Há meses os espanhóis tomam café da manhã
cada dia com uma notícia pior que a do dia anterior. O mecanismo da
espiral é endemoninhado: o governo de Mariano Rajoy anuncia um ajuste
brutal no gasto público – apresentado pela imprensa como o “maior da
história contemporânea” – com a suposta intenção de acalmar os mercados
que elevam a cada dia a taxa de risco, o diferencial em relação aos
títulos alemães que a Espanha deve pagar no mercado internacional da
dívida pública para se financiar. O artigo é de Oscar Guisoni.
Oscar Guisoni - Especial para Carta Maior
Data: 23/07/2012
Madri - A crise econômica espanhola se
parece cada vez mais com uma espiral descendente cujo fundo ninguém
conhece e cuja saída ninguém se anima a apontar. Há meses os espanhóis
tomam café da manhã cada dia com uma notícia pior que a do dia anterior.
O mecanismo da espiral é endemoninhado: o governo de Mariano Rajoy
anuncia um ajuste brutal no gasto público – apresentado pela imprensa
como o “maior da história contemporânea” – com a suposta intenção de
acalmar os mercados que elevam a cada dia a taxa de risco, o diferencial
em relação aos títulos alemães que a Espanha deve pagar no mercado
internacional da dívida pública para se financiar.
Mas o objetivo (suposto) não se cumpre e, no dia seguinte, a taxa de risco dispara a níveis superiores aos alcançados antes do ajuste porque as restrições econômicas, dizem os economistas – que se tornaram verdadeiras estrelas nos meios de comunicação locais – só produzem maior recessão, mais desemprego, menos consumo e, por conseguinte, menos arrecadação de impostos por parte do Estado. Ante esta situação, e para cumprir com os objetivos estritos de déficit público impostos pela União Europeia, o governo se vê obrigado a realizar outro ajuste e assim até o infinito.
No caminho, está claro, vão ficando direitos trabalhistas adquiridos, milhares de novos desempregados, profissionais que abandonam o país, imigrantes que regressam para sua terra e centenas de milhares de manifestantes que mostram sua impotência nas ruas.
Os últimos acontecimentos, porém, mostram que o ritmo da queda se acelerou. Durante a semana passada, o governo do conservador Partido Popular, cada dia mais questionado nas ruas, anunciou um desses ajustes brutais (como já havia feito o socialista José Luís Rodríguez Zapatero), chegando a tirar o pagamento extra de Natal aos funcionários, rebaixando salários, cortando dias de descanso de trabalho...A resposta foi uma massiva demonstração de força de uma sociedade que não se resigna à vertigem da queda. Manifestações em mais de 80 cidades, milhões de cidadãos nas ruas, os sindicatos em pé de guerra.
Como nem assim a crise da dívida é equacionada, o governo pede um resgate “encoberto” de 100 bilhões de euros e, para completar o círculo, nem sequer informa corretamente no parlamento quais são as condições, que a imprensa descobre no dia seguinte porque os papeis que o governo conservador não quer tornar públicos, acabam sendo publicados pelos outros governos europeus envolvidos.
Questionado no parlamento por essa falta de transparência, o ministro da Economia De Guindos dá uma explicação brutal: “Se vai dar o golpe, convém não revelar publicamente as razões. É preciso ser cuidadoso com as cartas que tem e como as apresenta”. O problema é que o governo do PP apresentou o resgate como um empréstimo que seria pago pela banca privada, mas a União Europeia esclareceu que não era assim e essa dívida deveria ser assumida pelo Estado espanhol.
Na segunda-feira os “mercados” responderam a tanta “boa vontade” dos dirigentes políticos que conduzem o estado com uma nova alta da taxa de risco e outra onda de rumores sobre a saúde da economia espanhola no longo prazo, acompanhada de uma queda na bolsa que obrigou Madri a fechar até outubro a possibilidade de realizar certo tipo de manobras especulativas. Mas como bem assinala em seu blog o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, a banca tem problemas porque financiou estados que hoje enfrentam dificuldades para pagar - assim como também particulares que acabaram quebrando – e o Estado se vê obrigado a resgatá-la. Mas, para resgatar a banca, tem que se endividar, com o que a espiral fica completa e não oferece saída à vista.
“Está mais difícil do que nunca imaginar situações plausíveis nas quais o euro sobreviva”, conclui Krugman, um dos poucos economistas que vem advertindo há meses a opinião pública espanhola sobre a “loucura” e a “perversidade” da espiral em que a meteram os apologistas do neoliberalismo econômico que ocupam o Ministério da Economia.
Ante a severidade da crise os representantes da classe política reagem como na Grécia. O ex-líder do governo socialista Felipe González insinua que faz falta um grande acordo nacional e o PSOE, na oposição, critica e não vota os cortes, embora não possa deixar de reconhecer que foi seu governo, finalizado há apenas alguns meses, que começaram a realizá-los. A resposta na rua é ambivalente. Por um lado crescem os protestos, mas também cresce o sentimento anti-político.
