavra "nacionalismo" teve várias definições e conotações
políticas e emocionais, variando segundo o tempo e o lugar, e aparecendo
ora como uma ideologia ou sentimento, ora como um movimento social ou
estratégia política. Na sua origem histórica, sobretudo na França e nos
Estados Unidos, foi um movimento revolucionário, democrático e cidadão,
depois passou a ter uma conotação predominantemente cultural e
etnolinguística, sobretudo na Europa Central, para se transformar,
finalmente, num projeto político de construção e/ou fortalecimento dos
Estados nacionais que nasceram - dentro e fora do continente europeu - a
partir das independências americanas. Mas foi só na segunda metade do
século XIX que o nacionalismo adquiriu uma face e uma formulação
explicitamente econômica e se transformou num instrumento de luta dos
países "atrasados" contra a supremacia inglesa.
É bem verdade que depois
do século XVI o desenvolvimento econômico capitalista se deu sempre com
base em Estados territoriais que praticaram políticas mercantilistas de
defesa de suas economias nacionais, e nesse sentido se pode dizer que
sempre existiu algum tipo de nacionalismo econômico "primitivo", desde a
origem do sistema estatal europeu. Mas foi só na Alemanha, no século
XIX, que se formulou uma teoria e uma estratégia nacionalista
consistente de desenvolvimento econômico, a partir de objetivos
geopolíticos explícitos. Na sua obra mais importante, publicada em 1841,
o economista alemão Friedrich List criticava a "economia política
clássica" por condenar as nações menos desenvolvidas a "rolar
eternamente a pedra de Sísifo" do atraso, exatamente porque havia
"excluído completamente a política da ciência econômica, ignorado a
existência da nacionalidade, e desconhecido completamente os efeito
s da guerra sobre o comércio entre as nações" (1986, p:128). Depois da
morte de List e da primeira unificação alemã, em 1871, estas ideias
contribuíram decisivamente para o desenho de uma estratégia consciente
de desenvolvimento e industrialização, combinada com uma visão ufanista
da cultura germânica e com um projeto geopolítico de unificação e
expansão do poder alemão, em direta competição com o poder comercial e
naval da Grã-Bretanha.
Por que os sucessos econômicos do passado foram interrompidos por retumbantes fracassos políticos?
Desde então, o sucesso
econômico da Alemanha se transformou no paradigma de referência do
nacionalismo econômico, em todo mundo, e teve uma importância particular
na história da Rússia e do Japão, países que têm várias semelhanças
geopolíticas com a Alemanha. Entre o fim da "Guerra dos 30 Anos", em
1648, e a unificação de 1871, o território atual da Alemanha foi
dividido e "balcanizado", de forma ativa e conivente, pelas grandes
potências europeias, e só conseguiu se unificar depois de três guerras
sucessivas e vitoriosas, da Prússia contra a Dinamarca, a Áustria e a
França, na década de 1860.
Mas mesmo depois da
unificação, a Alemanha sempre se sentiu um país cercado e pressionado,
carregando um enorme atraso político e econômico e um profundo
ressentimento com relação às "grande potências" responsáveis pela
criação do sistema inter-estatal e do capitalismo europeu, e pela
liderança da conquista europeia do "resto do mundo". É neste contexto de
atraso, cerco e ressentimento nacional, que se deve situar a permanente
preocupação defensivo-expansionista da Alemanha, dentro de um "espaço
vital" supra-nacional a ser conquistado e preservado. É neste contexto
também que se deve situar o "intense commitment" de suas elites civis,
militares e intelectuais, que teve um papel decisivo no desempenho
econômico do nacionalismo alemão. Em maior ou menor medida, se pode
reencontrar muitas destas características na história da Rússia/URSS e
do Japão, e nos seus grandes ciclos de intenso crescime
nto econômico, desde o século XIX, e mesmo entre 1950 e 1991, apesar de
que neste período o Japão e a Alemanha fossem transformados em
"protetorados militares" a serviço da estratégia militar global dos EUA.
Agora de novo, neste
início do século XXI, Alemanha, Rússia e Japão estão seguindo
estratégias econômicas nacionalistas, orientadas por seus grandes
objetivos estratégicos nacionais permanentes, de defesa e luta pelas
suas hegemonias regionais. Para pensar o futuro ou tirar lições,
entretanto, seria importante primeiro entender porque os seus grandes
sucessos econômicos e tecnológicos do passado acabaram sendo
interrompidos por retumbantes fracassos políticos e/ou geopolíticos.
José Luís Fiori é
professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política
Internacional da UFRJ, e autor do livro "O Poder Global", da Editora
Boitempo, 2007.
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