Por Vladimir Safatle
Há três formas de destruir um país.
As duas primeiras são por meio da guerra e de catástrofes naturais. A
terceira, a mais segura e certa de todas, é entregando seu país para
economistas liberais amigos de operadores do sistema financeiro.
Em todos os países onde eles aplicaram
suas receitas de “austeridade”, a recompensa foi a pobreza, a
desigualdade e a precarização.
Alguns países, como a Letônia, vendido
por alguns como modelo de recuperação bem-sucedida, viu sua população
diminuir em quase 10% em cinco anos, algo que apenas as guerras são
capazes de fazer.
Ou seja, o preço para essa peculiar
noção de sucesso foi expulsar quase 10% da população para refazer suas
vidas em outros países.
No Brasil, não faltou economista a
eleger, meses atrás, o Espírito Santo como um modelo de ajuste econômico
e responsabilidade fiscal. O mesmo Espírito Santo que tem números
piores do que média nacional (retração de 13,8% até o terceiro trimestre
de 2016) e que há algumas semanas simplesmente entrou em colapso,
virando uma zona de anomia em meio à greve de policiais. Não poderia ser
diferente.
No mundo desses senhores não existe
gente, não se levam em conta reações populares a medidas econômicas,
muito menos experiências de sofrimento social e revoltas políticas
contra processos de pauperização vendidos como “remédios amargos, porém
necessários”.
Outros tantos desses economistas
encheram as páginas de jornais e tempo de televisão para levar a
sociedade brasileira a acreditar que, conduzindo Michel Miguel à
Presidência, a “confiança” dos mercados daria o ar de sua graça e, com
ela, viria a estabilidade.
Bem, nos últimos dias, o Banco Mundial
divulgou uma análise segundo a qual espera que, até o final do ano, 3,6
milhões de pessoas voltem à pobreza no Brasil. Para ser mais claro, 3,6
milhões de pessoas verão seus rendimentos caírem para menos de R$ 140
por mês.
Isso em um cenário no qual o Brasil tem a
maior taxa de capacidade ociosa da indústria dos últimos 70 anos, já
que não há mais compradores para seus produtos.
Se somarmos a isso a reforma da
Previdência, a limitação de investimentos estatais para guardar dinheiro
a fim de pagar os mais de R$ 400 bilhões em serviços da dívida pública,
a proposta de terceirização irrestrita e o colapso do sistema
brasileiro de serviços públicos teremos um cenário simples: o Brasil foi
destruído pelas políticas implementadas desde a guinada neoliberal do
governo Dilma. O próximo passo será a imigração em massa dos que
puderem, normalmente os mais bem formados.
É claro que haverá aqueles que dirão que
isso é “herança maldita” de políticas econômicas esquerdistas. Mas
chamar governos que nunca foram capazes de propor a taxação progressiva
de rendas e riquezas, a transferência paulatina da detenção dos meios de
produção para as mãos dos trabalhadores e a limitação dos ganhos do
sistema financeiro de esquerdista é algo da ordem do simples jogo de
palavras.
Enquanto isso, uma parcela da população aplaude tudo, já que acredita ficar imune à degradação econômica nacional.
Essa mesma parcela julga-se hoje
detentora de alguma forma de superioridade moral que faria calar os
descontentes com este governo.
No entanto, que as coisas sejam ditas de
forma clara: eles nunca estiveram nem estão, de fato, preocupados com
julgamentos morais.
Os mesmos que gritam contra corruptos do
antigo governo sempre votaram e continuaram votando em políticos
notoriamente corruptos, continuaram calados diante de casos gritantes de
corrupção neste governo, como ficaram calados quando, nesta semana, o
STF publicou uma decisão inacreditável e criminosa para permitir o gato
Angorá, vulgo Moreira Franco, com suas citações na Lava Jato, ocupar um
ministério.
Nada estranho, já que o problema deles
nunca foi a corrupção, e sim a luta contra políticos com os quais eles
não se identificam. O discurso contra a corrupção era apenas uma grande
farsa, senão produziria ações simétricas contra toda a classe política
brasileira.
Julgamentos morais não aceitam usos
estratégicos. Quem usa moral de forma estratégica é um “moralista da
imoralidade”. Na verdade, essas pessoas são atualmente cúmplices de um
governo cuja única preocupação é se blindar e escapar da cadeia. Até
porque, Michel Miguel e os seus não governam, eles têm coisas mais
urgentes para fazer.
Enquanto tentam salvar a própria pele, terceirizaram o Brasil para gestores da catástrofe.
FSP: 17/02/2017.
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