Alejandro Fierro - Público.es transcrito do Carta Maior
postado em: 21/02/2014
Os meios de persuasão de massa
difundem por estes dias que a juventude da Venezuela é quem protagoniza
as manifestações contra o governo. Segundo esse relato, os milhares de
meninos e meninas que efetivamente saem às ruas para protestar
representariam a vontade da totalidade dos jovens. O mal-estar que eles
expressam em relação à inflação, à falta de segurança ou à suposta
ausência de democracia se estenderia aos mais de sete milhões e meio de
venezuelanos entre 15 e 29 anos.
Sob
tais circunstâncias, a imagem pintada pela imprensa é sumariamente
favorável à oposição. Por um lado, uns garotos que demandam um futuro
melhor, com todas as conotações positivas que a juventude implica:
rebeldia, liberdade, fé, generosidade... No outro extremo, forças
policiais repressoras a mando de um Executivo, o chavista, satanizado
até chegar a um ponto grotesco.
No
entanto, se esse cenário é real, surge a pergunta: Por que o chavismo
ganhou 18 das 19 eleições disputadas desde 1998? Já não se pode mais
justificar com o carisma de Hugo Chávez. Nos últimos comícios municipais
de dezembro, a dez meses de seu falecimento, o chavismo ganhou com dez
pontos de vantagem, uma distância impressionante depois de três
quinquênios no poder. Para quem continua apostando na teoria de fraude
eleitoral, vale recordar que a idoneidade de cada processo foi atestada
por um robusto time de observadores estrangeiros e pela comunidade
internacional. A eles também se somam chefes de Estado pouco
simpatizantes ao chavismo, como o colombiano Juan Manuel Santos, o
chileno Sebastián Piñera ou o mexicano Peña Nieto. Até mesmo a delegação
do Parlamento espanhol validou a vitória de Nicolás Maduro em abril de
2013, inclusive com a assinatura dos dois representantes do Partido
Popular.
Se
fosse verdadeiro o relato dos meios internacionais sobre esse cansaço
por parte da juventude, o chavismo deveria ter sido derrotado nas urnas
há bastante tempo, pois 60% da população venezuelana tem menos de 30
anos.
As
pesquisas de opinião pública podem ajudar a lançar alguma luz sobre tão
estranho mistério. Recentemente, foi publicada a II Pesquisa Nacional da
Juventude. Havia vinte anos que não se realizava um estudo com essas
proporções. Trata-se de um esforço gigantesco – 10.000 entrevistas
pessoais com jovens entre 15 e 29 anos de todo o país – para radiografar
um setor da população que tem pouco a ver com seus pais, dadas as
enormes mudanças verificadas nas últimas duas décadas.
Os
resultados se distanciam muito da imagem de uma juventude frustrada,
pessimista em relação ao futuro, cansada da falta de oportunidade e
sedenta por una liberdade que lhes é negada. Do total, 90% acredita que
sua titulação acadêmica lhe proporcionará “muitas ou bastantes
possibilidades de trabalho”; 93% diz que pode aspirar a um emprego
melhor que o atual; 98% continuará se formando, pois pensa que os
estudos servirão para conseguir um trabalho satisfatório. É só comparar
esses números com a Espanha, onde há 56% de desemprego entre os jovens e
centenas de milhares de universitários perguntam pra quê serviram
tantos anos de estudo. Em contrapartida, as respostas dos venezuelanos
apresentam otimismo em relação ao futuro.
Setenta
e sete por cento dos jovens dizem que continuarão em seu país, e apenas
13% deles afirmam que querem se mudar. Essas porcentagens refutam a
propaganda midiática de que a juventude quer fugir correndo da
Venezuela. E quanto à suposta ditadura na qual o país se converteu,
basta um dado esclarecedor: 60% considera que o melhor sistema é o
socialismo, enquanto 21% prefere o capitalismo. A partir dessas
evidências científicas, é possível compreender melhor por que o chavismo
conquista vitória sobre vitória.
Então,
quem os jovens que protestam em Caracas e em outras cidades
representam, se não os de mesma faixa etária? Obviamente, os de sua
classe social. Isto é, as classes médias e altas, além da casta
empresarial, que continua detendo um gigantesco poder. E esse setor é
minoritário frente às classes populares, que representam mais de 60% da
população.
A
Venezuela é um país extremamente classista, apesar do fato de que, na
última década, a desigualdade tenha diminuído mais do que em nenhum
outro país da América Latina, segundo as Nações Unidas. A divisão de
classe se reflete também nos aspectos racial e geográfico, conforme se
comprova nas manifestações. A proporção de pessoas brancas tem sido
avassaladora, embora apenas 20% da população se caracterize como
mestiça. E o epicentro das concentrações se localiza no eixo La
Castellana-Altamira-Palos Grandes-Sebucán, as áreas de Caracas onde o
metro quadrado é mais caro. Para situar o leitor espanhol, seria como se
saíssem para se manifestar os moradores do bairro de Salamanca, de
Madri, ou de Pedralbes, em Barcelona.
O
que ocorre nestes dias no país caribenho é o enésimo capítulo da luta
de classes, esta que, segundo o multimilionário norte-americano Warren
Buffett, os ricos começaram e estão ganhando. Na Venezuela, começou há
quase cinco séculos, e também foi iniciada pelos ricos. Ocorre que, há
15 anos, eles acumulam derrota sobre derrota.
(*) Jornalista e membro da fundação CEPS (Centro de Estudos Políticos e Sociais), da Espanha, com sede principal em Valência.
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