O mito do 'investidor estrangeiro'
por André Araújo
Alan Greenspan, o "maestro" do Federal Reserve System por 18 anos,
passava horas na banheira lendo estatísticas da economia real:
geladeiras, yougurt, pneus, caminhões, pão de hamburguer, todos dados da
vida das pessoas lhe interessam. Tinha especial fixação por telhados,
quantos telhados foram vendidos na semana (nos EUA a construção se faz
por conjuntos e não por peças). Era por estes indicadores que Greenspan
tirava o pulso da economia que importava. Greenspan, que está com 90
anos, proporcionou o maior período contínuo de prosperidade dos EUA no
pós-guerra, embora lhe atribuam culpa da crise de 2008, decorrência
exatamente do excesso de confiança nessa prosperidade longa demais.
No Brasil, no oceano de ignorância sobre economia que domina a
grande mídia, os únicos indicadores valorizados são os de câmbio e
bolsa. Os comentaristas da Globonews são os mais rasos, para eles a
economia se resume em câmbio e bolsa e, nesta última, o que interessa é o
mítico "investidor estrangeiro". O padrão se repete em outras mídias,
como a Jovem Pan, onde sua comentarista só conhece câmbio e bolsa, a
economia se resume nisso. Na Globonews o comentarista Donny di Nuccio, a
qualquer observação sobre economia, replica "Ah, mas a bolsa subiu".
Pronto, esta é para eles TODA a economia. Na FOLHA de 19 de fevereiro
de 2017, pag.A 23, um artigo "Mercado especula melhor nota do Brasil"
mostra esse viés de considerar o mercado financeiro como
único indicador da economia brasileira.
No passado longínquo do início da mídia econômica no Brasil, com o
jornal Observador Econômico e Financeiro, a revista BANAS, os temas eram
a produção de café, de cana, de aço, de cimento, de tijolos, de telhas,
cacau, de sisal, de construção de rodovias, usinas, aeroportos, havia
comentaristas especializados em agropecuária, como Mario Mazzei
Guimarães, comentava-se com detalhes e atenção a produçao de carne e de
leite, de tubos de ferro e de concreto para saneamento, de tecidos de
algodão, de farinha de trigo. Economia é isso e o Brasil só crescerá
quando esses fatores voltarem a ser o centro da economia como foram nos
anos, em que o Brasil cresceu e se tornou a 5ª economia do mundo, saindo
de um País essencialmente agrícola para um país industrial no
pós-guerra.
A partir do Plano Real e com o domínio dos "economistas de mercado"
sobre a política econômica, fixou-se que a única coisa que faz andar a
economia é a bolsa e, nesta, o "investidor estrangeiro", se ele não
aparecer afunda a economia, se ele trouxer dinheiro para cá, está tudo
indo bem na economia Esse mítico "investidor " é o único que os
"economistas de mercado" conhecem, os fundos de investimento
estrangeiros tipo BlackRock, Fidelity, Templeton que operam no Brasil
via parceiros daqui e com isso garantem empregos para alguns desses
"economistas de mercado", eles são as únicas fontes de informação da
mídia conservadora, que é quase toda a imprensa, rádio e tv.
Ao usar exclusivamente essa régua, os comentaristas esquecem da
enorme "economia real" do País, onde está o crescimento, o emprego, a
produção e o dinamismo do processo que faz as famílias sobreviverem e
ter perspectivas de futuro para seus filhos.
Ao comentar câmbio e bolsa, os comentaristas da mídia
oficialista tampouco aprofundam a informação. O dólar está caindo quando
devia subir? Porque? Onde está a análise? Nunca vi nesses comentaristas
qualquer menção ao centro do problema do câmbio, a política cambial
do Banco Central, que é a de intervenção "suja" (não declarada) e que
em 2016 foi o motivo central para a derrubada do dólar, a um custo
estratosférico, só no primeiro semestre de 2016 os swaps cambiais deram
perda de R$ 207 bilhões ao Banco Central, mais que todo o déficit do
orçamento federal que os "economistas de mercado" consideram o maior
problema do Brasil. Sobre esse custo monumental nunca ouvi um mísero
comentário dos jornalistas de economia da grande mídia, em primeiro
lugar porque não correlacionam cotação do dólar com política cambial e,
em segundo, se conhecem o "background" não convém comentar porque isso
seria uma crítica ao Banco Central, que eles respeitam como o Vaticano
da moeda, infalível e inatingível.
