Sensor publica texto de Bajonas Teixeira, colunista do Cafezinho
A justiça de Moro, sempre açulando e excitando as massas de
classe média ao ódio, desde a condução forçada de Lula no dia 04 de
março, tornou certamente a vida de Marisa um inferno. Sua autoridade,
escudando a máquina de calúnias, bloqueou a existência da companheira de
Lula, tornou impossível que saísses às ruas, instalou nela a angústia
permanente pela prisão do marido e do filho, enlameou maldosamente a sua
história, deu asas à violência perversa de todos os inimigos políticos
do casal.
E não deixa de ser um gesto de tolo cinismo que, no dia da
sua morte, Sérgio Moro, para compensar, solte o ex-tesoureiro do PT e
deixe escancarado, para quem sabe ver, a profunda obscuridade medieval
da sua justiça.
Ontem, quando a imprensa divulgava o diagnóstico de morte cerebral de Marisa Letícia, Sérgio Moro mandou soltar o tesoureiro do PT que
apodrecia há sete meses em uma masmorra de Curitiba. Quem observa a
cena, tem a impressão de que, como num chuveiro com duas torneiras, uma
para a água quente e outra, para a fria, Sérgio Moro abriu o registro
da água fria, para amenizar o efeito da comoção produzida com a morte de
Marisa.
Se trata do velho jogo de pesos e contrapesos, uma técnica
de compensação. Mas isso não merece o nome de Justiça, ao menos em seu
sentido moderno. Se, pela generosidade e magnânima graça de Sérgio Moro,
um sujeito trancafiado por sete meses é retirado do seu cubículo para
servir de contrapeso à exasperação popular, isso não tem a mais remota
semelhança com o que se costuma chamar de justiça.
Não com a justiça moderna. Certamente, tem muito a ver com a
justiça medieval, em que o espetáculo, a expiação do condenado, mas
também a ‘grandeza ‘e a ‘bondade’ do juiz podiam e deviam ter vez na
celebração da justiça.
É essa justiça de uma época de trevas, apoiada em pesos e
contrapesos, em indulgência e severidade, que marca toda a compreensão
de justiça de Sérgio Moro. É verdade que ele prefere as vestes modernas,
diz que quer estudar nos EUA, e até dá a impressão, nos seus escritos,
de estar produzindo más traduções de textos americanos. Mas a semelhança
cessa aí, na forma exterior. No conteúdo, sua compreensão de justiça é
medieval.
Um exemplo entre mil: Em 20 de setembro, depois de aceitar a
ridícula denúncia de Dallagnol contra Lula e Marisa, sem provas ou
sequer indícios convincentes, Sérgio Moro se pôs a lamentar como se
outro, e não ele, tivesse acaba de abrir um processo contra a ex-primeira dama:
“Lamenta o juízo em especial a imputação realizada contra
Marisa Letícia Lula da Silva, esposa do ex-presidente. Muito embora haja
dúvidas relevantes quanto ao seu envolvimento doloso, especificamente
se sabia que os benefícios decorriam de acertos de propina no esquema
criminoso da Petrobras, a sua participação específica nos fatos e a sua
contribuição para a aparente ocultação do real proprietário do
apartamento é suficiente por ora para justificar o recebimento da
denúncia também contra ela e sem prejuízo de melhor reflexão no decorrer
do processo”, escreveu Moro.
Do ponto de vista moderno, que repudia veementemente a
hipocrisia, esse texto é uma abominação espantosa. Do ponto de vista da
balança de Sérgio Moro, se trata de amenizar a água quente com um pouco
de água fria. Certamente o que se visa aqui é prevenir a crítica de
excesso de severidade com uma tirada de bondade, de compreensão humana,
de empatia. Mas, quem olhe sem a viseira medieval, só pode repudiar a
parcialidade desse procedimento.
E o motivo é muito simples e óbvio: ele é a porta pela qual
se insinua a ação arbitrária do juiz. O juiz que banca o bondoso, o
compreensivo, já introduz a sua própria “graça” no mecanismo judicial
que deveria ser isento. E, sabendo que a roda da justiça – inclusive
aquela roda, nome de instrumento de tortura, onde se pendura os
penitentes para a confissão – depende da sua figura, ele pode dizer, sem
pestanejar, “A Justiça sou eu”.
E foi isso que Sérgio Moro fez, garantido pela cumplicidade
compacta da mídia e do Judiciário, quando divulgou os áudios da
conversa entre Lula e Dilma no mesmo dia em que o ex-presidente foi
nomeado para o ministério da Casa Civil. Observem o resumo do que
aconteceu naquela dia 16 de março:
MANHÃ:
– Lula aceitou o convite de Dilma para ser o novo ministro-chefe da Casa Civil, no lugar de Jaques Wagner, que será deslocado para chefia de gabinete da presidente, com status de ministro.
TARDE:
– Por volta das 13h45, Lula é anunciado oficialmente, por meio de uma nota.
– Logo depois, a oposição anuncia que entrará na Justiça contra a nomeação.
– Dilma dá entrevista e diz que Lula terá os “poderes necessários” para ajudar o Brasil.
NOITE:
– Moro derruba sigilo e divulga grampo de ligação entre Lula e Dilma.
– Planalto diz que Moro violou a lei ao divulgar telefonema.
– Há manifestações e panelaços em diversas cidades.
(Fonte: G1)
Como é óbvio, divulgação foi calculada para sair no JN e
serviu para conduzir os ânimos da classe média robotizada pela mídia ao
máximo de excitação, que, com a sensação de ter as costas quentes, ou
seja, de ter por trás dela o poder, se lançou às ruas em uma histeria de
possessão e ódio.
Pois é esse o resultado de uma justiça manipulada pela técnica da compensação e movida pelo arbítrio judicial.
A justiça que começa como jogo de compensação, misturando o
quente e o frio para mostrar a generosidade do juiz, já é um jogo
manipulatório, que produz seus efeitos através do uso de técnicas
exteriores à justiça. Por isso, facilmente, evolui para a manipulação
pura e simples de uma opinião pública já muito propensa a aceitar heróis
e mocinhos.
Mas a justiça que se torna uma técnica de manipular a
opinião pública, já não é justiça. É política e é publicidade, defende
causas e faz campanha, mas de modo algum exerce a neutralidade e a
isenção que são princípios da justiça moderna. Seu maior perigo,
contudo, como mostra a morte de Marisa Letícia, é o seu funcionamento
como instrumento de tortura.
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