quarta-feira, 18 de junho de 2014

A monarquia do capital financeiro

Alejandro Nadal no site Carta Maior
  
Os reis vêm e vão. Alguns duram mais do que outros. Todos são adornos anacrônicos, mas alguns são menos afortunados e acabam abdicando em condições mais ou menos vergonhosas. Mas e quanto ao capital financeiro? Este poderia abdicar? Quem seria o herdeiro?

Na economia global está acontecendo uma das experiências mais importantes. Consiste em saber se o capital financeiro pode sobreviver a si mesmo. As apostas são altas. O resultado final do experimento poderia ser uma economia mundial estagnada por décadas ou uma reedição dos piores dias da crise, ameaçando o colapso do sistema financeiro global.

Vale a pena examinar os antecedentes do experimento. Em primeiro lugar, a lógica do capital financeiro impôs condições para o investimento nos setores reais (não financeiros) da economia, regulando os períodos e determinando quais setores devem ser abandonados (ou punidos) e quais devem ser promovidos. O delírio do capital financeiro contaminou toda a atividade econômica e por isso temos uma sobrecapacidade revertida em todas as grandes indústrias do mundo, enquanto setores estratégicos são abandonados (agricultura sustentável).

Em segundo lugar, a economia mundial tem sido dominada pelo capital financeiro durante pelo menos um quarto de século. As prioridades da política econômica em todos os países do mundo são ditadas pelas preferências do capital financeiro. Tudo está subordinado às metas ditadas pelo capital financeiro.

Mas a hegemonia do capital financeiro estava no coração da crise de 2008 e levou ao contágio até suas últimas consequências. Por isso, é importante saber em que estado o capital financeiro se encontra.

A verdade é que uma parte está desfrutando de lucros extraordinários, enquanto a outra permanece em apuros. O capital mais diretamente ligado à área de especulação está passando por um bom tempo. O mercado de ações nos Estados Unidos, por exemplo, vai bem: o índice Standard & Poors aumentou 20 por cento no ano passado e já superou o nível recorde atingido em 2007, enquanto a economia real dos EUA continua estagnada, a nova bolha especulativa adquire dimensões desproporcionais. No mundo todo, os principais centros financeiros acusam os mesmos resultados. Na Inglaterra, para citar outro exemplo, o índice FTSE já ultrapassou o recorde de 1999.

Os mercados de valores, títulos e seus derivados permanecem em uma carreira ascendente que não está relacionada com o que acontece na economia real. O sistema regulatório é tão ineficiente e fraco como era antes da crise. A maioria dos especuladores sabe que a nova bolha vai estourar em algum momento, mas não amanhã. Se a especulação é o detonador, a liquidez proporcionada pelo Federal Reserve é o combustível da nova indulgência. Assim, quando o Fed anunciou planos para reduzir a flexibilidade monetária o mercado financeiro estremeceu. Não há nada na economia real para justificar as taxas de crescimento exorbitantes e cotações nas principais bolsas de valores ao redor do mundo. Estamos a assistir a um cassino monumental.

Em vez disso, os bancos estão em má saúde por causa porque seu papel na economia é diferente. Em um ambiente deflacionário (ainda não superado) os bancos não têm nenhum incentivo para emprestar. O investimento também diminui e isso contribui para corroer os lucros da maioria dos bancos.

Supostamente, algumas reformas no sistema regulatório influenciaram os bancos a abandonar atividades (de alto risco) que tinham sido muito lucrativas e suas planilhas foram significativamente afetadas pela obrigação de aumentar os seus índices de capitalização e reduzir a alavancagem. Tudo isso conspira contra a recuperação da economia real, porque os bancos vão continuar a resistir a aumentar o crédito. A verdade é que agora a rentabilidade neta dos bancos na Europa, por exemplo, permanece bem abaixo das médias históricas.


A história econômica mostra que as recessões financeiras tem efeitos mais mais profundas e mais duradouras do que as recessões que surgem na economia real (não financeira). Assim, a experiência da crise leva a duas importantes lições. Em primeiro lugar, a regulação dos bancos não deve ser um tema passageiro e sua recapitalização deve vir em primeiro lugar e acima de tudo de seus próprios lucros. Em segundo lugar, a questão de saber se os bancos devem ser propriedade pública é muito importante e não deve ser um tabu.

A lição desta experiência é simples. Não se trata apenas de que o capital financeiro abdique do trono. Trata-se de abolir a monarquia na qual a lógica financeira domina o resto da economia. O sucessor deve ser o controle social sobre a atividade bancária e financeira.

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