Há, concomitantemente, momentos de profunda angústia e depressão. Foi, em 1950, um deles. Todos esperavam
a grande vitória. Os ouvidos colados aos rádios.
Deu Uruguai, na final, depois de uma campanha exitosa
dos canarinhos. Excesso de vaidade. A arrogância do
"já ganhou". A partir do Maracanã, ouviu-se –
o silêncio é a ausência de ruído –
o maior silêncio da História.
Foi uma lição. Muito de otimismo pode dar lugar
a grandes frustrações. Os brasileiros se acostumaram
a essas situações. A grandeza imaginada por
nossos antepassados conduziu a um
realismo extremo.
Já não aceitam a mentira dos políticos.
Tornaram-se críticos e mordazes. Acompanham
os episódios da esfera pública com sagacidade.
Percebem os múltiplos erros.
Comentam os poucos acertos.
São cidadãos conscientes. Sabem agir com rigor e
com sentido cívico. Daí a perplexidade oriunda dos acontecimentos da [abertura da Copa] no Itaquerão.
Tudo se pode esperar no início de uma Copa do Mundo.
Erros de arbitragem. Público exaltado. Confusões
próprias das grandes massas humanas. Vaias. Apupos.
Não, porém, falta de cordialidade e o respeito
mínimo à autoridade. Os brasileiros já vaiaram
presidentes. Governadores. Políticos em geral.
Nunca, contudo, chegaram à linguagem chula.
Ao baixo calão. A linguagem dos sem linguagem.
Atingiu-se o fundo do poço. A violência de
nossas cidades transformou-se em ruidosa
agressão verbal da multidão.
A velha e gasta figura do brasileiro cordial foi
para o espaço. Existiu no passado – quem sabe?
– nas relações entre as asas grandes.
Os senhores de engenho, quando em paz,
acompanhavam os bons modos das cortes europeias.
Fora da "casa grande" baixavam o relho.
O capitão do mato justiçava o insubordinado.
Agredia sem razão o subalterno.
Valia a lei do mais forte.
Essa lei do mais forte
explodiu no início da Copa do Mundo. Não foi uma
mera vaia dirigida às autoridades.
Foi o palavrão que fere.
Inaceitável. Uma sociedade quando perde os
limites do comportamento civilizado retorna à
barbárie. Corre o risco de ver pessoas
se tornarem o lobo das pessoas.
É compreensível o ato de hostilidade verbal
contra a autoridade. Jamais o baixo calão que
avilta quem o profere. Quinta-feira, 12 de junho
de 2014, faz o brasileiro retornar àquele
junho de 1950.
Sessenta e quatro anos depois daquele junho,
ainda em junho, perdeu-se outra Copa,
a da civilidade.
Lá se perdeu uma mera Copa do Mundo. Agora,
perdeu-se a compostura e a respeitabilidade.
É perda profundamente grave.
Marcará a caminhada futura da sociedade.
O silêncio de 1950 não pode recair sobre os
acontecimentos de junho de 2014. Eles precisam
ser analisados por psicólogos sociais, cientistas
políticos e pelas próprias personalidades públicas.
Algo de grave se verificou. Os brasileiros –
antes ditos cordiais – tornaram-se agressivos
e irascíveis.
Coisas piores estão por vir. É só esperar. Só não vê
quem não tem olhos de ver.
O palavrão de hoje pode se tornar na agressão física
de amanhã. Plantaram-se muitos ventos. Colhem-se tempestades."
FONTE: escrito por Claudio Lembo, advogado, professor
e ex-governador (DEM) de São Paulo. Publicado
no portal "Terra Magazine (http://terramagazine.terra.com.br/
blogdoclaudiolembo/blog/2014/06/16/vem-tempestade/).
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