Não comentam, ou só falam marginalmente, do "carry trade", dinheiro
emprestado nos EUA a 2% ao ano e aplicado aqui em títulos do Tesouro a
13%, além do lucro do diferencial de juros. Desde que começou a
gestão da atual equipe econômica, esse tipo de especuladores levou para
casa também o lucro cambial fantástico, dólar que entra a 3,60 e volta a
3,10 graças à generosidade do Banco Central, mas quem e porque comanda
este espetaculo? Aguardam-se análises dos comentaristas da grande
imprensa. Muita coisa que circula no mercado por alguma razão a imprensa
não reporta e são fatos importantes da economia.
Alem da atuação catastrófica do Banco Central para empurrar o dólar
para baixo visando "trazer a inflação para o centro da meta" há outro
personagem que os comentaristas da Globonews veneram: o "investidor
estrangeiro". Quem é ele?
O "investidor estrangeiro" é o mesmo personagem mítico que na
Itália devastada pela miséria no imediato pós-guerra via no "turista
americano". Nos escombros de Napoles, um "turista americano" era visto
como salvador do almoço do dia. A mesma cafonice impera na fala dos
comentaristas ignorantes de hoje. Vêem no "investidor estrangeiro" a
salvação do Brasil sem realmente saber que é esse Mandrake que é tão
reverenciado como fiel da balança da nossa estagnada economia.
O "investidor estrangeiro" de hoje, adorado pela Globonews, é um
fundo especulativo da pior espécie que entra e sai da bolsa e das
apostas em juros e índices, é o mais destrutivo tipo, o mais deletério, o
mais inútil dos personagens em uma economia em desintegração de seus
reais fatores de crescimento, o investimento privado nacional das
pequenas e médias empresas que anseiam por crescer e que tem hoje tais
limitaçõs que muitas definham e morrem, para essas o BNDES abre linhas
de crédito que só uma carta de fiança do Banco Rothschild pode atender
em termos de garantia, higidez de balanço e certidões fiscais.
Tampouco chama a atenção a falta do fundamental investimento
público, primeira vítima do ajuste fiscal "à outrance" e cuja falta é
uma das causas da recessão.
Fundos abutres e especulativos cujo modelo universal é o padrão
Soros (Quantum Fund) são hoje o arroz com feijão da bolsa brasileira, é
para eles que se pratica toda política cambial, não é para o exportador
de soja, de frango e de carne bovina, o alvo a agradar é o fundo
especulativo de Nova York, fundos esses que produziram 49 bilionarios na
lista da revista FORBES, que vivem exclusivamente de especulação e o
Brasil é um dos seus territórios preferidos porque garante saída livre
sem questionamentos, o capital entra e sai como um turista do Carnaval
carioca. Uma porta rotatória que gira sem parar.
Quando entra o "investidor estrangeiro" fundo especulativo, soltam
rojões, mas quando sai "boca fechada", não é noticia. O mercado de
câmbio no Brasil é inteiramente livre, entra e sai como e quando quiser,
o investimento financeiro pode sair no mesmo dia em que seus donos
decidem, bastam cliques de botão de computador. Já o investimento
produtivo, em fábricas, não pode sair rápido e fácil, é preciso vender
os ativos, fazer caixa para depois remeter, isso leva meses ou anos.
Então o investimento produtivo é sólido, é o que interessa ao País,
porisso a separação conceitual entre o financeiro e o produtivo é
fundamental, nada disso é sequer de leve noticiado e muito menos
analisado. A conexão do "sistema" Banco Central + mercado financeiro
(uma coisa só) é exclusivo com Wall Street e não com os polos de
economia produtiva dos grandes países.
O "investimento direto no Pais" IDP, tratado com tapete vermelho, quem é ele?
Quase todo IDP que chega é para COMPRA de empresas no Brasil, não é
para novas fábricas, usinas ou shoppings. A razão? Como a economia está
em recessão, causada pela política monetaria recessiva do BC, o preço
dos ativos no Brasil caiu muito, os empresários nacionais estão vendendo
suas empresas e negócios, além de venda de concessões, privatizações e
demais ativos, muitas vezes para pagar dívidas, como os das
empreiteiras alvos da Lava Jato, que estão vendendo bens acumulados ao
longo de décadas. O BC e seus porta vozes na mídia comemoram essas
entradas que têm um efeito econômico perverso, esses IDP serão base
futura de remessas de dividendos e lucros, o chamado PASSIVO EXTERNO do
País, soma dos IDP mais dívida externa pública e privada mais contratos
de leasing que são outra forma de passivo. O estoque registrado no BC já
chega perto de UM TRILHÃO DE DÓLARES, um valor tão grande como o da
dívida pública interna, todo esse passivo exige serviço de juros,
dividendos, lucros ou parcelas de leasing, uma hipoteca sobre o País que
exige cada vez divisas para remessas.
