Por Paulo Moreira Leite, em seu blog: transcrito do blog do Miro
O alvo prioritário de nosso conservadorismo tem uma nova estrela –
a médica cubana que, de olho nas delícias de Miami, decidiu abandonar o
programa Mais Médicos. É um direito dela tentar escolher o país onde pretende
viver.
Mas é claro que nossos dinossauros da Guerra Fria pretendem fazer
desse gesto uma demonstração do fracasso do programa. Bobagem.
Quem tem direito a dizer se o programa é bom ou ruim é a população
interessada. E, ao que parece, os casos de sucesso são esclarecedores. O número
de prefeitos que aderem ao programa não para de crescer.
A campanha contra os médicos cubanos faz parte de um exercício de
anti-comunismo primário que nasceu há meio século e, agora, tenta ganhar novo
folego. Essa doutrina fazia parte do golpe que derrubou o governo
constitucional de João Goulart. Antes, como agora, conservadores brasileiros
querem convencer o país que todo esforço de aproximação com o regime de Fidel e
Raul Castro só traz prejuízos ao país, atrapalha nosso desenvolvimento e
diminui o emprego.
Eram chamados de “entreguistas” mas, anos de ditadura e de censura
acabaram retirando a expressão de nosso vocabulário político.
Jango deixou de ser um interlocutor válido, em Washington, quando
deixou claro que não iria dar o voto brasileiro para isolar Cuba no hemisfério.
Foi neste momento que John Kennedy mudou de lado, passando a
sabotar o governo brasileiro até que fosse derrubado. Outros pontos eram
importantes. Mas o inaceitável mesmo era a decisão de manter relações com Cuba
e contrariar a polícia externa da Casa Branca. Dois bons historiadores, Jorge
Ferreira e Moniz Bandeira, tem relatos claros e bem informados a esse respeito.
Cinquenta anos se passaram, o Muro de Berlim caiu, a União
Soviética foi dissolvida mas até hoje o coro contra Cuba persiste.
Fala-se em defesa da democracia, sem um fiapo de sinceridade
quando se recorda a postura assumida diante de golpes terríveis e prolongados
que vieram depois, como o de Augusto Pinochet, ou patéticos mas ainda assim
condenáveis, como aventuras recentes, no Paraguai, em Honduras.
Mas é um movimento tão distante das possibilidades e necessidades
do mundo real do mundo real, na segunda década do século XXI, que não enxerga
sequer as vantagens que uma aproximação com o regime cubano pode trazer ao país
– até do ponto de um ponto de vista capitalista.
Foi assim que assistimos a um coro ridículo e desinformado contra
a inauguração do porto de Mariel, em Cuba. Não vou repetir os argumentos que
foram divulgados nos últimos dias.
Chamo a atenção para um artigo que saiu hoje, na Folha. Seu autor
é Marcelo Odebrecht, presidente do grupo Odebrecht, responsável pela construção
do Porto de Mariel.
Partindo das críticas ao BNDES, apontado como a ponta de lança de
uma política de exportação de capitais destinada a manter um “regime de
servidão” em Cuba, o empresário explica que o banco financiou centenas de
empresas brasileiras. Sua avaliação está resumida numa frase: “Se o porto será
de grande importância para o socialismo cubano, foi o capitalismo brasileiro
que mais ganhou até agora.”
Alguns exemplos:
a) O BNDES não investiu em Mariel. O BNDES financiou as
exportações de cerca de 400 empresas brasileiras, lideradas pela Odebrecht, no
valor equivalente a 70% do projeto.
b) o financiamento à exportação gera empregos no Brasil, porque
não há remessa de dinheiro para o exterior. Os recursos são desembolsados aqui,
em reais, para a aquisição de 85% dos bens e serviços produzidos e prestados
por trabalhadores brasileiros (os demais 15% são pagos à vista pelo
importador).
c) em 2012, o BNDES destinou cerca de US$ 7 bilhões para apoiar o
comércio exterior e US$ 173 bilhões para o mercado interno.
d) para quem gosta de associar Cuba a pagamentos atrasados, o
empresário lembra que a ocorrência de calotes não está relacionada a
alinhamentos ideológicos: os maiores "defaults" recentemente
enfrentados pelo Brasil vieram dos Estados Unidos e do Chile.
Estes dados ajudam a entender que o mundo mudou – ainda que os
nostálgicos da Guerra Fria possam dar a impressão de que não entenderam a
mudança. É uma impressão falsa, porém. Praticam um entreguismo de novo tipo.
Eles analisaram, entenderam e fizeram uma opção diplomática,
conhecida nos meios como “integração subordinada”. Nas palavras de um
estudioso, consiste em reconhecer que “todos os países são iguais mas alguns
são mais iguais do que os outros.”
Estão alinhados com a diplomacia do Eixo do Mal, criada no governo
de George W Bush para justificar a derrubada de regimes que, de natureza muito
diversas, refletindo opções políticas diferentes, possuíam um ponto de vista
comum – a recusa em submeter-se a vontade de Washington e o esforço, ora bem
sucedido, muitas vezes apenas quixotesco, de preservar um valor chamado
soberania.
Nesse alinhamento, nossos conservadores são capazes de juntar-se à
direita americana mais truculenta nas críticas à determinadas iniciativas de
Barack Obama.
É essa visão, que enxerga na submissão uma forma legítima mas nem
sempre confessável de atuação diplomática, que está em debate. Alimenta as
campanhas a favor de uma política agressiva em relação a Cuba e os demais
governos que não são do agrado de Washington mas, muitas vezes, podem
representar aproximações valiosas para a diplomacia brasileira, inclusive do
ponto de vista econômico.
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