sábado, 7 de julho de 2012
Capitalismo (de novo) em crise
Valor Econômico, 06/07/2012
Por Samuel Brittan
"As pessoas da mesma profissão raramente se reúnem, seja para festejos ou diversão,
mas quando isso ocorre, a conversa sempre termina em uma conspiração contra o
público ou em algum artifício para aumentar preços. É, de fato, impossível impedir tais
reuniões com qualquer lei que possa ser executada e que, ao mesmo tempo, seja
consistente com a liberdade e justiça. Mas, embora a lei não possa impedir as pessoas da
mesma profissão de se reunirem de vez em quando, não deve fazer nada para facilitar
tais encontros e muito menos torná-los necessários." Adam Smith, A riqueza das nações
Sendo um dos poucos comentaristas que sempre defendeu o capitalismo de mercado
competitivo, preciso perguntar-me algumas questões. Além dos escândalos como o da
manipulação da taxa interbancária do mercado de Londres (Libor), tivemos o
comportamento dos bancos antes da grande recessão; a tendência a uma concentração
muito maior de renda e riqueza, espremendo os padrões de vida dos cidadãos comuns; e
seria possível continuar com muito mais. Se alguém, no entanto, estiver esperando que
eu faça uma convocação a favor de uma maior participação e supervisão do Estado,
ficará desapontado.
Encabeçando os argumentos pelos mercados competitivos está a promoção à liberdade
de escolha. Também ajudaram a gerar o maior aumento de riqueza na história da
humanidade. Em sua forma ideal, têm uma tendência igualitária. Não uma igualdade
literal de condições ou mesmo de oportunidades, mas uma tendência a que rendas
excepcionalmente grandes sejam corroídas por novos participantes e a criar escadas que
os mais ambiciosos podem subir. Isso, às vezes, é chamado de "o sonho americano",
mas sua atratividade não é limitada geograficamente. Existiram vários esboços para uma
economia de mercado não capitalista, mas apesar de alguns êxitos de cooperativas de
trabalhadores, enquanto sistemas econômicos, eles continuaram apenas como esboços.
A "reforma" financeira com a lei Dodd-Frank tinha 2.139 páginas e ficou conhecida
como a "Lei do Pleno Emprego para Advogados e Consultores". A complexidade
serve para esconder as lacunas. E não se pode esperar que políticos gostem de abolir
todos os subsídios
O que, então, saiu errado? Em termos gerais, é difícil ir além de Adam Smith. Poucos
de nós gostam de concorrência; e a tendência a formar grupos coesos para manter
forasteiros à margem é tão antiga quanto a raça humana. Como exemplo pré-capitalista,
basta lembrar-se das guildas medievais, seja de artesãos ou de mestres-cantores. Mais
sutis são as práticas de banqueiros, já que vêm disfarçadas como serviços para os
clientes. Em resumo, o sucesso depende mais de quem se conhece e não do que se
conhece. Daí os termos "capitalismo clientelista ou de compadres".
Um exemplo pungente é mostrado por Luizi Zingales, em seu recente livro, "A
Capitalism for People" (Um capitalismo para as pessoas, em inglês). Ele foi aos Estados
Unidos para escapar do capitalismo de compadres em sua Itália natal, onde as
perspectivas dependiam quase inteiramente de ter os contatos adequados e de não
perturbar as autoridades. Depois de 24 anos nos Estados Unidos, no entanto, ele está
angustiado por ter encontrado uma nova versão de capitalismo clientelista alcançando-o
lentamente. Os negócios modernos são complexos demais para permitir que muitos
outros Henry Ford ou Bill Gates conquistem seu caminho. Também está a "captura" dos
órgãos de regulamentação por aqueles que supostamente deveriam ser fiscalizados.
Tudo isso, contudo, é auxiliado e instigado pela corrupção do sistema político, com um
dos exemplos mais graves sendo a recente decisão da Suprema Corte dos EUA de
conceder direitos quase ilimitados para intervenções de empresas no processo eleitoral.
Vou me arriscar a entrar em polêmica ao destacar que vejo processos similares, embora
mais sutis, na União Europeia (UE). Um grupo, de políticos e autoridades que
selecionam a si próprios, promoveu uma forma de integração burocrática e intrusiva, na
qual os integrantes raramente consultam seus eleitorados. O que todas as formas de
clientelismo têm em comum é a paixão pelo sigilo e o ódio pelas discussões abertas. A
primeira vez que vi isso foi com as tentativas oficiais para abafar as discussões sobre a
possibilidade de desvalorização no Reino Unido antes de 1967, ano em que isso acabou
acontecendo. Mais recentemente, no entanto, me deparei com o mesmo quando um
diretor de um dos vários órgãos bancários da UE, em geral, muito sensato, me disse sob
completo sigilo que qualquer ruptura do euro era inimaginável e indiscutível.
A mais interessante das reformas sugeridas por Zingales é a redução em complexidade.
A "reforma" financeira com a lei Dodd-Frank nos EUA em 2010 tinha 2.139 páginas e
ficou popularmente conhecida como a "Lei do Pleno Emprego para Advogados e
Consultores". A complexidade serve para esconder as lacunas. E não se pode esperar
que nenhum político goste da proposta de Zingales de abolir todos os subsídios a setores
produtivos. Medidas para limitar os grupos lobistas são tão importante quanto.
O maior obstáculo para a reforma é que os envolvidos podem devotar tempo e energia
para manter suas posições. Para os cidadãos comuns, a reforma política é um espetáculo
secundário que dificilmente compensa esses esforços. Os protestos nos centros
financeiros têm boas intenções, mas são tentativas mal direcionadas para anular essa
propensão.
Ainda assim, "nil desperandum", nunca se desespere. As "leis do milho" no Reino
Unido foram derrubadas e as leis antitruste nos EUA, aprovadas; e, com o tempo, tanto
financistas como "eurocratas" serão derrubados. (Tradução de Sabino Ahumada)
Samuel Brittan é comentarista econômico do FT desde 1966. Foi condecorado
cavaleiro em 1993 por "serviços ao jornalismo econômico", mesmo ano em que se
tornou "Chevalier de la Legion d'Honneur".
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