A conta de "serviços" está ficando perigosamente alta e nela estao
as remessas de juros, dividendos, leasing e roylalties. Em 2016, todo o
saldo da balança comercial, US$ 45 bilhões, não foi suficiente para
pagar as remessas, ainda faltaram US$ 24 bilhões, que foram cobertos
pelas entradas do investimento direto, mas isso significa vender a casa
para pagar o almoço. O IDP entra e forma base de novas remessas futuras
e o valor dele é gasto para sempre, estamos trocando ativos do País por
despesas que nunca mais voltam, quando entra o IDP tudo é festa mas
depois ele serve de motor para novas remessas eternas.
Ao contrário do período pré-Plano Real, o BC não informa ao
público, embora sejam números disponíveis para especialistas, qual é o
passivo externo, qual é a dívida pública externa e a dívida privada
externa do País. NINGUÉM COMENTA esses dados cruciais, muito mais
importantes do que quanto gasta turista no exterior no mês, dado de
escassa relevância a não ser para mostrar que o dólar está barato demais
e está sendo esbanjado nos outlets de Miami.
O que importa são DADOS MACRO do passivo externo, que ninguém
comenta e são esses o dados importantes e não números pontuais mensais
disto ou daquilo.
A dívida externa pública, que inclui Petrobras, BNDES e Banco do
Brasil e as demais estatais, mesmo sem garantia formal, a divida externa
de estatal implica em responsabilida implícita da União, a dívida
pública privada também afeta o risco País pois se um grande banco ou
corporação privada deixa de pagar um compromisso de imediato acende luz
vermelha sobre todo o risco País, hoje a DÍVIDA EXTERNA PRIVADA é
considerável, são esses os dados cruciais da economia MACRO e não o que
os brazucas gastam em Miami em Janeiro ou o que os estrangeiros gastam
aqui no Carnaval, temas muito comentados em toda a midia como se isso
fosse de enorme importância.
E o exemplo dos dólares da China para pagar a compra da CPFL e da
ENEL italiana para pagar a compra da CELG, entradas recentes, não geram
um único emprego no Brasil, ao contrário, quem compra geralmente faz um
enxugamento no quadro do pessoal. Mais ainda, essas compras exigirão
remessas já em 2018, um ativo que até então não gerava gasto externo de
divisas, agora passa a ser fonte de remessa.
Tampouco se informa o RETORNO de capital investido, só o que entra,
pode até haver déficit na conta de investimentos do exterior, o que não
se explicíta para chamar a atenção apenas para a entrada e não para a
saída de capital com o intuito de demonstrar a "confiança na política
econômica", operação que conta com toda a colaboração da mídia apoiadora
da máxima "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde".
Sem essa visão global não vale nada dizer o que entrou em Janeiro.
Para mostrar a montanha de equívocos que se informa a população, a
agência Fitch, uma das três agencias globais de rating, já anunciou que
pode rebaixar a nota do Brasil, que já está dois graus abaixo do nivel
de investimento, "porque a economia não cresce". Isso é revelador! E não
adianta desqualificar as agências, quando deram grau de investimento se
soltaram rojões na Av.Faria Lima em SP e na Rua Dias Ferreira no
Leblon, catedrais dos "economistas de mercado" e suas gestoras de
fortunas, a "turma da bolsa".
A Standard & Poor´s tambem mantém o viés negativo, não se
impressionam com resultados mensais. Com todas as vitórias cantadas em
prosa e verso pela mídia mistificadora como porta voz da equipe
econômica, as agências não se deixam enganar, "onde está o crescimento?"
As agências têm um olhar de longo prazo sobre a estabilidade do País,
uma mega recessão com enorme desemprego mostra instabilidade política e
social futura ou o BC acha que só tratar da inflação é suficiente?
Todo esse foco no "investidor estrangeiro" quase 100% de fundos e
não de empresas da produção é um vício inacreditável da mídia
brasileira. Porque não se interessam no crescimento ou fechamento das
milhares de médias empresas do interior, são essas que realmente
empregam gente, que geram riqueza sólida, que dão lastro à economia e
que podem tirar o pais da recessão, não é o fundo BlackRock e nem o
fundo Templeton, esses compram ações velhas que acham baratas visando
vendê-las daqui a seis meses e levar o lucro de volta, não criam um
mísero emprego e nem tem essa vocação.
