quarta-feira, 18 de julho de 2012

Economia verde-financeira associada ao novo código florestal aumenta caos fundiário e ambiental


Escrito por Guilherme C. Delgado



Sexta, 13 de Julho de 2012



Há poucos dias, o atual presidente da Associação Brasileira de Reforma
Agrária (ABRA), Gerson Teixeira, chamou atenção em artigo veiculado pela
internet para uma mudança introduzida pelo novo Código Florestal (Art. 41,
parágrafo 4), que institucionaliza os Títulos de Carbono e Cotas de
Reservas Legais como mecanismo de comércio de crédito de carbono,
instrumento financeiro que se propõe a vender excessos de oxigênio gerados
pelas florestas nacionais em compensação aos setores emissores líquidos de
dióxido de carbono na atmosfera.



Essa iniciativa, analisada sob os enfoques fundiário, ambiental e
internacional, a depender da implementação que venha a ter, contém riscos
sociais enormes, que provavelmente passaram desapercebidos, exceto pelos
espertos caçadores de oportunidades a qualquer custo. Vamos tentar
traduzir para o leitor esses riscos, associados à via financeira da
economia verde e da sua conexa internacionalização do mercado de terras,
que a nova norma do Código Florestal pretende introduzir.



Títulos de Carbono e Cotas de Reservas Legais são títulos patrimoniais
novos, que ‘proprietário e possuidores’, conforme o texto legal, uma vez
emitindo-os, convertem o ativo real a que se reportam (território
florestal sob comércio) em direito de propriedade do comprador. Negociados
em Bolsas de Valores ou de Commodities, tais títulos seriam via certa e
direta da internacionalização do mercado de terras, principalmente das
terras de vasta cobertura florestal natural – a Amazônia Legal brasileira
em especial, mas não apenas. A avaliação financeira desses
créditos/débitos de carbono irá depender evidentemente do ‘valor’ que esse
comércio venha a alcançar no mercado global.



Por outro lado, títulos patrimoniais para negociação no mercado financeiro
requerem titularidade legal reconhecível, sob pena de a transação
envolvida não se efetivar. Aí reside um grave problema brasileiro, de
natureza fundiária, que está envolvido na questão. A titularidade da
esmagadora maioria dos territórios das florestas em Parques e Reservas,
Terra Indígena e Terras Devolutas, é da União ou dos estados, não obstante
em toda essas áreas públicas haver intrusão de grileiros e em pequenas
dimensões de posseiros familiares. Essas terras públicas, para entrarem no
mercado financeiro, no formato que o Código Florestal institui,
precisariam ser privatizadas legalmente, para somente então serem
financeirizadas e internacionalizadas.



Esse processo que a economia verde de vertente financeira persegue ignora
absolutamente a situação agrária do país, a população camponesa e, por que
não dizer?, também o meio ambiente. Isto porque crédito de carbono emitido
a partir do fato natural (absorção de dióxido e emissão de oxigênio) não
envolve nenhum trabalho humano, mas sim a captura de uma renda fundiária
ambiental mundial, por conta de uma ilegítima apropriação privada do
território. Tampouco melhora a situação ambiental das regiões nacionais de
agricultura avançada, que também poderiam compensar seus débitos com
compra de títulos no mercado financeiro.



É necessário olhar com muita cautela a regulamentação deste texto legal
(Código Florestal). Isto porque muito astutos de ocasião, percebendo um
pouco a exaustão do ‘boom da commodities’ que caracterizou o ciclo
expansivo primário-exportador da última década, podem estar tentando
ensaiar um movimento tìpicamente financeiro de internacionalização do
mercado de terras, sob etiqueta verde.



Aparentemente, o governo Dilma encampou desapercebidamente a jogada dos
verdes de vertente financeira. Terá a oportunidade da regulamentação legal
para colocar freios na especulação mais escandalosa, sob pena de produzir
uma enorme confusão fundiário-financeira. Até certo ponto, a desordem de
titularidades fundiárias no país como um todo e na Amazônia Legal em
particular são um sério obstáculo à perpetuação da engenharia financeira
preconizada no Código Florestal. Mas como bem observou o competente
geógrafo Ariovaldo Umbelino, uma nova Lei de Terras, à imagem e semelhança
daquela de 1850, pode ser o sonho ruralista para realizar essa nova
vertente financeira do mercado de terras.



Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da
Comissão Brasileira de Justiça e Paz.



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