Como não há opções à vista com possibilidade de tomar o poder e de implementar políticas econômicas alternativas, as consignas e os chamados nas redes sociais se parecem com aqueles que inundaram a Argentina antes do estouro de 2001. Que se vão todos! Por enquanto, segundo um recente artigo do El País, os únicos que estão indo embora são os espanhóis que estão indo viver em outro país. Mais de cem mil já saíram em 2011, segundo o portal Publico e os números de 2012 não fazem outra coisa que aumentar. O êxodo parece não ter fim, como a crise.
Tradução: Katarina Peixoto
Mas o objetivo (suposto) não se cumpre e, no dia seguinte, a taxa de risco dispara a níveis superiores aos alcançados antes do ajuste porque as restrições econômicas, dizem os economistas – que se tornaram verdadeiras estrelas nos meios de comunicação locais – só produzem maior recessão, mais desemprego, menos consumo e, por conseguinte, menos arrecadação de impostos por parte do Estado. Ante esta situação, e para cumprir com os objetivos estritos de déficit público impostos pela União Europeia, o governo se vê obrigado a realizar outro ajuste e assim até o infinito.
No caminho, está claro, vão ficando direitos trabalhistas adquiridos, milhares de novos desempregados, profissionais que abandonam o país, imigrantes que regressam para sua terra e centenas de milhares de manifestantes que mostram sua impotência nas ruas.
Os últimos acontecimentos, porém, mostram que o ritmo da queda se acelerou. Durante a semana passada, o governo do conservador Partido Popular, cada dia mais questionado nas ruas, anunciou um desses ajustes brutais (como já havia feito o socialista José Luís Rodríguez Zapatero), chegando a tirar o pagamento extra de Natal aos funcionários, rebaixando salários, cortando dias de descanso de trabalho...A resposta foi uma massiva demonstração de força de uma sociedade que não se resigna à vertigem da queda. Manifestações em mais de 80 cidades, milhões de cidadãos nas ruas, os sindicatos em pé de guerra.
Como nem assim a crise da dívida é equacionada, o governo pede um resgate “encoberto” de 100 bilhões de euros e, para completar o círculo, nem sequer informa corretamente no parlamento quais são as condições, que a imprensa descobre no dia seguinte porque os papeis que o governo conservador não quer tornar públicos, acabam sendo publicados pelos outros governos europeus envolvidos.
Questionado no parlamento por essa falta de transparência, o ministro da Economia De Guindos dá uma explicação brutal: “Se vai dar o golpe, convém não revelar publicamente as razões. É preciso ser cuidadoso com as cartas que tem e como as apresenta”. O problema é que o governo do PP apresentou o resgate como um empréstimo que seria pago pela banca privada, mas a União Europeia esclareceu que não era assim e essa dívida deveria ser assumida pelo Estado espanhol.
Na segunda-feira os “mercados” responderam a tanta “boa vontade” dos dirigentes políticos que conduzem o estado com uma nova alta da taxa de risco e outra onda de rumores sobre a saúde da economia espanhola no longo prazo, acompanhada de uma queda na bolsa que obrigou Madri a fechar até outubro a possibilidade de realizar certo tipo de manobras especulativas. Mas como bem assinala em seu blog o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, a banca tem problemas porque financiou estados que hoje enfrentam dificuldades para pagar - assim como também particulares que acabaram quebrando – e o Estado se vê obrigado a resgatá-la. Mas, para resgatar a banca, tem que se endividar, com o que a espiral fica completa e não oferece saída à vista.
“Está mais difícil do que nunca imaginar situações plausíveis nas quais o euro sobreviva”, conclui Krugman, um dos poucos economistas que vem advertindo há meses a opinião pública espanhola sobre a “loucura” e a “perversidade” da espiral em que a meteram os apologistas do neoliberalismo econômico que ocupam o Ministério da Economia.
Ante a severidade da crise os representantes da classe política reagem como na Grécia. O ex-líder do governo socialista Felipe González insinua que faz falta um grande acordo nacional e o PSOE, na oposição, critica e não vota os cortes, embora não possa deixar de reconhecer que foi seu governo, finalizado há apenas alguns meses, que começaram a realizá-los. A resposta na rua é ambivalente. Por um lado crescem os protestos, mas também cresce o sentimento anti-político.
Como não há opções à vista com possibilidade de tomar o poder e de implementar políticas econômicas alternativas, as consignas e os chamados nas redes sociais se parecem com aqueles que inundaram a Argentina antes do estouro de 2001. Que se vão todos! Por enquanto, segundo um recente artigo do El País, os únicos que estão indo embora são os espanhóis que estão indo viver em outro país. Mais de cem mil já saíram em 2011, segundo o portal Publico e os números de 2012 não fazem outra coisa que aumentar. O êxodo parece não ter fim, como a crise.
Tradução: Katarina Peixoto
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