sexta-feira, 20 de junho de 2014

PLANTARAM VENTOS E VÃO COLHER TEMPESTADES

Por Claudio Lembo

Há, concomitantemente, momentos de profunda angústia
 e depressão. Foi, em 1950, um deles. Todos esperavam
 a grande vitória. Os ouvidos colados aos rádios.

Deu Uruguai, na final, depois de uma campanha exitosa 

dos canarinhos. Excesso de vaidade. A arrogância do 
"já ganhou". A partir do Maracanã, ouviu-se – 
o silêncio é a ausência de ruído – 
o maior silêncio da História.

Foi uma lição. Muito de otimismo pode dar lugar 

grandes frustrações. Os brasileiros se acostumaram 
a essas situações. A grandeza imaginada por 
nossos antepassados conduziu a um 
realismo extremo.

Já não aceitam a mentira dos políticos. 

Tornaram-se críticos e mordazes. Acompanham
 os episódios da esfera pública com sagacidade. 
Percebem os múltiplos erros. 
Comentam os poucos acertos.

São cidadãos conscientes. Sabem agir com rigor e 

com sentido cívico. Daí a perplexidade oriunda dos acontecimentos da [abertura da Copa] no Itaquerão.

Tudo se pode esperar no início de uma Copa do Mundo. 

Erros de arbitragem. Público exaltado. Confusões 
próprias das grandes massas humanas. Vaias. Apupos.

Não, porém, falta de cordialidade e o respeito 

mínimo à autoridade. Os brasileiros já vaiaram
 presidentes. Governadores. Políticos em geral.

Nunca, contudo, chegaram à linguagem chula. 

Ao baixo calão. A linguagem dos sem linguagem. 
Atingiu-se o fundo do poço. A violência de 
nossas cidades transformou-se em ruidosa 
agressão verbal da multidão.

A velha e gasta figura do brasileiro cordial foi 

para o espaço. Existiu no passado – quem sabe? 
– nas relações entre as asas grandes. 
Os senhores de engenho, quando em paz, 
acompanhavam os bons modos das cortes europeias.

Fora da "casa grande" baixavam o relho. 

O capitão do mato justiçava o insubordinado. 
Agredia sem razão o subalterno. 
Valia a lei do mais forte.

Essa lei do mais forte

explodiu no início da Copa do Mundo. Não foi uma 
mera vaia dirigida às autoridades. 
Foi o palavrão que fere.

Inaceitável. Uma sociedade quando perde os 

limites do comportamento civilizado retorna à 
barbárie. Corre o risco de ver pessoas 
se tornarem o lobo das pessoas.

É compreensível o ato de hostilidade verbal 

contra a autoridade. Jamais o baixo calão que 
avilta quem o profere. Quinta-feira, 12 de junho 
de 2014, faz o brasileiro retornar àquele 
junho de 1950.

Sessenta e quatro anos depois daquele junho, 

ainda em junho, perdeu-se outra Copa, 
a da civilidade.

Lá se perdeu uma mera Copa do Mundo. Agora, 

perdeu-se a compostura e a respeitabilidade. 
É perda profundamente grave.

Marcará a caminhada futura da sociedade.

O silêncio de 1950 não pode recair sobre os 

acontecimentos de junho de 2014. Eles precisam 
ser analisados por psicólogos sociais, cientistas 
políticos e pelas próprias personalidades públicas.

Algo de grave se verificou. Os brasileiros – 

antes ditos cordiais – tornaram-se agressivos 
e irascíveis

Coisas piores estão por vir. É só esperar. Só não vê 
quem não tem olhos de ver.

O palavrão de hoje pode se tornar na agressão física 

de amanhã. Plantaram-se muitos ventos. Colhem-se tempestades."

FONTE: escrito por Claudio Lembo, advogado, professor 

e ex-governador (DEM) de São Paulo. Publicado 
no portal "Terra Magazine (http://terramagazine.terra.com.br/
blogdoclaudiolembo/blog/2014/06/16/vem-tempestade/).

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