Boa parte do investimento que entra é especulativo, a economia não
cresce, o PIB de 2016 vai registrar queda de, 4,3%, em cima de 3,8% de
2015, não adianta as vanglórias do BC, podem enganar os daqui mas não
engana os de fora. O Brasil não cresce por causa da política recessiva
do BC, para as agências de rating não adianta nada "a inflação no centro
da meta", se outros fatores centrais da economia indicam problemas de
maior dificuldade de solução com a retração do PIB e o altíssimo
desemprego, maior entre todos os países BRIC.
O que vale é crescimento com ou sem inflação, esse é o valor real
do mundo real, fora das planilhas, é o crescimento que atrai capital
ótimo e dinamizador, aliado do País a longo prazo.
O investidor que secularmente fez o crescimento brasileiro não é o
estrangeiro. O Brasil se desenvolveu realmente de 1930 até 1980, 50
anos, quando o crescimento médio foi o maior do mundo entre todos os
países. O Brasil cresceu pelo seus empreendedores que construíram
fábricas, mesmo com inflação e déficits enormes do orçamento federal,
nasceram linhas de ônibus interestaduais, fazendas de café, cana, soja,
gado, armazéns beneficadores de grãos, empresas engarrafadoras de gás de
cozinha, fábricas de doces, de bebidas, de massas, retíficas de
motores, indústrias mecânicas, de material elétrico, fiação e tecelagem
de algodão, de seda, cerâmicas, olarias, fábricas de enxadas e arados,
sem falar do imenso parque automotivo, que inclui tratores, do parque
de bens de capital, foi daí que surgiu o crescimento e os empregos do
Brasil, de suas grandes empreiteiras que fizeram o maior parque
hidroelétrico do mundo, da Petrobras em expansão permanente de 1955 a
1990.
O capital estrangeiro foi sempre subsidiário, importante mas nunca o
eixo da economia brasileira, me referindo ao capital de produção, o
capital financeiro, esse que a mídia gosta, jamais foi bom para o
Brasil, aliás foi um aspirador de dinheiro para fora do Brasil.
Hoje a mídia econômica se esfrega nesse "investidor estrangeiro",
roupa dentro da qual se disfarçam tambem muitos brasileiros que usam
pessoas jurídicas de paraísos fiscais para ter maior proteção para seu
capital aqui, portanto parte desse "investidor estrangeiro" é brasileiro
disfarçado, um fato perfeitamente conhecido do mercado mas que a mídia
tradicional jamais menciona, talvez porque alguns de seus personagens se
enquadram no modelo.
A coluna econômica da grande imprensa só terá algum valor quando
seus comentaristas começarem a falar de tijolos e azulejos, de produção
de leite, de venda de pneus e de sapatos, esquecendo a miséria
intelectual de "câmbio e bolsa" que vale tanto como palpite de jogo de
futebol de 3ª divisão e principalmente quando deixarem de ser meras
correias de transmissão de mensagens do boletim Focus e de suas "bocas
de varal", os "economistas de mercado" sempre à disposição para
entrevistas, do meio dia à meia noite, repetindo os mesmos bordões
acríticos e dentro de uma cartilha ensaiada.
Uma nova cruzada do Ministro da Fazenda para se viabilizar como
candidato à Presidência em 2018 espalha a noção de que "a recessão
acabou" (entrevista de 22/02/2017 na Globonews) o que é um delírio, uma
recessão de três anos não acaba em um mês, faltou avisar as 12 milhões
de familias dos desempregados que já podem ir correndo fazer compras de
novas Tvs. Uma recessão acaba quando o desemprego cai de 12% para 5% e
não há sinal algum de que isso esteja ocorrendo, MERCADO FINANCEIRO não é
balizador de começo ou fim de recessão e é esse o único que o Ministro
da Fazenda conhece, mas parece que parece que o Ministro está
conseguindo convencer alguns jornalistas de que sua fantasia é real,
mesmo com os índices de popularidade do Governo em níveis baixíssimos.
O debate de economia no Brasil precisa sair dos blogs corajosos e
entrar na mídia tradicional, economia é hoje o fenômeno mais importante
da vida da população que tem o direito de ser melhor informada sobre a
realidade e não ouvir narrativas montadas sobre o nada.
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