domingo, 22 de junho de 2014

Que tal uma agência de classificação de oportunidade?

José Carlos Peliano (*) no site Carta Maior

  
As agências de classificação de risco foram criadas para defender os capitalistas, em especial os banqueiros. Espalhados seus tentáculos mundo afora elas dão sinais de potencial perigo, luz vermelha; de perigo mediano, luz amarela, ou de perigo baixo, luz verde, às avaliações por elas mesmas realizadas sobre programas econômicos, projetos de investimento, situação das dívidas de países, entre outros.

Há um fundamento razoável nos seus princípios conservadores que é ver a consistência da política econômica de um país, a viabilidade de um projeto nacional de investimento e a capacidade de financeira de ser paga ou renegociada uma dívida pública ou soberana.

Mas não há qualquer fundamento fora do ciclo do risco. Fora  dos limites do perigo de ocorrer uma inadimplência ou bancarrota, distante da ameaça econômica e/ou financeira de um país ou região não dar conta de honrar seus compromissos. As avaliações começam e terminam em contas. O que interessa é se as dívidas já contraídas ou a contrair têm condições garantidas de ser pagas.

Está em jogo a sobrevivência dos grupos empresariais e bancos pois os recursos necessários para cobertura das dívidas começam e terminam nos bancos e nas contas e orçamentos das empresas que participaram das operações de crédito, financiamento e investimento e/ou contratações de fornecimentos de bens e serviços.

As agências de classificação de risco protegem o funcionamento do sistema financeiro que dá suporte ao sistema econômico daquelas empresas e bancos que deles são membros atuantes e participam conectados em relações empresariais ou não.

Desde que elas surgiram, meados do século XIX nos Estados Unidos, ainda como tímidas organizações que informavam aos credores a situação dos devedores, elas levam em conta ao fim e ao cabo se os créditos, empréstimos e financiamentos têm ou terão condições de serem pagos nas datas combinadas. Se os devedores serão ou não adimplentes. Avaliações essas que influenciam as condições contratuais subsequentes, quando positivas.

Avaliações negativas podem levar ao aumento dos custos dos serviços para as empresas e os países devedores que queiram tomar um empréstimo ou renegociar suas dívidas. Ou não serem os recursos liberados ou renovados os contratos de crédito.

No caso das empresas ou elas dispensam empregados e retomam a produção como e quando podem para obter receitas e honrarem seus compromissos ou vão à falência.

No caso dos países ou eles aplicam programas de pesado ajuste fiscal, monetário e creditício, reduzindo despesas, aumentando a taxa de juro de referência e diminuindo os compulsórios bancários, além de congelamento de aumentos salariais, entre outros. Ou se tornam inadimplentes com todas as consequências nefastas e penosas como impossibilidade de renegociar suas dívidas, tomar novas empréstimos, conseguir crédito para importar bens e serviços essenciais, entre outras medidas restritivas.

E os trabalhadores e a população como ficam? Não ficam! Não são levados em conta nas contas das empresas, das agências, dos bancos, e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ou melhor, trabalhadores e população são os últimos a saber e pagar a conta, ficam com desemprego, escassez de bens e serviços, aumentos extorsivos de preços, inadimplência e insolvência.

Os exemplos recentes da Zona do Euro mostram bem o quadro do esgarçamento social. Pelo menos Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda sofreram com a crise gerada no sistema financeiro internacional e detonada nos Estados Unidos pelo chamado caso dos “subprimes” – o calote nas dívidas dos tomadores de empréstimos para aquisição de casa própria por conta, pasmem!, da falta de controle e avaliação correta das agências de classificação de riscos.

Fome, miséria, perturbações de saúde física e psicológica, despejos e até episódios de suicídios foram relatados nesses países, incluindo os Estados Unidos onde a desigualdade social tem aumentado generalizada, profunda e consideravelmente nos últimos anos.

É o preço que pagamos pelo capitalismo: primeiro o pagamento das contas, depois a redução ou extinção dos direitos e benefícios sociais. Como as bases do sistema se assentam nas organizações empresariais e no sistema financeiro e bancário, eles são atendidos na frente dos trabalhadores e da população em geral. Por último, os últimos, pobres cidadãos e consumidores.

Mas felizmente há alternativas aqui e ali pelo mundo afora que dão as caras e pressionam a visão e a ótica estreitas econômicas e financeiras. A proteção do meio ambiente, os direitos dos consumidores, defesa dos desempregados, das minorias, dos imigrantes, da igualdade de direitos entre homens e mulheres, pobres e ricos, entre outros.

São iniciativas que se avolumam e mostram que os seres vivos são afinal os que mantém as economias, devendo portanto ter prioridade e transparência de acolhida, proteção e ajuda antes  que o capital e o dinheiro de empresas e banqueiros.

Essas iniciativas associadas às atividades de sobrevivência econômica de milhões, individuais ou de grupos, a maioria delas fora da assistência e cobertura do sistema econômico e financeiro dominante, dão corpo e consistência a uma força e energia digna de lutadores, sobreviventes, capazes de superar e reverter dificuldades e desafios.

Bancos do povo e organizações marginais assemelhadas podem entrar nessa rede de rejuvenescimento e incentivar a criação de Agências de Classificação de Oportunidades. Cuja principal motivação e sustentação seria a descoberta, caracterização, catalogação, incentivo, ajuda e cooperação para reforçá-las com assistência, organização, consultoria e crédito, financiamento e investimento.

Tirá-las do anonimato e lançá-las no mercado, especialmente o alternativo, não o milenar, onde seriam facilmente engolidas. Seu público primordial necessita de ser impulsionado, fomentado e equipado, para se expandir e agregar outras atividades conexas e intermediárias de suas cadeias produtivas. Uma rede de aliança e cooperação mais que de competição e individualismo.

As atividades eleitas seriam as que tivessem janelas de oportunidades para apresentarem suas novidades produtivas, técnicas, tecnológicas, econômicas e sociais  com potenciais satisfatórios de aceitação, consolidação, crescimento e expansão.

A grande sacada da cooperação entre empresas é a sustentação que cada uma dá às outras protegendo-as em grupo de eventuais alterações profundas e desestabilizadoras na demanda. Mais que no sistema monopolista e oligopolista convencional onde a retração ou quebra da empresa dominante ameaça a desagregação das relações entre todas. O mundo atual se vê na eminência de continuar se enterrando no capitalismo predatório ou se reinventar para sobreviver de uma maneira mais humana, social e colaborativa.


(*) Economista

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