*José Álvaro de Lima Cardoso.
As crises econômicas do
capitalismo são cíclicas e inevitáveis. Elas podem ser compensadas,
neutralizadas temporariamente, mas não refreadas em definitivo. As crise
cíclicas são úteis para purgação e depuração dos capitais. Aqueles que
conseguem atravessar os períodos mais duros da crise, adquirem musculatura e,
no ciclo de retomada da produção e da lucratividade, saem embalados, na frente
da concorrência.
As crises são também importantes para
fazer regredir direitos sociais e trabalhistas. Alguns meses de crise, às
vezes, são suficientes para liquidar direitos sociais básicos, obtidos à duras
penas em décadas de sangue, suor e lágrimas. Passadas as crises, não há
garantias de saídas benéficas à maioria da sociedade e de avanços
civilizatórios. Pelo contrário, muitas vezes as “saídas” da crise conduzem à
regressões dramáticas, como no exemplo extremo das guerras. A crise é
oportunisticamente usada para destruir direitos por duas razões: a) compensa a
queda da taxa de lucros através da compressão dos salários, com efeito imediato;
b) faz o patamar de conquistas dos trabalhadores retroceder, com efeitos de
médio e longo prazos.
No Brasil os patrões e o governo estão
utilizando a grave crise atual, para liquidar direitos, em larga escala, e
achatar ao máximo salários reais. Em face de indicadores tenebrosos, da
indústria, comércio, nível de atividades, e outros, se amedronta os
trabalhadores, com a ameaça, feita de forma velada ou aberta, do calvário do
desemprego. Os trabalhadores, regra geral, sabem bem o que isso significa, por
experiência própria, ou por convivência com companheiros desempregados. Nas
mesas de negociação é muito comum o argumento patronal de que a não aceitação
do reajuste salarial abaixo da inflação é para evitar as demissões: “o que
vocês preferem um percentual de reajuste menor que a inflação ou demissão de
trabalhadores?” O problema é que, em regra, as demissões já ocorreram, de forma
unilateral, e sem precisar condicionar à aceitação de um acordo rebaixado.
O momento é muito difícil porque os
ataques aos direitos e aos salários, aproveitando a crise, vem de todas as
frentes: Executivo, Congresso Nacional, e Judiciário. Em todas essas esferas predomina
um diagnóstico comum, propagandeado até causar náusea, de que os gastos
primários, com educação, saúde, combate à pobreza, etc. “quebraram o país”.
Neste contexto, segundo essa narrativa, a única saída seria empurrar goela
abaixo dos trabalhadores e dos brasileiros que necessitam dos serviços
públicos, um purgante, um remédio amargo, sinônimo de retirada de direitos sociais
e trabalhistas. A ideia de que os direitos sociais causaram o problema fiscal está
no imaginário da população em geral, dos empresários nas mesas de negociações,
na cabeça dos técnicos do governo. Segundo essa leitura, os gastos sociais
obrigatórios, conquistas históricas da constituição de 1988 seriam a causa da
crise fiscal, não cabendo mais, portanto, no PIB.
É inútil argumentar que essa é uma conversa fiada, visando
liquidar direitos e fazer o Brasil retroceder pelo menos 20 anos nas conquistas
da cidadania. É inútil lembrar que a dívida pública no Brasil é muito inferior
aos países do G-20 e que o Brasil foi um dos poucos países do mundo que fez
superávits primários até 2013 (juntamente com apenas mais cinco ou seis nações).
A maioria da população engoliu a narrativa do “país quebrado”, o que explica em
boa parte a passividade em relação à Emenda da Morte (EC 95), um verdadeiro
absurdo, medida que nem as nações derrotadas nas guerras, rendidas pelo
inimigo, adotaram.
É difícil convencer alguém, escravizado pelo
senso comum, que acha que que as finanças governamentais se igualam às de uma
casa, que o problema do déficit fiscal brasileiro está ligado essencialmente aos
gastos com juros sobre a dívida pública, algo
em torno de 7% do PIB. Valor superior, por exemplo aos gastos previdenciários (R$
486 bilhões em 2015), sendo que estes servem à metade da população, algo em
torno de 100 milhões de brasileiros. O fato concreto é que a crise é oportuna à
retirada de direitos. A PEC 287, da Previdência Social, por exemplo, que
implodirá a seguridade social no Brasil, só foi proposta mediante a chantagem
de algo muito pior, decorrente da crise econômica, que é o fim da Previdência.
No caso dessa PEC, e da maioria das propostas governamentais, o objetivo é ao mesmo tempo ideológico e
econômico: utilizar a crise para desmontar as políticas públicas e instrumentos
gerais de ação do Estado. Mas o jogo ainda não acabou.
*Economista.
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